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E depois, o trem
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E-book143 páginas2 horas

E depois, o trem

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Sobre este e-book

Uma vida e muitas histórias, sempre abarcando outras, somando para depois dividir a imensa carga de emoções, verdades, perdas e ganhos, espraiada por seus incontáveis anos.O homem, agora escritor, soube reconhecer o seu papel no mundo, e dessa forma consegue estabelecer uma ordem em sua vida, em que vivencia toda a sorte de transformações. Uma ordem nem sempre definitiva, mas com certeza rica em cada uma de suas passagens, com personagens singulares passando a fazer parte de seus sonhos e realidades, seguindo com ele viagem no grande trem, e novos passageiros tomando assento em cada estação.
IdiomaPortuguês
EditoraLitteris
Data de lançamento10 de mar. de 2022
ISBN9786555730333
E depois, o trem
Autor

José Ribamar Garcia

Nasceu em Teresina, Piauí. Inserido no contexto literário e preocupado com o curso que este País toma a cada dia, ele jogou todas as suas fichas em uma obra que traduz sem pudor muito do que está gravado em suas páginas. Filhos da Mãe Gentil é o seu décimo livro. Ribamar mora no Rio de Janeiro, é casado e pai de quatro filhos.

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    E depois, o trem - José Ribamar Garcia

    E_depois_o_trem_-_capa_interna.jpg

    Copyright© 2015 by José Ribamar Garcia

    Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor através da

    LITTERIS ®    EDITORA.    

    ISBN:  978-85-374-0263-4 (livro impresso)

    ISBN:  978-65-5573-033-3 (versão digital)

    Arte Final de Capa

    Revisão

    Teresa Akil

    Francisco Valdez

    Editoração

    Litteris Editora

    Conversão

    Cevolela Edition

    CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Image400

    LITTERIS ® EDITORA    

    CNPJ 32.067.910/0001-88 - Insc. Estadual 83.581.948

    Av. Presidente Vargas, 962 sala 1411- Centro

    20071-002 - Rio de Janeiro - RJ

    Caixa Postal 150 - 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ

    Telefax: 2263-3141 / 2223-0030

    e-mail: litteris@litteris.com.br

    www.litteris.com.br

    2013 foi o ano do centenário de nascimento do meu pai, Francisco de Assis Garcia – ídolo, herói e modelo.

    Parte da vida dele e da de minha mãe, Bernarda de Sousa Garcia - a heroína –, contei em Entardecer.

    A Eles,

    Francisco de Assis Garcia - o insubstituível.

    e

    Dona Dedé, ou Bernarda de Sousa Garcia - a heroína.

    Ao quarteto – paixão e orgulho:

    Kíria

    Ivan

    Kássia

    Clara

    Também, à

    Roseli Mansur,

    que reforçou, com dinamismo, a terceira etapa da caminhada.

    Dedico.

    Desta velha poltrona de couro, que pertenceu ao seu Nagib, passo horas contemplando as estantes abarrotadas de livros. Contemplo mais do que leio. Ou leio menos do que almejo. O colorido das lombadas me proporciona uma visão agradável e uma sensação de bem-estar.

    Esta biblioteca começou com um único exemplar. O da gramática latina – de papel fino, letras miúdas e capa dura –, de autoria de Johan Nicolai Madvig, mestre da Universidade de Copenhague, editada em 1942, pela Livraria Machado, de Lisboa, e traduzida para o português pelo Prof. Epifânio da Silva Dias. Ganhei-a do Dr. Antônio Batista de Araújo, quando eu cursava o primeiro ano do ginásio no Liceu Piauiense, e o professor de Latim era o irrequieto e dedicado Chico César, que tinha boa didática e bela dicção.

    Ao deixar Teresina, naquele distante fevereiro de 1961, trouxe-a comigo. Desde então, tem-me servido. Agora menos. Mas houve época em que a manuseava amiúde, sobretudo durante o Curso Clássico, no Colégio Frederico Ribeiro e depois no vestibular para a Faculdade de Direito de Niterói – da UFF. A ela devo pela excelente pontuação na prova de Latim.

    ~

    Nasci, antes do prazo. numa madrugada de coriscos e tempestade, no dia 10 de abril de 1946, em Teresina, na rua que havia atrás da penitenciária. Ambas desaparecidas: a rua e a penitenciária.

    Minha primeira infância foi alegre e movimentada, apesar de alguns contratempos com a saúde. Lembro-me de que, por muito tempo, não podia tomar nada gelado, porque, à noite, sentia dificuldades para respirar. Pior, só o ataque de verminose, que me fez tomar uma série de injeções e vários banhos de luz, aplicados pelo Dr. Sofiele, médico do IAPC, que funcionava no prédio mais alto da cidade – o único com elevador. Em compensação, afeto era o que não me faltava. Tanto dos meus pais, quanto das tias paternas (Candoca – a Dinha –, Leonilda – a Titia – e Aureliana – a Mãeanda –). Além dos mimos da minha avó paterna, Silvina, a quem os netos chamavam de Mãezinha. Os primos? Marita, Maria Inês, Raimundo Nonato, Aloísio e José de Ribamar, eram todos adultos e me cobriam de cuidados. Meu tio paterno, Bernardo Garcia, o Dinho, vivia na cidade maranhense de Santa Quitéria. Convivência com ele só nas férias – e encantadora. Ainda havia mais outro a satisfazer meus desejos, o tio Lopes (Bernardo Lopes), marido de tia Leonilda.

    Toda essa gente me encheu de amor.

    Quando me entendi, eles, procedentes do Maranhão, moravam numas casas de palhas com piso de terra batida, no final da Rua Riachuelo, que acabava no muro do estádio Lindolfo Monteiro. O terreiro dessas casas era sombreado pelas copas de velhas e altas mangueiras, que davam ao local um aspecto bucólico. Depois, cada um foi-se mudando. Tio Lopes com tia Leonilda e os filhos, Aloísio e Ribamar, para o bairro Buenos Aires, e levaram minha avó, porque o clima do lugarejo, então com meia dúzia de residências, era melhor para sua bronquite. Marita, filha da tia Aureliana, casou com Demerval Veras, cabo do Exército, e se instalou na Matinha, numa quinta que pertencia à família dele, situada a uma quadra do rio Parnaíba, entre as ruas Lucídio Freitas e Jônatas Batista. Acompanharam o casal Maria Inês – irmã de Marita – e a tia Candoca, que se manteve solteira por toda a vida. Tia Aureliana escolheu o bairro Stand Tiro e levou consigo o filho Raimundo Nonato, irmão de Marita e Inês.

    Dos primos, só a Marita era casada. Raimundo Nonato foi o próximo, seguido por Aloísio, Ribamar e Maria Inês. Moça bonita, valente e espirituosa. Trabalhou na Casa Singer e, como os demais Garcia, tinha um gênio forte e impetuoso. Nada lhe ficava sem resposta. Na medida em que iam se casando, eu passava a ter mais outra casa – e sempre alvo de atenções.

    Maria Inês casou-se com João Meneses, dono de um caminhão que transportava lenha para a Usina Elétrica. Ela viveu muito pouco e deixou quatro filhos pequenos. Do mais velho, João Batista, fui padrinho. Tempo em que eu não havia sido contaminado pelo ceticismo, que direcionou minha fé para o mundo real.

    Por fim, Inês chegando ao Rio de Janeiro. Magra, desanimada, depauperada, em busca de cura. Internou-se no Hospital Pedro Ernesto. Após semanas de exames e biópsias, o médico me chamou em particular e explicou a situação. O câncer alcançara todo seu organismo. E recomendou que ela voltasse para casa e evitasse qualquer aborrecimento. Por quanto tempo? Talvez por quatro ou cinco meses. Enxuguei as lágrimas, lavei os olhos, e me dirigi ao quarto onde ela me esperava, ansiosa, para saber o que o doutor dissera.

    – Disse que você tem uma complicação no pâncreas, mas vai ficar boa.

    – Eu não estou com câncer, não?

    – Claro que não.

    – E por que esta minha cor esverdeada?

    – Ele falou que sua cor vai voltar ao normal.

    – Eu estou é com câncer – disse desanimada e manteve-se pensativa. Não acreditou no que eu dissera. Em menos de quatro meses, falecia.

    Mãeanda não se aquietava em canto algum. Do Stand Tiro pulou para o Barrocão, Porenquanto, Piçarra, Primavera e até a cidade de Altos. E Papai sempre próximo, visitando-a e nos levando junto.

    Em matéria de memória, chego a fatos ocorridos por volta dos meus quatro anos. Se me concentrar, forçar a mente, talvez, vá mais longe. Mas, pra quê? Qual a relevância? Conheço gente que se vangloria por se lembrar de coisas que lhe aconteceram antes de completar um ano de idade. Não duvido da veracidade. Do que duvido é da importância dessas lembranças. Muitos dizem, até para ouvir do interlocutor: Você tem uma memória invejável! E sente-se inflado, feliz. Até parece que a felicidade está na capacidade de evocação, geralmente de situações insignificantes.

    Eu tinha uns quatro anos. Havia cometido uma traquinagem e com medo de ser castigado, escondi-me debaixo da cama dos meus pais. De onde, a todo instante, punha a cabeça para fora e perguntava: Ô gente, o Papai já chegou? Certo de que, quando chegasse para o almoço, me tiraria do aperto. A família achou o máximo aquela ingenuidade.

    Outro fato, lá pelos seis anos. Era comum no interior alguém pegar filhos dos outros pra criar. Mamãe, quando se casou, assumiu duas pré-adolescentes: Cotinha e Maria de Lurdes. Esta era quem, às vezes, me botava para dormir. Mas tinha um jeito estranho de fazer. Deitava-se na rede, suspendia o vestido até a cintura e me colocava sobre ela. Enquanto me apertava forte contra seu corpo e roçava os quadris, vagarosamente para os lados. Tinha a pele morena e as partes íntimas cobertas por pelos escuros. Algo naquilo me agradava. Tanto que só queria dormir se fosse com ela, ainda que, na manhã seguinte, amanhecesse de espinhaço dolorido.

    ~

    Quanto à segunda infância, começou com tragédia. Tinha nove anos, quando o câncer levou meu Pai. Exatamente dez dias depois de Ele ter completado 42 anos. Eu brincava no fundo do quintal com meu caminhão feito de talo de buriti, enchendo-o com caroços de cajá, quando uma das tias me chamou. Ele, na rede, sem fôlego, lutava em busca de ar. Tentava desesperadamente aspirar e não conseguia, e soltava o pouco que restava nos pulmões. Quanto desespero. Quanta ansiedade. Quanto esforço à procura do ar, que se afastava dele sorrateiramente. Minha Mãe, ao lado, cuidou de lhe retirar a dentadura para que não se engasgasse e facilitasse a respiração, enquanto tio Olinto, irmão dela, segurava o braço dele, controlando o pulso que mais ia do que vinha. Essa cena demorou quase meia hora. Para Ele uma eternidade, ou a prévia da que se aproximava. Sempre lúcido, perguntava a todo instante se o irmão, vindo do Maranhão, havia chegado. As últimas palavras foram Dedé e mamãe. O coração parou às 12h40min. No calendário de folhinhas, onde havia a imagem do coração de Jesus, pregado na parede do quarto, assinalava o dia 14 de outubro de 1955. O irmão chegaria às 13h.

    Daí as coisas escureceram em nossa casa e na nossa vida. Só não permanecemos nas trevas, nem desandamos, graças à coragem e determinação de minha Mãe. Viúva aos 32 anos e grávida de sete meses, conseguiu manter firme o leme da canoa. A nascitura (Lúcia) chegaria dois meses depois. Mulher de fibra, a dona Dedé. Criou e educou, sozinha, os quatro filhos: João Alfredo, José Ribamar, Maria da Conceição e Lúcia de Fátima.

    A perda de meu Pai, que eu procurava imitar em tudo, sobretudo nas minhas solitárias brincadeiras, deixou-me revoltado. Revolta generalizada. Exceto contra o pessoal de casa, os parentes já nominados e os dois amigos dele - Zuza Pedrosa, meu padrinho, e seu Anerão –, que viviam no Maranhão, mas continuaram frequentando nossa casa, quando vinham à Teresina. Muitos dos que se diziam amigos fugiram da gente. Medo de que minha Mãe fosse procurá-los para pedir alguma coisa. Não conheciam o orgulho de dona Dedé. Também notei a diferença de tratamento, eivado de discriminação, por parte de algumas pessoas, inclusive de certos parentes maternos. A verdade é que os adultos costumam subestimar o grau de sensibilidade da criança. Ignoram sua capacidade de percepção e a noção que ela tem sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto.

    Passei, e às vezes, até inconscientemente, a extravasar essa revolta. Brigava à toa. A gente morava no n° 889 da Rua Benjamim Constant, trecho situado entre as ruas Firmino Pires e Riachuelo, em pleno coração da outrora Baixa da Égua. Hoje, incorporado ao

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