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Literatura Brasileira: 1500 a 1900
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E-book336 páginas4 horas

Literatura Brasileira: 1500 a 1900

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Sobre este e-book

Que interesse despertaria um livro sobre a Literatura Brasileira escrito em 1922? A resposta é simples: a proximidade com os eventos e a contemporaneidade com os autores representativos, além de ter sido escrito por uma autoridade em literatura, erudito e crítico isento. O que temos aqui é uma visão não apenas da formação de nossa literatura, mas uma análise dos caminhos que se abriam e das perspectivas futuras. O enfoque principal do autor, Isaac Goldberg, é a literatura como arte, sem desconsiderar seus aspectos secundários, que em alguns pontos a enobrecem e em outros, desvirtuam por aspectos, tendências, influências e características pessoais dos autores. O panorama mundial e as literaturas de língua portuguesa e espanhola nas Américas servem como pano de fundo para embasar comentários. A comparação inevitável permite uma análise mais aprofundada dos caminhos tomados e a serem tomados, sempre com isenção, mas sem perder o caráter crítico com que alguns concordarão e outros poderão discordar. Não importa. A base crítica fica estabelecida e, a partir dela, podem surgir adeptos ou contestadores e isso apenas beneficiará o resultado final desse debate onde, o que se busca, é conhecer, entender e fortalecer nossa literatura.Uma síntese do conteúdo pode ser resumida no prefácio de J D Ford, que esclarece:“O Dr. Goldberg, que já prestou amplo tributo à produção literária da América de língua espanhola, dá agora prova da catolicidade de seu interesse ao examinar todo o curso da literatura na América de língua portuguesa, a vasta terra do Brasil, analisando as composições de algumas figuras destacadas entre os escritores da região. Conhece de primeira mão os autores e as obras de que trata; ele sabe o que os críticos nativos e estrangeiros têm a dizer sobre eles; ele expressa sem reservas sua própria opinião sobre eles. Ele dá elogios onde o elogio é devido e, de maneira gentil, impõe restrições ao que exige restrições. No geral, suas páginas contêm mais elogios do que censura; e é assim que deve ser, pois muitas das realizações literárias do Brasil colonial, imperial e republicano são inquestionavelmente de valor duradouro. Seu elogio, além disso, é proferido sem qualquer sombra daquela condescendência que os críticos europeus julgam dever manifestar quando julgam a cultura da América do Norte ou do Sul.”O livro é uma viagem no tempo em todos os sentidos.Apreciem!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de fev. de 2023
ISBN9781526075932
Literatura Brasileira: 1500 a 1900

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    Literatura Brasileira - L P Baçan Tradutor

    APRESENTAÇÃO

        Que interesse despertaria um livro sobre a Literatura Brasileira escrito em 1922? A resposta é simples: a proximidade com os eventos e a contemporaneidade com os autores representativos, além de ter sido escrito por uma autoridade em literatura, erudito e crítico isento. O que temos aqui é uma visão não apenas da formação de nossa literatura, mas uma análise dos caminhos que se abriam e das perspectivas futuras.

        O enfoque principal do autor, Isaac Goldberg, é a literatura como arte, sem desconsiderar seus aspectos secundários, que em alguns pontos a enobrecem e em outros, desvirtuam por aspectos, tendências, influências e características pessoais dos autores.

        O panorama mundial e as literaturas de língua portuguesa e espanhola nas Américas servem como pano de fundo para embasar comentários. A comparação inevitável permite uma análise mais aprofundada dos caminhos tomados e a serem tomados, sempre com isenção, mas sem perder o caráter crítico com que alguns concordarão e outros poderão discordar. Não importa. A base crítica fica estabelecida e, a partir dela, podem surgir adeptos ou contestadores e isso apenas beneficiará o resultado final desse debate onde, o que se busca, é conhecer, entender e fortalecer nossa literatura.

        Uma síntese do conteúdo pode ser resumida no prefácio de J D Ford, que esclarece:

        O Dr. Goldberg, que já prestou amplo tributo à produção literária da América de língua espanhola, dá agora prova da catolicidade de seu interesse ao examinar todo o curso da literatura na América de língua portuguesa, a vasta terra do Brasil, analisando as composições de algumas figuras destacadas entre os escritores da região. Conhece de primeira mão os autores e as obras de que trata; ele sabe o que os críticos nativos e estrangeiros têm a dizer sobre eles; ele expressa sem reservas sua própria opinião sobre eles. Ele dá elogios onde o elogio é devido e, de maneira gentil, impõe restrições ao que exige restrições. No geral, suas páginas contêm mais elogios do que censura; e é assim que deve ser, pois muitas das realizações literárias do Brasil colonial, imperial e republicano são inquestionavelmente de valor duradouro. Seu elogio, além disso, é proferido sem qualquer sombra daquela condescendência que os críticos europeus julgam dever manifestar quando julgam a cultura da América do Norte ou do Sul.

        O livro é uma viagem no tempo em todos os sentidos.

        Apreciem!

    L P Baçan

    ISAAC GOLDBERG

    isaac.png

    Isaac Goldberg (1887 - 1938) foi jornalista, autor, crítico, tradutor, editor, e palestrante americano. Nascido em Boston, estudou na Universidade de Harvard e recebeu um bacharelado em 1910, um mestrado em 1911 e um doutorado em 1912. Viajou para a Europa como jornalista durante a Primeira Guerra Mundial, escrevendo para o Boston Evening Transcript. Escreveu biografias de H. L. Mencken, Havelock Ellis, W. S. Gilbert, Arthur Sullivan e George Gershwin, livros sobre apreciação teatral e musical, livros de literatura hispano-americana e contribuiu com artigos para diversas revistas. Fundou, publicou e editou uma revista mensal chamada Panorama. Era fluente em iídiche, espanhol, francês, alemão, italiano e português e traduziu uma variedade de obras literárias para o inglês. Escreveu uma história da literatura espanhola e portuguesa na América.

    PREFÁCIO J D FORD

    O Brasil se prepara para comemorar dignamente o centenário de sua independência. O mundo lá fora é convidado para a festa e para o belo Rio de Janeiro, muitas nações estão enviando seus emissários com felicitações e presentes. Nosso próprio país, os Estados Unidos da América do Norte, está consciente de seu dever e de seu privilégio nesta ocasião e os delegados credenciados apresentam suas felicitações a seu sempre fiel associado na promoção da paz e da fraternidade em todo o Hemisfério Ocidental. Talvez não seja levado a mal, se o estudioso e crítico acrescentar seu testemunho às expressões de boa vontade vindas de todos os lados. O que é mais adequado do que um estudioso e crítico de nossos Estados Unidos se juntar ao coro e expressar uma apreciação honesta das letras brasileiras?

    O Dr. Goldberg, que já prestou amplo tributo à produção literária da América de língua espanhola, dá agora prova da catolicidade de seu interesse ao examinar todo o curso da literatura na América de língua portuguesa, a vasta terra do Brasil, analisando as composições de algumas figuras destacadas entre os escritores da região. Conhece de primeira mão os autores e as obras de que trata; ele sabe o que os críticos nativos e estrangeiros têm a dizer sobre eles; ele expressa sem reservas sua própria opinião sobre eles. Ele dá elogios onde o elogio é devido e, de maneira gentil, impõe restrições ao que exige restrições. No geral, suas páginas contêm mais elogios do que censura; e é assim que deve ser, pois muitas das realizações literárias do Brasil colonial, imperial e republicano são inquestionavelmente de valor duradouro. Seu elogio, além disso, é proferido sem qualquer sombra daquela condescendência que os críticos europeus julgam dever manifestar quando julgam a cultura da América do Norte ou do Sul.

    Aos seus concidadãos dos Estados Unidos da América do Norte, o Dr. Goldberg apresenta agora uma oportunidade de vislumbrar aspectos da alma de uma nobre terra do Sul, sua constante aliada. A importância política e comercial do Brasil eles conhecem bem, mas seu significado literário não tem sido tão evidente para eles. Se, lendo suas palavras, conceberem respeito pelo esforço e realização brasileira no mundo das letras, sua recompensa será verdadeiramente grande; e essa recompensa é verdadeiramente merecida.

    J D FORD

    (Nt. Jeremiah Denis Mathias Ford foi um educador e autor americano, Professor Emérito das Línguas e Literaturas Francesa e Espanhola na Universidade de Harvard de 1907 a 1943.

    PREFÁCIO DO AUTOR

    Os planos para este livro, bem como para meus Estudos de Literatura Hispano-Americana, foram concebidos durante os anos de 1910-1912, enquanto eu estava envolvido no trabalho de pesquisa do professor J D M Ford, chefe do Departamento de Línguas Românicas da Universidade de Harvard. Não era apenas a falta de livros didáticos tanto no campo hispano-americano quanto no brasileiro, pois meu interesse está centrado no prazer estético e não na transmissão despersonalizada dos fatos. Uma lacuna escancarada de ignorância nos separou então da América que não fala inglês, nem a ignorância estava toda do nosso lado. As oportunidades comerciais, mais do que a curiosidade cultural, serviram para impulsionar o estudo do espanhol e logo estávamos lendo ficção não só da Espanha, mas da América espanhola. Na medida em que o espírito mercantil foi responsável por esse interesse literário mais amplo, ele prestou um serviço indubitável à arte ao ampliar nossos horizontes, mas deve-se ter cuidado ao superestimar o ganho permanente. Infelizmente, a iteração fonográfica de banalidades diplomáticas não aproxima os continentes, a menos que seja para propósitos loucos de guerra. Se, então, estamos, como povo, tão longe como sempre da América espanhola, o que dizer de nossa distância espiritual dos Estados Unidos do Brasil?

    Posso ser perdoado se indicar, por exemplo, que a língua do Brasil não é o espanhol, mas o português. E se este simples fato for uma surpresa para qualquer leitor, que ele não fique indevidamente sobrecarregado, pois ele erra em companhia distinta. Assim, Gustave Le Bon, famoso pela psicologia das multidões, fala da América do Sul em seu Leis Psicológicas dos Povos (p. 131, 12ª ed., 1916) como sendo predominantemente de origem espanhola, dividida em numerosas repúblicas, das quais a Brasileira é um. Ainda em 1899, Vacher de Lapouge, em seu livro sobre o Ariano, poderia descrever o Brasil como um vasto estado negro retornando a um estado de selvageria, importante, como o México, apenas de forma numérica [1]. Um pequeno retorno, ao que parece, à adesão intelectual do Brasil à França, mas indicativo de indesculpável ignorância não apenas do Brasil, mas do México, onde a vida cultural, embora concentrada, é intensa e produtiva de resultados que valeriam a pena examinar. Em 1899, o Brasil já havia produzido um conjunto bastante respeitável de escritores criativos originais, enquanto a poesia mexicana aumentava a riqueza dos novos versos espanhóis. Onde os especialistas se desviam, então, quem guiará o leigo inocente? Os brasileiros também não estão sem seu caso contra os ingleses, como observaremos agora na discussão de uma seção discutida da História da Civilização na Inglaterra, de Buckle, embora devam a mais de um inglês anterior a história de sua terra. Robert Southey, por exemplo notável, após o colapso dos planos pantisocráticos acalentados por ele e Coleridge, encontrou tempo para escrever uma História do Brasil que é lida hoje apenas um pouco menos frequentemente do que sua poesia.

    A história do Brasil, como a inesquecível Gália, de César, é geralmente dividida em três partes:

    (1) do descobrimento pelos portugueses em 1500 à Independência em 1822;

    (2) a monarquia independente, que durou até 1889;

    (3) a república, 1889 até o presente.

    Este, então, é o ano do centenário da independência brasileira e, como nenhum livro inglês ainda procurou traçar a história literária da nação, a ocasião parece propícia para uma introdução tão modesta como esta. Espero ter pronto o volume mais completo que o precede dentro de alguns anos, como contribuição ao estudo da imaginação criadora deste lado do Atlântico.

    Se, em qualquer parte, pareço dogmático, posso apenas alegar as exigências de espaço, que permitem pouca discussão analítica. Não acredito em fórmulas claras aplicadas à arte; onde os fatos são apresentados, eles são dados da forma mais sucinta possível, enquanto as opiniões devem ser sugestivas e não – palavra feia! – definitivas. A primeira parte do livro é dedicada a um esboço da história da literatura brasileira; isso visa fornecer o pano de fundo para uma apreciação adequada das figuras representativas tratadas na segunda parte. Uma vez que a primeira parte trata em grande parte de fatos, pretendi dar ao leitor não apenas uma visão pessoal, – que pertence mais apropriadamente aos ensaios da segunda – mas também um resumo das poucas autoridades que trataram do assunto. Constitui, assim, uma introdução razoavelmente adequada ao estudo mais profundo da literatura brasileira, que pode algum dia interessar a uma parte de nosso corpo estudantil e, além disso, será útil para completar as arestas de um conhecimento geral das letras. Mais importante ainda, deve ajudar a uma apreciação da personalidade nacional brasileira. Quanto às figuras representativas escolhidas para um tratamento mais individual, por um traço ou outro elas emergem do segundo plano como contribuições do Brasil para algo mais do que um interesse exclusivamente nacional, ou então oferecem uma oportunidade marcante para o estudo de fases da mente nacional.

    Embora nenhum texto como aparece aqui tenha sido impresso em outro lugar, parte do assunto formou a substância de artigos que foram publicados, entre 1914 e o presente, no Boston Evening Transcript, no Christian Science Monitor, na Literary Review of New York Evening Post, New York Times, Bookman, Stratford Journal e outros periódicos, a cuja administração e editores sou grato não apenas pela permissão de reimpressão, mas por sua prontidão em aceitar esse material exótico. Pela ajuda bibliográfica e outros favores, agradeço também à Academia Brasileira de Letras, Carlos de Laet, Presidente; a Manoel de Oliveira Lima, da Academia Brasileira; Gilberto Freyre; C J Babcock, bibliotecário da Columbus Memorial Library, Washington, DC; C K Jones; Prof. H R Lang, Yale; Dr. A C Potter e à Biblioteca de Harvard; ao Sr. Hélio Lobo, Cônsul Geral em Nova York para o Brasil; e ao meu amigo Professor J D M Ford, de Harvard. Pelo índice, estou em dívida com minha esposa.

    ISAAC GOLDBERG.

    Roxbury, Massachusetts.

    NOTA DE RODAPÉ:

    [1] Tomo estes exemplos do Senhor De Carvalho. Estudantes de letras brasileiras não terão dificuldade em multiplicar exemplos de sua experiência pessoal com amigos eruditos.

    PRIMEIRA PARTE

    UM ESBOÇO DA HISTÓRIA DA LITERATURA BRASILEIRA

    CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO

    O Meio e a Mestiçagem – Tradição Portuguesa, Contribuições Africanas e Indígenas – Modificação Linguística – Nacionalismo e Literatura – Problemas do Futuro – Fases da Literatura Brasileira.

    I

    Embora o Brasil só tenha sido descoberto no primeiro ano do século XVI, o nome há muito pairava na consciência medieval junto com aquelas outras ilhas misteriosas que povoavam os mapas e a imaginação dos dias sombrios e fantásticos. Dos gregos vinha a lenda de uma Atlântida, que, ao longo dos séculos, assumiu formas cambiantes, perdendo logo seu status de continente e tornando-se uma ilha. Assim, em um mapa do Atlas Medicis, datado de 1351, está registrado um Brasil. O nome variou de Braçir, Brasil, Brazylle a O'Brasile, e a posição mudou com igual instabilidade; ora a mítica ilha ficava perto dos Açores, ora perto da costa ocidental das Ilhas Britânicas. Charles Squire, em seu livro A Mythology of British Islands [1], relata que, de acordo com a lenda, os deuses, tendo perdido sua morada celestial, deliberaram sobre algum substituto terrestre. Em sua discussão surgiu um paraíso além do mar – uma ilha ocidental descrita de várias maneiras como uma terra de promessa, de felicidade e de juventude e como a ilha de Breasal ou Hy-Breasail. Supõe-se que alguns dos primeiros descobridores, imaginando que haviam chegado à ilha do Éden, a denominaram Brasil, da mesma forma que Colombo nomeou as Índias, considerando sua busca pela Índia finalmente bem-sucedida.

    Seja como for, o primeiro nome dado oficialmente ao Brasil foi Terra da Verdadeira (ou Santa) Cruz; só mais tarde o nome Brasil, supostamente dado pelo rei Emanuel de Portugal, substituiu o piedoso título. Há algo de simbólico na mudança; brasil [2] é o nome da madeira tinteira avermelhada, que se tornou tão importante comercialmente que provocou combates navais e rivalidades luso-francesas, levando à efetiva ocupação do território pelos portugueses. A trave da cruz cedeu a uma madeira mais humilde como designação nacional, assim como as piedosas pretensões dos primeiros colonizadores rapidamente desapareceram diante de sua ímpia ganância.

    Os primeiros relatos da terra recém-descoberta corresponderam às visões paradisíacas que inspiraram parcialmente a busca. Verdadeiramente, ali estava uma terra prometida, um paraíso terrestre que fazia os homens mergulharem suas penas em leite e mel quando escreviam sobre suas maravilhas. Vaz de Caminha, no que tem sido chamado de certidão de batismo da nação, tornou-se rapsódico em vão; Vespúcio – aquele que deu nome ao continente americano – na verdade chamou-o de paraíso terrestre, mas os portugueses demoraram a valorizar a nova posse; a cruz não era uma cruz de ouro. Nóbrega, em 1549, exagerou a extensão da nova descoberta, assim como outros exagerariam a variedade e a magia de sua fauna e flora; ele considerou que ocupava nada menos que dois terços da área do mundo. Padre Anchieta, o nobre líder dos jesuítas, repetiu (1585) a glorificação de Vespúcio e considerou a nova terra não inferior a Portugal, e assim percorreu a ladainha de adoração da pena topográfica de Gabriel Soares ao cronista Cardim, ao pomposo Rocha Pitta, e – agora com muitas modificações realistas – até nossos dias, quando Graça Aranha, pelo próprio título de seu romance Canaã, revela sua concepção de seu país natal como a Terra Prometida. Desde o início, a nova descoberta cativou a imaginação dos europeus; até hoje sua principal qualidade é a imaginação que o Sr. Aranha, em discurso na Sorbonne (1913), distinguiu da imaginação de outros povos. No Brasil, explicou, o traço coletivo é a imaginação. Não é a faculdade de idealização, nem a criação da vida através da expressão estética, nem a predominância do pensamento; é, antes, a ilusão que vem da representação do universo, o estado de magia em que a realidade se dissipa e se transforma em imagem (...) As raízes distantes dessa imaginação podem ser encontradas nas almas das várias raças que se encontraram em meio à prodigalidade da natureza tropical. Cada povo trouxe para a fusão sua própria melancolia. Cada um, tendo chegado com o espírito cheio do terror de vários deuses, com a angústia das lembranças de um passado para sempre perdido, foi possuído pelo indefinível mal-estar da terra estrangeira. Assim se desenvolveu aquela sensibilidade implacável que engrandece e distorce as coisas, que alternadamente exalta e deprime os espíritos, que traduz ansiedades e desejos; uma fonte perturbada de poesia e religião, através da qual aspiramos à posse do Infinito, apenas para nos perdermos imediatamente no Nirvana da inação e do devaneio. Benedito Costa [3] comparou essa mesma imaginação à floresta brasileira, com sua desordem e opulência, seu vigor e languidez; árvores que duram séculos e flores que desabrocham apenas alguns momentos; cipós que vivem da seiva de outras vegetações; o brilho das orquídeas, o canto dos pássaros de cores iridescentes, o calor... Há na alma de todo brasileiro os mesmos contrastes que caracterizam a floresta tropical [4].

    O Brasil, porém, não é só floresta, assim como, intelectualmente, não é só confusão tropical. Existem montanhas e vales e costas extensas e cada região tem uma influência distinta sobre o habitante. Assim, o clima do sertão [5] (planalto interior) é menos variável e muito mais salubre do que o litoral. O homem aqui representa perfeitamente os traços do meio em que nasce e habita: o sertanejo (isto é, o habitante do sertão) é sombrio, magro, desconfiado e supersticioso, raramente agressivo, precipitado em seus impulsos, silencioso como as vastas planícies que o cercam, calmo nos gestos, lacônico no falar e, acima de tudo, afundado em uma melancolia inexprimível que está em seus olhos, em seu semblante misterioso, em todas as curvas rudes de seu corpo ágil, mais esguio do que musculoso. O homem do litoral é nervoso, de sensibilidade aguçada; ele pode sorrir e gargalhar, tem uma imaginação brilhante e é um pensador barulhento e turbulento; ele é um artista, preferindo imagens coloridas a ideias abstratas; ele é esguio, de linhas bem proporcionadas, fala melhor quando improvisa, discute os assuntos com a maior facilidade e às vezes com ousadia e geralmente respeita apenas suas próprias opiniões; ele é quase sempre orgulhoso e ousado. O homem do sertão, por exemplo, é Euclides da Cunha; o homem do litoral, Joaquim Nabuco [6].

    É em conexão com o clima do Brasil que seus escritores criticaram Henry Thomas Buckle; as passagens responsáveis pelo problema ocorrem no Capítulo II da famosa History of Civilization in England, onde o investigador considera a influência exercida pelas leis físicas sobre a organização da sociedade e sobre o caráter dos indivíduos. Cito as passagens originais de Buckle e dou a refutação, que foi originalmente feita pelo infatigável polemista Sílvio Romero.

    O vento alísio, soprando na costa leste da América do Sul e vindo do leste, atravessa o oceano Atlântico e, portanto, atinge a terra carregada com os vapores acumulados em sua passagem. Esses vapores, ao tocarem a costa, são, em intervalos periódicos, condensados em chuva; e como seu progresso para o oeste é impedido por aquela gigantesca cadeia dos Andes, que eles não conseguem passar, eles despejam toda a sua umidade no Brasil, que, em consequência, é frequentemente inundado pelas torrentes mais destrutivas. Esse suprimento abundante, auxiliado por aquele vasto sistema fluvial peculiar à parte oriental da América, e também acompanhado pelo calor, também estimulou o solo a uma atividade sem igual em qualquer outra parte do mundo. O Brasil, que é quase tão grande quanto toda a Europa, está coberto por uma vegetação de incrível profusão. De fato, tão espesso e luxuriante é o crescimento, que a Natureza parece tumultuar na própria libertinagem de seu poder (...) Tal é o fluxo e a abundância da vida pela qual o Brasil é marcado acima de todos os outros países da terra. Mas, no meio desta pompa e esplendor da Natureza, não sobra lugar para o Homem. Ele é reduzido à insignificância pela majestade com a qual está cercado. As forças que se opõem a ele são tão formidáveis que ele nunca foi capaz de enfrentá-las, nunca foi capaz de resistir à pressão acumulada. O Brasil inteiro, apesar de suas imensas vantagens aparentes, sempre permaneceu totalmente incivilizado, seus habitantes, selvagens errantes, incapazes de resistir a esses obstáculos que a própria generosidade da natureza colocou em seu caminho. Os rios são largos demais para serem transpostos; tudo é planejado para reter a mente humana e reprimir sua crescente ambição. É assim que as energias da Natureza atrapalharam o espírito do Homem. Em nenhum outro lugar existe um contraste tão doloroso entre a grandeza do mundo externo e a pequenez do interno. E a mente, acovardada por esta luta desigual, não só não conseguiu avançar, como sem ajuda externa teria indubitavelmente recuado. Pois mesmo atualmente, com todas as melhorias constantemente introduzidas da Europa, não há sinais reais de progresso (...) Estas considerações explicam porque é que em todo o Brasil não existem monumentos nem mesmo da civilização mais imperfeita; nenhuma evidência de que as pessoas, em qualquer período, se elevaram acima do estado em que foram encontradas quando seu país foi descoberto pela primeira vez.

    Em sua História da Literatura Brasileira [7], Romero dedica seu terceiro capítulo para acertar Buckle. O Brasil, declara, longe de sofrer chuvas excessivas, está sujeito a secas calamitosas e destrutivas. O inglês, que nunca visitou o Brasil, também erra em sua concepção das maravilhas naturais do país, que ele exagera na forma tradicional que foi transmitida pelos primeiros visitantes. Apesar da presença do Amazonas, os rios em geral são pequenos, não os maiores do mundo; as montanhas, da mesma forma, longe de erguer suas cristas em alturas nubladas inatingíveis, são de quarta e quinta ordem quando comparadas com suas companheiras do velho mundo ou do novo. Nem os animais no Brasil são mais gigantescos e ferozes do que em outros lugares. Nossa fauna, escreve Romero, não é a mais rica nem a mais terrível do mundo. Não temos o elefante, o camelo, o hipopótamo, o leão, o tigre, o rinoceronte, a zebra, a girafa, o búfalo, o gorila, o chimpanzé, o condor e a águia. Buckle fala da fertilidade inigualável do Brasil como um impedimento; a verdade é que sua fertilidade não é incomparável, nem é um impedimento. Em conclusão, Buckle está certo na imagem que desenha de nosso atraso, mas errado na determinação de suas causas. Segundo Romero, três razões principais devem ser aduzidas; estes são (1) naturais, (2) étnicos e (3) morais. Para o primeiro [10] pertence o calor excessivo, em conjunção com as secas na maior parte do país, bem como as febres malignas prevalentes no litoral. A principal delas é a incapacidade relativa das três raças que compõem a população. Aos últimos pertencem os fatores históricos chamados política, legislação, hábitos, costumes, que são efeitos que depois agem como causas. Ronaldo de Carvalho [8] considera a resposta de Romero um tanto tímida, na medida em que aceita, erroneamente, muitas das conclusões de Buckle. A passagem de Buckle não é, como pareceu ao ilustre escritor brasileiro, 'verdadeira em sentido geral'. No entanto, deve ser meditado por todos os brasileiros, para que vejam que armadilha perigosa é confiar tanto em nosso gosto inveterado pelas coisas estrangeiras, nas noções importadas dos mercados intelectuais do outro lado do Atlântico (…) O erro de Buckle consistiu em considerar a evolução dos povos unicamente sob a influência de fatores físicos e geográficos; mais duradouros do que estes são os fatores étnico-históricos, que são muito mais importantes e muito mais poderosos do que os primeiros. De Carvalho pouco acrescenta à refutação de Romero, que, no fundo, ele repete. À época da publicação original do primeiro volume de Buckle (1857), a literatura brasileira já havia entrado em uma carreira autônoma e vivia as agonias do Romantismo, que no Brasil era uma época de produção intensa e altamente frutífera. Ele dificilmente pode ser culpado por sua ignorância a esse respeito, quando uma autoridade como Ferdinand Wolf, escrevendo seu Le Brésil Litteraire cerca de seis anos depois, é acusado pelo queixoso Romero de estabelecer muitos exageros risíveis.

    II

    Três linhagens étnicas se combinaram para produzir o brasileiro de hoje: (1) o português, (2) o índio nativo, (3) o negro africano, que foi trazido como escravo pelos portugueses.

    O elemento nativo, conhecido como guarani brasileiro, na época do descobrimento não conhecia metais; possuíam conhecimentos rudimentares de tecelagem e alguns deles praticavam a cerâmica; seus instrumentos eram de pedra polida e seus utensílios de pesca e caça eram

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