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Radical Brewing: receitas, contos e ideias transformadoras em um copo de cerveja
Radical Brewing: receitas, contos e ideias transformadoras em um copo de cerveja
Radical Brewing: receitas, contos e ideias transformadoras em um copo de cerveja
E-book981 páginas12 horas

Radical Brewing: receitas, contos e ideias transformadoras em um copo de cerveja

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Sobre este e-book

Este livro apresenta uma provocadora celebração dos 12.000 anos da arte de fazer cerveja. Com mais de 90 receitas completas e uma fartura de informações úteis tanto para iniciantes como veteranos experientes, Radical Brewing coloca o leitor em contato com algumas das cervejas mais exóticas – e deliciosas – do mundo.

Ricamente ilustrado e cheio de contos fascinantes do universo cervejeiro, este é um livro sobre cerveja como nenhum outro. Do misterioso ao exuberante, do arcaico ao futurista, Radical Brewing representa a paixão e vitalidade que faz da cena cervejeira dos EUA uma referência para o mundo todo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de mai. de 2022
ISBN9786584915039
Radical Brewing: receitas, contos e ideias transformadoras em um copo de cerveja

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    Radical Brewing - Randy Mosher

    A PRÁTICA DE FAZER CERVEJA EM CASA É TÃO ANTIGA QUANTO A PRÓPRIA CERVEJA, PROVAVELMENTE, DE UNS 12 mil anos atrás.

    Alguns acadêmicos sugerem que foi a ingestão de substâncias psicoativas que levou à criação da consciência humana. Esta visão pode ser inusitada, mas substâncias químicas psicoativas tiveram um papel de destaque em muitas das primeiras religiões. No cristianismo, o principal ritual de comunhão gira em torno da ingestão de dois materiais transformadores, um deles – o vinho – com conhecidas propriedades psicoativas.

    Minha visão excêntrica sobre o nascimento da civilização é apoiada por alguns cientistas de verdade. Eu imagino os nômades tribais como amantes incondicionais da liberdade, com o estilo de vida destemido dos motociclistas modernos, durões o suficiente para encarar a realidade brutal da natureza. Seria o pão fresco, por mais agradável que seja, suficientemente atrativo para trocar uma Harley por uma enxada e juntar-se à extenuante vida de agricultor? Na minha opinião, não é. Inclua na jogada uma cerveja refrescante e relaxante para suavizar as dificuldades da vida e, bom, aí podemos conversar.

    Eu ainda argumento que a natureza lubrificante do álcool permite que as pessoas coexistam na densidade esmagadora das cidades. Isso é tão verdade hoje como era na Ur dos Caldeus.

    A cerveja sempre foi moldada pela geografia e pelo clima. Cada espécie de grão se adapta melhor a uma determinada zona climática, com o trigo preferindo climas mais amenos, enquanto centeio e aveia abundam nas rigorosas regiões do Norte. A cevada é bem resistente, mas precisa de um solo mais rico que centeio ou aveia. O lúpulo também é sensível à latitude, pois precisa de dias de verão com uma certa duração para ativar a produção de cones. Cada erva, fruta ou qualquer outro ingrediente tem seu habitat ideal, e, antes de existir o transporte fácil de mercadorias, cada bebida tinha o gosto da sua flora local.

    Apesar disso, boa parte do padrão de popularidade da cerveja desafia qualquer explicação. Por que o Egito e boa parte do antigo Oriente Médio eram tão loucos por cerveja, enquanto gregos e romanos começaram cedo com o vinho e não o largaram mais nos últimos três mil anos? Foi por causa de algum desenvolvimento tecnológico que os permitiu armazenar e desfrutar do vinho durante o ano inteiro? Teriam sido apenas as massas imitando os luxuosos hábitos etílicos da elite, e depois o desejo de apegar-se à cultura do império decadente muito tempo após sua glória? Ou foi só porque, quando você tem uvas, vinho é praticamente a coisa mais fácil de se fazer com elas?

    E quanto às nações bárbaras? Os franceses sempre tiveram muitos usos para a cerveja, se não respeito. Até hoje, a França fornece muito da cevada que se tornará as cervejas radiantemente artísticas da Bélgica. Então por que não havia cultura cervejeira na Gália?

    Os alemães sabem fazer um bom barril de vinho. Seria o seu desejo por cerveja uma forma de desprezar a decadência do sul, lembrando-se do seu triunfo sobre o maior império que o mundo já viu? Poderia isso ter acontecido até o final da Idade Média sem uma identidade nacional de verdade? E poderia haver um pingo de ressonância nesta ideia ainda hoje, ou a tradição cervejeira continua viva por puro tradicionalismo?

    Há alguns séculos atrás, as diferenças eram atribuídas às diversas características fundamentais de cada raça: a cerveja era adequada aos holandeses, enquanto Ales sem lúpulo eram as bebidas mais saudáveis para os ingleses, blá-blá-blá. Isso é besteira, é claro, mas a cerveja funcionava como pão líquido, uma parte importante de um sistema nutricional composto por diversas partes interdependentes, e qualquer mudança tenderia a alterar um equilíbrio delicado. Além disso, as pessoas tendem a ser consistentes em seus hábitos, e desprezar estrangeiros. Para dar um exemplo, o lúpulo levou cerca de cem anos até ser aceito na Inglaterra.

    Há um certo modismo agitado em torno de estilos de cerveja na maioria dos lugares, e isso tem também uma influência de cada geração. É claro que nós não temos nenhum detalhe sobre os gostos realmente antigos, mas quando chegamos a cerca de quinhentos anos atrás, vemos as modas na cerveja mudarem duas ou três vezes por século. Sempre tem uma cerveja das antigas, defendida fervorosamente pelos velhos, que levam o estilo com eles quando viram história. A não ser que, como muitas vezes acontece, aquela cerveja que esteja em seus últimos dias seja renovada por uma nova geração ávida a se reconectar com seu passado, ou que apenas deseje aquilo que pensa ser uma nova sensação, o que representa bem a nossa situação atual.

    Gênero e cerveja é outra área de estudo interessante. Existiam deidades da cerveja de ambos os sexos no antigo Oriente Médio:

    O nascimento da cerveja

    Local: uma parte bem fértil do Crescente Fértil, 10.000 a.C. Deve ter acontecido mais ou menos assim:

    "Senacherib, seu preguiçoso filho de um escaravelho! Estou cansada desta porcaria de vida nômade. Nós nunca temos nada bom. Sem mesa de centro, sem cadeira confortável, nem mesmo uma TV! Barracas de lã de camelo, tapetes de lã de camelo, shorts de lã de camelo! Minha vida é uma coceira sem fim, meu marido, e a culpa é sua. Será que a gente não podia sossegar, talvez sair da Ur’s Angels, comprar um daqueles novos sobrados de tijolos de argila que nem os Sil’vahs têm?"

    Aaah, Zoraide, você sabe que eu acabei de comprar para-lamas cromados pra minha Harl’eh-Dav’d-Zon. Olhe como são brilhantes! Este cara do deserto nasceu para rodar!

    Vem, sente-se, coma. Eu comprei aquela nova cevada da Mercearia do Seu Ur. É a última moda. E foi uma pechincha, também. Acho que ela molhou na tempestade do ano passado. Parece que brotou. Fiz um belo mingau com ela de uma receita que vi na Tenda Cláudia. Hummm, bem quentinho.

    Eca! Eu odeio culinária contemporânea. Você sabe que eu gosto é de cordeiro e lentilhas. Tô vazando! Ei galera, vamos nessa, lá pro oásis. Acho que eles tão fazendo bodeburguers hoje.

    VRRRRRuuummm! (Para ser mais preciso, camelos arrancando parecem mais com flup, flup, flup.)

    Enquanto Senacherib e o resto da gangue saiam flupando pelo deserto, Zoraide, frustrada por mais uma tentativa fracassada de domar seu marido desprendido, joga o resto da cevada no pote de mingau e deixa fora da barraca. Ela chora e se coça até dormir sob a fria lua do deserto. No dia seguinte a gororoba havia criado vida própria, crepitando e latejando sob o sol quente da Mesopotâmia.

    Interessante, ela pensa. Mas precisa melhorar. Ela pega a mistura pulsante e passa para uma ânfora de cerâmica, filtrando por uma toalha de lã de camelo, e enterra a parte pontuda da ânfora na areia fria. Numa última tentativa de salvar a situação, ela joga algumas tâmaras picadas, sementes de coentro e uma erva amarga, arruda, na mistura. Alguns dias se passam até que Senacherib e seus amigos bagunceiros retornam ao acampamento, com uma gazela inchada amarrada ao lombo de um dos camelos (na verdade ela sentiu seu cheiro antes de os ouvir chegando).

    E aí, Zoraide?! Cheguei! Tem alguma coisa pra beber por aqui?

    Tem uma coisinha que eu fiz. Toma. Ele pega o jarro e, depois de uma cuidadosa cheirada, dá um belo gole daquela bebida azeda e gaseificada. Ela é arrebatada por um momento de consciência, pensando que talvez não quisesse realmente matá-lo envenenado.

    Opa, nada mal. Meio gaseificada. Opa, eu preciso me sentar. Ei, galera, experimentem isso….

    O resto da história você já sabe. Senacherib fica meio doente, mas de um jeito bom. Ele e Zoraide se acomodam em seu sobrado de tijolos de argila ao lado de uma enorme pilha de cevada e dos outros Ur’s Angels, formando um alegre vilarejo de bebedores de suco de cevada. Depois eles viriam a inventar a roda, a civilização, e após um longo período de muito calor, a geladeira.

    Ninkasi, da Suméria, era mulher, assim como as cervejeiras e proprietárias de tavernas; O deus-hipopótamo egípcio, Seth, era homem. O gênero de quem produz cerveja parece ter dependido da escala e grau de atividade comercial. Quando produzir cerveja era uma tarefa doméstica, invariavelmente era responsabilidade das mulheres. Em larga escala, especialmente após a industrialização, se tornou domínio exclusivamente masculino. No meio do caminho ficou uma área meio difusa, onde os papeis de gênero poderiam pender para qualquer um dos lados, dependendo da sociedade. Na Idade Média, a produção comercial de pequena escala era prática feminina, e parece ter sido fundamental para o sustento de viúvas e outras mulheres desprendidas – e financeiramente marginais. Ao mesmo tempo, cervejarias maiores floresceram em mosteiros, sempre no domínio de homens. Os cervejeiros caseiros de hoje em dia tendem a ser homens, eu acredito, porque todo tipo de hobby sempre parece cativar mais os homens. Sinceramente, eu gostaria que a situação fosse diferente; a maioria das mulheres cervejeiras que eu conheço são realmente muito boas nisso. Uma delas usa Beer Diva como endereço de e-mail, e eu devo dizer que não é falsa modéstia.

    Então o relacionamento da cerveja com a sociedade levanta os tipos de perguntas que dão propósito a antropólogos, sociólogos e historiadores – e também os deixa malucos. Entender a história do papel da cerveja na sociedade é uma tarefa árdua. Uma vez que você começa a se aprofundar na história, você percebe o quanto se perdeu para sempre, e quanto esforço é preciso para ligar os pontos desconectados do passado.

    Algumas das leis mais antigas da humanidade dizem respeito à produção e ao serviço de cerveja. O famoso Código de Hammurabi contém proibições sobre cobranças abusivas em tavernas. Cervejas de baixa qualidade – especialmente as que foram aguadas ou adulteradas – parecem ter sido um grande problema ao longo da história. Hoje em dia, cerveja aguada é motivo de orgulho para algumas pessoas; ela representa mais de 40% do mercado norte-americano de cervejas.

    A cerveja sempre foi uma fonte inesgotável de receita para o governo; enquanto escrevo, há propostas tramitando no congresso para aumentar mais uma vez os impostos sobre a cerveja. O desejo das pessoas por cerveja e outras bebidas alcoólicas é tão intenso que elas toleram voluntariamente uma alta taxação. Isso começou cedo. No início da Idade Média, monopólios governamentais ou religiosos foram estabelecidos sobre a produção e venda de gruit, a mistura de especiarias usada para temperar a cerveja. Este era um ingrediente obrigatório, e o preço elevado cobrado pelo monopólio do gruit representava um tipo de imposto. Estes monopólios foram posteriormente estendidos para o lúpulo em muitos lugares.

    Inúmeras formas de extrair dinheiro dos cervejeiros e seus clientes foram aplicadas ao longo dos anos, e elas quase sempre tiveram impacto nas características e intensidade das cervejas. Impostos sobre o malte, densidade do mosto, lúpulo, tipos de copos, teor alcoólico, e até sobre o volume da tina de brassagem tiveram um papel no desenvolvimento dos estilos de cerveja que conhecemos hoje.

    Copos e jarras da Idade do Bronze

    Recipientes rituais para bebidas sugerem um líquido de grande importância. Descobertas recentes sobre recipientes cerimoniais neolíticos revelaram vestígios de ulmária, uma erva de uso conhecido na produção de hidromel e cerveja.

    Na Idade das Trevas, descobrimos uma enorme variedade de cervejas temperadas com outras plantas além do atualmente costumeiro lúpulo. Temperos exóticos como ulmária, murta-do-brejo e alecrim selvagem complementavam os mais familiares gengibre, noz-moscada e cravo-da-índia nestas cervejas medievais. As cervejas eram consideradas muito mais do que uma simples bebida. De fato, toda erva culinária, medicinal ou mágica já foi utilizada em algum momento em algum tipo de cerveja. A lendária coragem das tribos bebedoras de cerveja do norte como os Pictos e Vikings é muitas vezes atribuída à potência de suas Ales e hidroméis, frequentemente reforçadas com plantas psicoativas. Acredita-se que os lendários guerreiros Vikings, os Berserkers, estavam doidões em Ale batizada com Ledum palustre, ou alecrim selvagem.

    É impossível saber exatamente como era o gosto dessas cervejas medievais, embora existam vários hobbystas dedicados produzindo receitas antigas tão bem quanto conseguem decifrá-las. Eu sou da opinião que as pessoas gostavam de boas cervejas naquela época tanto como hoje, e apesar de severas limitações em matérias-primas e tecnologia, indivíduos inteligentes e dedicados conseguiam produzir cervejas dignas de poesia. Documentos antigos revelam que os governos tinham grande interesse em promover produtos de qualidade, afinal, era a reputação da cidade que estava em questão.

    Copos Medievais para Ale

    Um copo elegante sempre fez a cerveja ficar mais gostosa!

    Guildas já estavam estabelecidas no início do século XIV; no continente europeu, estas guildas – e, por vezes, cidades inteiras – se especializavam em cervejas vermelhas (cevada) ou brancas (normalmente trigo). Embora haja muitas exceções, cervejas brancas tendiam a ser produtos mais do norte do que do sul.

    Em toda a costa do Mar do Norte, cidades se uniram para formar uma organização comercial chamada Hansa (ou Liga Hanseática), cujo foco era o comércio naval. Muitas das cidades – Hamburgo, Bremen, Rostock, Lübeck e outras – eram reconhecidas como polos cervejeiros, e este comércio espalhou a tradição cervejeira alemã a locais distantes, especialmente em direção ao norte e leste. A cerveja também era exportada à Inglaterra. Muitas das cidades da Hansa – especialmente cidades como Hamburgo, que também eram antigos centros de comércio de lúpulo – ajudaram a pregar o evangelho da cerveja lupulada.

    À medida que a produção e o comércio foram se tornando mais estruturados, o mesmo aconteceu com o mercado cervejeiro, passando de prática doméstica a empreitada puramente comercial, embora cervejarias em grandes propriedades tenham sobrevivido até meados de 1900. As Brewsters, mulheres que foram o pilar da produção cervejeira na Idade Média, não fizeram esta transição.

    Enquanto isso, nas cavernas do sul da Alemanha, as temperaturas perpetuamente baixas levaram à evolução de uma espécie de levedura adaptada ao frio. Esta levedura de baixa fermentação foi mencionada pela primeira vez no século XV, mas foi apenas depois de um ou dois séculos que ela dominou a região. Muito apreciada pelos sabores limpos e suave que traz, esta nova cerveja Lager (da palavra em alemão para armazenar) viria a dominar o mercado cervejeiro mundial, empurrando as Ales para o campo das cervejas especiais, exceto em algumas regiões de resistência, mas isso aconteceu muito mais tarde.

    Reza a lenda que a Porter nasceu em 1722. Ela poderia ter sido apenas mais uma especialidade regional peculiar, mas isso aconteceu em Londres, uma das maiores cidades da Terra, onde uma coisinha chamada Revolução Industrial estava começando. A Inglaterra estava se recuperando de uma baita ressaca, gerada por uma curiosa experiência envolvendo gim caseiro e varejo não regulamentado. O efeito na saúde da população foi desastroso, e a Coroa passou a promover a cerveja, uma bebida mais moderada. O famoso par de gravuras de Hogarth, O Beco do Gim e A Rua da Cerveja, representam muito bem o sentimento da época. Estimulada pelos avanços tecnológicos e uma crescente população urbana, a Porter surfou a onda de um novo tipo de produção industrial de cerveja. Para a classe operária, o trabalho na indústria e a aglomeração urbana significava que eles não tinham tempo, espaço ou recursos para fazer cerveja em casa. Isso aumentou a sede por cervejas produzidas comercialmente.

    À medida que Londres cresceu, as cervejarias acompanharam, tornando-se um dos negócios mais fortemente capitalizados do mundo. Enquanto todos se apressavam em aproveitar o crescimento do mercado, a concorrência foi se tornando mais acirrada, e os cervejeiros começaram a buscar vantagens financeiras. Os interesses comerciais prevaleceram. Assim como em qualquer outra época e lugar, havia cervejeiros honrados, bem como canalhas. Os maus desrespeitavam as leis contra aditivos, e colocavam de tudo nas cervejas, de pimentas a ópio. Tão cedo quanto o século XV, já havia proibições contra cervejas insalubres, e isso foi reforçado por uma lei de 1710 que proibia o uso de qualquer outro ingrediente que não o lúpulo para dar amargor, embora oficiais do governo permitissem o uso de giesta e losna. Foi só por volta do início dos anos 1800 que o governo passou a combater traficantes que vendiam aditivos tóxicos a cervejeiros, efetivamente erradicando o problema. Extinguir os impostos sobre o lúpulo também não foi nada ruim.

    O malte Black, patenteado em 1817, permitiu a produção de Porter a partir do malte Pale, que tem alto rendimento, assim reduzindo significativamente seu custo de produção. Isso mudou o sabor da Porter, mas parece que os consumidores não se importaram. O açúcar, um valioso produto do Império Colonial Britânico, também foi adicionado como um adjunto fermentável barato, reduzindo ainda mais a qualidade.

    Taça de Ale, aprox. 1860

    Tecnologias industriais modernas foram usadas para criar copos e taças de vidro que exibiam as novas Pilsner e Pale Ales.

    A palavra stout já era usada como jargão para cerveja forte cinquenta anos antes do surgimento da Porter. Depois, é claro, veio a significar um subestilo particularmente forte e escuro de Porter, e eventualmente sua popularidade superou à da Porter, graças aos irlandeses.

    A Pale Ale, que durante a ascensão da Porter era domínio principalmente de cavalheiros do interior, tornou-se então a última moda, impulsionada pelo acesso a copos e taças de vidro mais baratos. Agora com atuação em todo o país, as cervejarias produtoras de Pale Ale tornaram-se alvo de aquisições e investimentos.

    A imensa riqueza das grandes cervejarias mecanizadas permitiu que elas se concentrassem em outras coisas além da cerveja, e elas começaram a brincar com finanças, primeiro engolindo umas às outras, depois voltando-se para presas menores em uma orgia canibalística de consolidações e extinção de cervejarias que continua até hoje, tanto na Inglaterra como em outros lugares.

    Forças semelhantes estavam atuando na Europa Continental, embora de forma menos dramática. Os alemães visitaram Londres boquiabertos em meados dos anos 1700 e voltaram com muitos avanços em tecnologia industrial, mas a consolidação por lá não chegou ao mesmo nível de frenesi até muito recentemente.

    Em 1842, uma Lager clara foi criada na cidade de Plzeň (Pilsen), na Boêmia. Na época da I Guerra Mundial, a elegante Pilsner já dominava o mercado cervejeiro mundial. O fim do século XIX viu a extinção de muitas especialidades regionais em diversos lugares. As pessoas estavam menos interessadas nos produtos pitorescos e peculiares de suas cidades, e agora queriam as novas cervejas modernas, claras, cristalinas e produzidas em massa.

    Duas guerras mundiais, que vieram depois de diversos outros conflitos anteriores, levaram a políticas fiscais e de racionamento que incentivaram a produção de cervejas mais fracas. A unificação da Alemanha e incorporação da Baviera em 1871 levou à adoção nacional da Reinheitsgebot, extinguindo diversas cervejas típicas e feitas com especiarias do norte.

    Funcionários de um Saloon Norte-Americano, aprox. 1900

    Nos EUA, o número de cervejarias chegou ao ápice com 4.131 em 1873. Com o auxílio de inovações como trens com vagões refrigerados e grandes orçamentos para publicidade, cervejarias regionais estabelecidas forçaram sua expansão nacional. Quando a Lei Seca chegou, em 1919, só havia sobrado 1.568 cervejarias. Após ser revogada, em 1933, menos da metade das cervejarias reabriu, mas muitas estavam seriamente enfraquecidas e não duraram muito tempo.

    Além da questão do lucro, outros fatores levaram ao declínio da variedade e intensidade das cervejas norte-americanas. A I Guerra Mundial reprimiu a cultura alemã por aqui, e a popularidade de estilos alemães como o Münchner desapareceu junto com ela.

    Desde antes de 1550, o milho, um adjunto quase sem gosto, já era um dos favoritos do pessoal da contabilidade e de cervejeiros que tentavam domar a cevada com alto teor de proteínas que cresce por aqui. As duas guerras mundiais tiveram aqui o mesmo efeito que tiveram na Europa: cervejas mais fracas. E com os terríveis excessos da Lei Seca no meio delas, as pessoas se esqueceram do que era cerveja de verdade.

    Os consumidores do meio do século XX estavam arrebatados com a nova cultura de consumo, e ansiosos para esquecer o passado. Assim como o meu pai, que aplainou os pés entalhados das cadeiras vitorianas em nossa sala de jantar, os norte-americanos do pós-guerra queriam produtos modernos para suas novas vidas modernas. Dave Brubeck na vitrola, mesa de fórmica na copa, e uma lata de cerveja cristalina de marca confiável gelando na geladeira. Na década de 1970, havia sobrado apenas algumas poucas cervejarias neste país, quase todas produzindo basicamente a mesma cerveja.

    Bem quando a situação parecia não poder piorar, um jovem chamado Fritz Maytag comprou a decadente cervejaria Anchor em São Francisco, que de vez em quando produzia uma cerveja remanescente da Febre do Ouro chamada Steam Beer. Com muito esforço – e dinheiro – Maytag conseguiu transformar a Anchor na pedra angular do movimento da cervejas artesanais.

    No final da década de 1970, a produção caseira de cerveja começou a inspirar o sonho das microcervejarias. Sem saber que era impossível, Jack McAuliffe abriu a New Albion Brewing em Sonoma, Califórnia. Esta empresa não durou muito tempo, mas até lá o pavio já estava acesso. Em meados da década de 1980, microcervejarias foram brotando como cogumelos na costa oeste e em outras regiões.

    Plus je bois, mieux je chante

    Quando mais eu bebo, melhor eu canto.

    O fim dos anos 80 e início dos anos 90 foram um período de crescimento explosivo na produção de cervejas artesanais, tanto caseira quanto industrial. Este sucesso atraiu muitas pessoas que não tinham nada a ver com a história, e seguiu-se uma onda de cervejarias fechando. Até hoje existe um monte de equipamentos usados por aí. Assim, o setor se contraiu e estabeleceu-se em um período mais sóbrio de crescimento modesto. As pessoas que estão produzindo cervejas criativas, bem-feitas, e trabalhando o marketing com entusiasmo, estão indo muito bem. Eu acho que é possível dizer honestamente que nunca houve um período melhor para beber cerveja nos EUA do que o presente. E o futuro parece ser ainda melhor.

    Estranhamente, parece ter sido bom que as cervejarias industriais tenham quase erradicado o impulso artístico da tradição cervejeira norte-americana. Isso foi libertador, pois os cervejeiros caseiros e microcervejarias norte-americanas sentiram-se completamente livres para inventar uma nova forma de produzir cerveja sem ter que preservar tradições populares moribundas. Na Grã-Bretanha, a Real Ale estava (e está) em perigo de extinção, então a abordagem lógica foi formar uma organização dedicada a preservar esta tradição. A Campaign for Real Ales, ou Campanha pela Real Ale (CAMRA) conseguiu tirar a Real Ale da pilha de sucata, mas, ao mesmo tempo, este movimento não foi nada encorajador para a inovação, embora isso pareça estar mudando.

    As velhas fusões e consolidações são comuns no Continente. A Bélgica tem sido palco de várias tragédias recentemente, com produtos preciosos e excêntricos sendo erradicados ou vulgarizados. A Bock está começando a ir pro buraco na Alemanha, que é extremamente vulnerável devido à semelhança de muitas de suas cervejas. Com muito esforço e um pouco de sorte, o mesmo tipo de energia criativa que fez as cervejas artesanais norte-americanas tão vibrantes dará um jeito de trazer vitalidade a estas honradas nações cervejeiras.

    A CERVEJA É UMA VASTA FAMÍLIA DE BEBIDAS FERMENTADAS FEITAS DE AMIDO DE plantas, geralmente derivado de grãos. É um fenômeno mundial; quase toda sociedade com acesso a grãos, do Himalaia aos Andes, faz cerveja. Na África, o painço é o grão preferido. Na América do Sul, cervejas de milho e mandioca são mais comuns. Na Ásia, do Japão ao Tibete, o arroz é o grão preferido. Em outros lugares, palmeiras, agave, mandioca, sorgo e centeio são todos usados para fazer cerveja. A variedade é desconcertante. Os esquimós, até onde sei, não têm nenhuma cerveja tradicional, aparentemente tendo tentado e descoberto que é impossível obter álcool de gordura de morsa.

    Além do sabor e da quantidade moderada de álcool que oferece, a cerveja também é valorizada como alimento – pão líquido – e como uma bebida segura e potável, já que o processo de fabricação torna a água adequada para o consumo.

    Mestre Cervejeiro, cerca de 1870

    Todos os tipos de grãos e muitas raízes comestíveis contêm amido, que são açúcares ligados em correntes. As moléculas são muito longas para o fermento comer, então é necessário um processo para quebrar o amido em açúcar fermentável. Na cerveja de malte de cevada, copiamos o mecanismo que a planta mesma usa para disponibilizar suas próprias reservas de energia para a germinação. No saquê japonês à base de arroz e chang do Himalaia, fungos especiais fornecem as enzimas. Chicha, a cerveja indígena de milho da América Latina, usa saliva humana como fonte de enzima.

    Para as cervejas da tradição europeia, de modo geral, a cevada reina suprema, com o trigo como um relevante segundo colocado e outros, como centeio e aveia, fazendo aparências ocasionais. Na maioria dos casos, os grãos são maltados antes da produção da cerveja. Na maltagem, os grãos são imersos em água fria até que brotam e, tão logo começam a se converter de uma semente em uma pequena planta, são rapidamente secos e levemente tostados. O processo de maltagem ativa as enzimas de dissolução de amido no grão e torna os núcleos mais quebradiços e receptivos à água. A secagem, ou kilning, cria essa adorável variedade de sabores de malte que tanto estimamos na cerveja.

    O QUE FAZ UMA CERVEJA?

    boas cervejas são uma delícia para os sentidos. Como somos criaturas altamente visuais, a característica mais óbvia de uma cerveja é a sua cor. Toda a gama, desde o amarelo dourado pálido até o preto mais profundo, vem de maltes torrados de diversas formas; misturar vários tons dá ao cervejeiro uma enorme paleta de cores para trabalhar. E, claro, esses maltes coloridos também exibem uma grande variedade de sabores e aromas diferentes.

    A força pode descrever o conteúdo alcoólico ou a densidade do mosto não fermentado, denominada gravidade original. Eles estão intimamente relacionados, pois quanto mais material estiver disponível para fermentar, mais álcool pode ser criado. Não é uma relação exata, porque vários fatores influenciam a quantidade de açúcares potenciais eventualmente transformados em álcool. Uma regra geral é que uma gravidade original de 1,050 (12°P) resultará em um teor alcoólico de 5%; a 1,070 (17°P), o álcool é de cerca de 7%. Então isso vai mudando com a escala. Com a crescente gravidade, não aumenta apenas o álcool, mas também se encontra sabores mais intensos.

    É importante lembrar que cor não é força. Embora o chope Guinness possa ter um sabor forte para alguns, ele na verdade tem menos álcool do que a maioria das (assim chamadas) cervejas de estilo Pilsner industriais. A cor reflete simplesmente a quantidade de malte tostado ou torrado usado, que na maioria das cervejas equivale a menos de 25% da receita.

    CORPO E TEXTURA

    À medida que a cerveja atinge sua língua, há uma percepção de peso e textura que é diferente de uma sensação de sabor. Pode haver uma certa viscosidade ou oleosidade no palato. Em algumas cervejas há características que amarram a boca (ou adstringência) que podem reforçar percepções de peso ou apenas distrair. E, claro, a doçura também acrescenta uma sensação de peso na boca.

    A cerveja é um coloide, uma suspensão de pequenas partículas (neste caso, proteínas) em um líquido. As proteínas formam uma rede solta que tece o líquido em um semissólido. Gelatina é um exemplo familiar. O estado coloidal contribui muito para o corpo da cerveja, bem como para a formação de espuma e sua longevidade. Infelizmente, é um castelo de cartas, que vai se desmanchando com o tempo – gerando os floquinhos que às vezes se encontra em garrafas antigas de cerveja europeia. O estado coloidal também depende da temperatura, muitas vezes causando turbidez quando a cerveja é refrigerada. Esse tipo de comportamento é mal visto na cerveja comercial, de modo que a manipulação da composição coloide por cervejeiras comerciais é um dos pontos mais refinados da ciência. A maioria dos homebrewers geralmente não se preocupam com os detalhes, exceto aqueles que querem dominar as sutilezas da produção de Lagers. Mas esta é uma raça de cervejeiros que procura problemas, da mesma forma que os alpinistas fazem.

    Os grãos – especialmente em seu estado não maltado – contêm beta glucanos e pentosanos, polímeros viscosos de açúcar que podem causar problemas para o cervejeiro. Na mostura, sua alta viscosidade pode tornar difícil separar o mosto rico em açúcar do bagaço do malte. Na cerveja pronta, estas gomas podem adicionar uma textura cremosa ou mesmo oleosa. Isso pode ser um problema na cerveja de milho barata e enlatada, mas em estilos como cervejas belgas e cervejas de centeio, a textura oleosa pode ser uma adição bem-vinda.

    Carbonatação adiciona textura e uma certa medida de sabor à cerveja. O dióxido de carbono na verdade se dissolve na cerveja como ácido carbônico, agregando efervescência e um toque ácido. A quantidade pode ser facilmente controlada pelo cervejeiro e geralmente é determinada pelo estilo. Ales britânicas geralmente são levemente gaseificadas, o que valoriza sua sutil complexidade. Em quantidades maiores, o CO2 dissolvido pode mascarar outros sabores, especialmente os de lúpulo – outro motivo pelo qual as cervejas mainstream são tão sem graça. As cervejas de trigo são altamente carbonatadas, mas geralmente são servidas da garrafa de modo a remover um pouco do excesso de gás quando a cerveja já está no copo.

    SABOR DA CERVEJA

    À medida que você degusta, é importante distinguir entre sabor e aroma, embora às vezes possa ser difícil separá-los. O sabor é definido por certas interações químicas na boca, principalmente na língua. Costumava haver quatro sabores reconhecidos: doce, azedo, salgado e amargo. Acontece que há outro, umami, que é encontrado no molho de soja, peixe, algas e glutamato monossódico, que é muito importante na culinária japonesa e em outras cozinhas asiáticas. O componente químico responsável pelo umami é o glutamato, um aminoácido.

    Eu mostraria um desses diagramas de livros didáticos da língua, onde o órgão é dividido em áreas de acordo com o sabor que ela detecta melhor, mas acontece que isso está completamente errado. Adeus, aulas de biologia. As pequenas saliências na sua língua são chamadas papilas, e elas contêm o aparato de detecção para os diferentes sabores. Elas não se concentram por tipo, estão espalhadas por toda a língua.

    Dulçor e amargor são os protagonistas no sabor da cerveja. A doçura do malte e as resinas amargas do lúpulo formam um equilíbrio yin e yang com o qual todo cervejeiro tem que lidar a cada produção. Além disso, a maioria dos maltes escuros tem qualidades de torra que caem do lado amargo da equação de equilíbrio.

    Vaso Bellarmine

    Entre 1400 e 1600, estes vasos gorduchos de cerâmica eram usados para transportar e servir cerveja e vinho por todo o norte da Europa.

    O dulçor na cerveja vem principalmente de açúcares não fermentados. Durante a mosturação, o cervejeiro pode tornar a bebida mais ou menos fermentável. A levedura ama maltose, o açúcar primário que vem do malte, mas não irá fermentar alguns dos outros açúcares liberados durante a fabricação de cerveja.

    O amargor vem principalmente da adição de lúpulo (ou, raramente, de outras ervas amargas) à cerveja. Estes cones verdes e leves contêm resinas amargas e compostos aromáticos que se alteram quimicamente e dissolvem no mosto quando fervidos. Mais importante que amargor é o equilíbrio. O equilíbrio entre o dulçor do malte e o amargor do lúpulo é a espinha dorsal de qualquer receita de cerveja, mas outros componentes como taninos, sabores de tosta/torrefação, acidez, fumaça, álcool e outros também podem desempenhar papéis importantes em certas cervejas. À medida que a gravidade da cerveja aumenta, sobe também a quantidade de amargor necessária para equilibrá-la.

    O sal (cloreto de sódio) pode desempenhar um papel no sabor da cerveja, pois frequentemente está presente na água da brassagem em alguma concentração. Ele não afeta a química da mostura, mas, em pequenas quantidades, o sal pode dar a impressão de corpo alto e tem sido empregado como ingrediente em algumas cervejas muito leves para se obter precisamente esse efeito.

    ELEMENTOS DO AROMA

    Em contraste com o universo limitado de

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