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Água: um guia completo para fabricantes de cerveja
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E-book448 páginas5 horas

Água: um guia completo para fabricantes de cerveja

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Sobre este e-book

É possível argumentar que a água é, ao mesmo tempo, o mais fundamental e o menos compreendido dos ingredientes básicos da cerveja.

Este livro propõe desmistificar o papel da água no processo produtivo de cervejas. Partindo de uma visão geral sobre as fontes de água, sua geografia e características físico-químicas, os autores demonstram como analisar um relatório de qualidade da água, descrevendo as influências que cada fator tem sobre o sabor final da cerveja. Em seguida, aborda-se questões sobre a química da água e seu tratamento para a produção de cerveja.

John Palmer e Colin Kaminski destrincham os possíveis ajustes da água para diferentes estilos de cerveja, e discutem a importância de conceitos como pH, alcalinidade residual e acidez do malte. Nos capítulos finais, aborda-se o papel da água para além do produto final, como o seu uso em processos de troca de calor, transferências entre recipientes, envase e sanitização, bem como o tratamento de efluentes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de mai. de 2022
ISBN9786599165191
Água: um guia completo para fabricantes de cerveja

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    Água - John Palmer

    1

    UM LIVRO INTEIRO SOBRE A ÁGUA CERVEJEIRA

    Este livro faz parte da série Brewing Elements, originalmente publicada pela Brewers Publications, e é destinado a pessoas em todos os níveis de conhecimento sobre cerveja, de caseiros a profissionais da área. No entanto, ele deve ser entendido como um livro técnico, não sendo apropriado para o público leigo no assunto. Para compreender totalmente as discussões abordadas, o leitor deve ter conhecimento sobre técnicas cervejeiras, como mosturação, filtração/clarificação e rendimentos esperados. Além disso, é necessário um conhecimento básico em Química de ensino médio para que se entenda os conceitos aqui tratados. Para quem está um pouco enferrujado nos estudos de Química, um glossário com conceitos básicos está disponível no Apêndice A, mas pesquisas na internet podem ser utilizadas para explicar alguns outros, se necessário.

    Até 1990, havia um abismo entre o nível de conhecimento técnico de cervejeiros caseiros e profissionais, mas, desde então, esta diferença tem diminuído consideravelmente. Nunca antes na história dos Estados Unidos existiram tantas cervejarias pequenas e independentes como atualmente, e muitas das pessoas que nelas trabalham, aprenderam seu ofício fazendo cerveja em casa. Esta afirmação é verdadeira no mundo todo: novas microcervejarias estão abrindo em todos os lugares, e as pessoas estão redescobrindo a cerveja em toda sua variedade. Há um renovado interesse em diferentes estilos de cerveja, além da utilização de uma maior variedade de ingredientes. Novas cepas de leveduras estão se tornando amplamente disponíveis, maltarias encontram novos mercados para seus maltes especiais, e produtores de lúpulo estão constantemente sendo requisitados para o plantio de novas variedades da planta, tudo para satisfazer a criatividade das novas cervejarias. Mas, e a água? Bom, com a água o buraco é mais embaixo…

    No decorrer do século passado, o assunto água parece ter sido, por muitas vezes, negligenciado ou simplificado, quando considerado. O que mais se falava é que a água deveria ser limpa, potável, com baixa alcalinidade e dureza, vinda de riachos puros das montanhas etc. Nos Estados Unidos, a produção em massa de Lagers leves tipo Pilsen parecia ser o único objetivo de toda e qualquer cervejaria, especialmente para aquelas que se consolidaram nas décadas de 1950 a 1970. Assim, desde a última metade do século XX, as recomendações gerais sobre água encontradas em livros sobre cerveja têm sido:

    • A água deve ser limpa;

    • pré-ferver a água, para diminuir sua dureza temporária;

    • a alcalinidade da água deve estar abaixo de 50 ppm;

    • a concentração de cálcio na água deve estar entre 50 e 100ppm.

    O problema dessas generalizações é que elas foram escritas pensando apenas naquele tipo de cerveja – Lagers leves tipo Pilsen –, não necessariamente atendendo às características exigidas para os outros estilos. A cerveja é a bebida mais complexa que conhecemos, o que torna o papel da água utilizada na sua produção igualmente complexo. Os livros de Química da Água normalmente possuem até 500 páginas, mas quando olhamos para os livros modernos sobre produção de cerveja, o assunto raramente recebe mais que um único capítulo. Seria por que a água cervejeira é um assunto simples? Não. Seria por que a Química da Água só foi compreendida recentemente? Não, não mesmo!

    A influência e importância da composição da água na produção cervejeira é conhecida há muitos anos. Em 1830, a composição da água de Burton-upon-Trent foi divulgada como resultado de uma ação por difamação movida por cervejeiros locais contra a Society for Diffusing Useful Knowledge, ou em português Sociedade para a Difusão de Conhecimentos Aplicados, quando esta alegou que as cervejarias de Burton adulteravam suas cervejas. O termo Burtonização foi cunhado em 1882 por Egbert Hooper, em seu livro The Manual of Brewing, sendo atribuído ao processo desenvolvido em 1878 pelo químico Charles Vincent. Em 1901, Wahl e Henius publicaram o livro American Handy Book of the Brewing, Malting and Auxiliary Trades e, na seção sobre água (de apenas doze páginas), foi escrita uma observação sobre tratamentos que poderiam melhorá-la, como a aeração para remover odores e precipitar o ferro, além da adição de sais para a Burtonização, afirmando que "a adição de gesso de Paris,II sulfato de magnésia ou sal comum, preferencialmente em pó, em um tanque de água quente, torna a água mole mais adequada, particularmente para cervejas muito claras. Eles ainda descreveram sobre como tornar indiferentes os constituintes prejudiciais", como a redução do excesso de carbonatos alcalinos através da adição de quantidades adequadas de cloreto de cálcio, a diminuição da dureza da água de alimentação da caldeira, e também discutiram sobre diferentes tipos de água para diversos estilos de cervejas Ale e Lager. As únicas diferenças reais encontradas entre esse livro e os textos modernos são as terminologias para alguns sais, como cal e magnésia, e para as unidades de medida, como gramas por litro (g/l) versus parte por milhão (ppm).

    Muitas dessas mesmas informações, entre tantas outras, foram apresentadas por W. J. Sykes na terceira edição do livro Principles and Practice of Brewing, de 1907. O autor fornece uma considerável revisão sobre diferentes águas cervejeiras e tratamentos para modificá-las para um melhor propósito, incluindo as reações químicas pertinentes. Esse livro foi publicado dois anos antes do conceito de pH ser introduzido por Søren P. L. Sørensen, do Laboratório Carlsberg, então o pH não foi um tema tratado por Sykes. O conceito de pH ganhou uma maior aceitação a partir de 1924, quando sua definição foi refinada para se alinhar aos trabalhos contemporâneos sobre células eletroquímicas.

    Outra prova de que o assunto sobre tratamento de água não é recente é apresentada no resumo do livro publicado em 1935 pelos Laboratórios Wallerstein, The Treatment of Brewing Water in Light of Modern Chemistry:

    Cada água utilizada para fazer cerveja deve ser cuidadosamente estudada e tratada de acordo com suas necessidades específicas. Durante mais de 30 anos nós fizemos do tratamento de águas cervejeiras nosso estudo especial, fornecendo aos fabricantes os Sais de Wallerstein Burton, necessários para melhorá-la e corrigi-la.

    O livro também inclui a discussão sobre a importância da medição do pH, mas observa que o pH da água não é o objetivo principal do processo.

    Apesar de sabermos que o pH é um dos fatores importantes quando falamos na adequação de uma água utilizada para fins cervejeiros, devemos ter sempre em mente que estamos falando que é o pH da mostura, e não o pH da água, que influenciará no resultado da brassagem. Portanto, nosso objetivo na correção da água cervejeira não é chegar em qualquer valor de pH em particular, mas torná-la melhor adequada para a cerveja e fornecer as condições para que o processo de brassagem possa ser realizado da melhor forma e com a melhor vantagem.

    Em 1953, Paul Kolbach observou que o aumento da alcalinidade da água causa um aumento no valor de pH do mosto acima do valor de quando se utiliza água destilada, ou do pH normal. Ele também determinou que os íons cálcio e magnésio da água (relacionados à sua dureza) reagem com os fosfatos do malte, neutralizando a alcalinidade da água e reduzindo o pH do mosto. Ele criou o termo Alcalinidade Residual para denominar a alcalinidade remanescente após essas reações, tornando este conceito a pedra fundamental para o entendimento e a manipulação do valor de pH ao longo de todo o processo cervejeiro.

    O pH da mostura leva ao pH do mosto, sendo este um dos principais fatores que determina como os sabores da cerveja serão expressos no paladar. Em uma região onde a água tem perfil alcalino, a cervejaria pode utilizar ácidos ou escolher utilizar maltes acidificados para baixar o pH da mostura até o intervalo de valores desejado. O oposto também é válido: a necessidade do uso de ácidos ou maltes acidificados é reduzida em regiões onde a água tem menor alcalinidade.

    Em geral, os norte-americanos foram modificando seu paladar no século passado, preferindo cervejas cada vez mais leves. Obviamente há exceções, mas os anos de campanhas de marketing promovendo cervejas leves, secas e estupidamente geladas nos contam uma história consistente. Na verdade, muitos dos grandes conglomerados cervejeiros gastaram mais tempo de propaganda falando sobre a embalagem de uma nova cerveja do que sobre seu sabor. A questão é que cervejas claras e de corpo leve compõem a vasta maioria do mercado cervejeiro, fazendo com que as características da água para esse estilo de cerveja sejam aceitas como a norma para outros estilos, sem muito entendimento do porquê. Assim, esperamos que este livro possa ser uma ponte entre o passado e o futuro no uso da água para a produção de cerveja.

    Os requisitos para a qualidade da água em uma cervejaria podem variar, pois nem sempre a melhor água para produzir cerveja é a melhor para outros usos dentro da fábrica. A água usada para limpeza, produção de vapor, refrigeração ou diluição podem exigir parâmetros diferentes da água de mostura ou de lavagem. O que esperamos com esse livro é poder lhe fornecer o conhecimento para fazer da água uma ferramenta, e não um obstáculo. O primeiro objetivo do livro é educar a cervejeira e o cervejeiro sobre a água como um ingrediente. O segundo é explicar, numa linguagem simples, como a água interage com os maltes para criar a Química do Mosto, e como manipular esta química para melhorar a cerveja. A terceira seção deste livro sai da parte da mostura e se concentra nas necessidades da água em outros processos da cervejaria, bem como no tratamento das águas residuais. Ao produzir cerveja, você deve ter como objetivo de que a água trabalhe para você, e não o contrário.

    VISÃO GERAL SOBRE A ÁGUA COMO INGREDIENTE

    Em seu livro On Food and Cooking, o autor Harold Magee afirma que cozinhar é química. E assim também é com a cerveja: uma mistura complexa de açúcares, proteínas, álcoois e uma miríade de outros compostos orgânicos. Um cervejeiro precisa pensar na água e suas fontes da mesma forma que pensa nas variedades de lúpulos e suas regiões de plantio, ou nos maltes e suas maltarias. Diferentes fontes de água possuem diferentes perfis químicos e, assim, diferentes benefícios para cada estilo de cerveja. Utilizar a água pura e cristalina vinda das montanhas nevadas pode ser uma grande ideia na teoria, mas na prática, para a cervejaria, a dureza da água é o fator mais significativo para melhorar o desempenho do processo cervejeiro, além da presença dos outros íons, que podem ser benéficos para o sabor da cerveja.

    Fazer boas cervejas envolve mais do que apenas ter a água certa. Da mesma forma, ter a água certa envolve mais do que apenas fazer boas cervejas. Na primeira parte deste livro (do primeiro ao terceiro capítulo), nós queremos que você entenda de onde vem e o que contém em sua água. Nós discutiremos sobre relatórios de análise e os padrões primários para a água potável, os minerais e contaminantes que podem estar presentes, e como eles podem afetar sua cerveja. O primeiro requisito para a água ser utilizada é estar limpa, sendo que esta até pode ser adequada para beber, mas não necessariamente será adequada para a produção de cerveja. A água pode conter cloretos ou cloraminas, gases dissolvidos ou compostos orgânicos que podem afetar negativamente o sabor da cerveja. Embora possa inicialmente parecer algo fácil e simples, é altamente recomendável que se deguste a água antes e depois de cada etapa do processo de fabricação da cerveja.

    Por exemplo, na cervejaria Sierra Nevada, em Chico, Califórnia, a água é testada para sabor e aroma diariamente, por no mínimo quatro pessoas e em seis pontos diferentes do processo produtivo. Os testes são realizados desde a água de entrada até depois dela passar por desclorinação por filtro de carvão ativado, sempre em busca de sabores e aromas indesejáveis. São testados, também, os tanques de água fria e quente, além de outras águas que fazem parte do processo, mas que não estão diretamente relacionadas ao produto, como a água utilizada no enxágue das garrafas. Estas são testadas semanalmente. Os aromas e sabores desagradáveis provindos da água podem ser semelhantes a mofo ou terra, enxofre, éster ou metálico. Alguns desses locais de testes que descrevemos podem não ser aplicáveis em sua cervejaria, e diferentes fontes de água terão necessidades diferentes, mas a análise completa e consistente da qualidade da água é uma poderosa ferramenta a ser utilizada.

    VISÃO GERAL DA QUÍMICA DA ÁGUA E DA MOSTURA

    Na segunda parte deste livro (do quarto ao sétimo capítulo), explicaremos como a química da água interage com a química que ocorre durante a mostura. Geralmente, a água cervejeira deve conter, no mínimo, 50ppm de íons cálcio, a fim de melhorar o desempenho da mostura, promover uma boa fermentação e a clarificação da cerveja. A alcalinidade da água cervejeira tem sido tradicionalmente vista apenas como um empecilho, algo que deve ser eliminado, mas o nível recomendado de alcalinidade da água dependerá da acidez provinda dos maltes utilizados e das características desejadas para a cerveja. Em geral, um valor baixo de alcalinidade é desejado para cervejas de coloração clara, necessitando ser aumentado quando se utiliza maltes mais escuros ou acidificados. Em última análise, o sabor da cerveja deve ser o guia na escolha da composição adequada da água.

    Por anos tem-se falado em desenvolver um modelo para prever e controlar o pH da mostura, através do entendimento sobre a interação que se dá entre a composição da água e dos maltes escolhidos. Nós iremos explorar algumas pesquisas recentes, a fim de ilustrar o panorama geral sobre o assunto e com a expectativa de incentivar futuras investigações. No quarto capítulo discutiremos em detalhes o conceito de Alcalinidade Residual, e no quinto capítulo focaremos na Química do Malte. Este pode parecer um assunto fora do escopo do livro, mas é realmente a outra metade da equação quando se estuda o pH da mostura. Aliás, não tem sentido falar sobre a Química da Água Cervejeira se não discutirmos o pH da mostura e as propriedades da cerveja.

    O sexto capítulo traz detalhes sobre os métodos utilizados para o controle da alcalinidade – tanto para aumentá-la, como para reduzi-la. São abordadas a redução da dureza da água, a descarbonatação através do aquecimento, a acidificação da água de mostura e de lavagem, bem como as pesquisas mais recentes sobre o efeito da adição de sais contendo íons cálcio no pH de mostura.

    Explicaremos, também, como você pode modificar a química da água para melhorar a sua cerveja. Embora a presença de íons cálcio e a alcalinidade sejam aspectos muito importantes quando tratamos de água cervejeira, vários outros íons podem interferir no sabor e na percepção da cerveja. Por exemplo, a razão entre íons sulfato e cloreto na água pode afetar significativamente o equilíbrio entre o amargor do lúpulo e dulçor do malte, e alterar a percepção de corpo baixo ou alto da cerveja. Íons sódio, magnésio, cobre e zinco podem ser muito benéficos em pequenas quantidades, mas quando em excesso, produzem sabores desagradáveis. Os efeitos que todos esses íons podem produzir na cerveja serão abordados no sétimo capítulo.

    Frequentemente são feitas perguntas como: Que tipo de água é a mais apropriada para um estilo em particular?, Quanto deste sal devo adicionar à minha água?. Então nós também lhe ensinaremos como fazer cálculos simples para saber a quantidade de sais e de ácido a serem adicionadas. No sétimo capítulo apresentaremos nossas recomendações gerais para composições químicas da água utilizada em diferentes estilos de cerveja, receitas de adição de sais para chegar à essas composições a partir de água destilada ou de osmose reversa, além de alguns exemplos específicos sobre como ajustar uma água de fonte diversa para melhor obter um estilo em particular. Essas sugestões devem ser um ponto de partida para a construção da sua receita, não o destino final. O sabor da cerveja deve sempre servir como o seu guia para navegar por essas águas. Juntos, esses capítulos e apêndices devem fornecer ferramentas para que você possa adaptar sua água para quase qualquer estilo de cerveja desejado.

    VISÃO GERAL SOBRE O PROCESSAMENTO DE ÁGUA CERVEJEIRA

    A última seção do livro (do oitavo ao décimo capítulo) foca no uso da água nas cervejarias em outros processos que não o de fazer cerveja: quais são as tecnologias de tratamento disponíveis, requisitos para diferentes águas do processo e tratamento dos efluentes. O tratamento de água é uma ciência antiga, sendo processos como o de fervura e filtração com areia e carvão ativado conhecidos e utilizados desde o tempo dos faraós egípcios. A remoção da dureza da água através da adição de hidróxido de cálcio foi desenvolvida em 1841 e adotada como uma prática padrão nos livros Principles and Practice of Brewing e American Handy Book of Brewing. Desde então, tecnologias modernas foram desenvolvidas, trazendo avanços no tópico de tratamento de águas. O objetivo dessa seção do livro é familiarizar as pessoas com os processos utilizados atualmente e os mais adaptáveis às pequenas e médias cervejarias, e não revisar tecnologias antigas que podem ser mais aplicáveis a cervejarias de larga escala.

    Figura 2 – Distribuição e processamento da água na cervejaria.

    Fazer cerveja demanda uma quantidade enorme de água, algo em torno de 5 a 10 vezes o volume final do produto. A maior parte dessa água é utilizada para limpeza, e alguma parte dela pode ser perdida nos processos de evaporação, mas quase toda acaba indo ralo abaixo, a menos que seja recuperada. Muitas vezes a água utilizada para a limpeza precisa ser abrandada, ou amolecida, para se obter melhores resultados. Os termos utilizados para definir a água como dura e mole vieram da indústria da limpeza. O termo dura significa que a limpeza é mais dura, ou mais difícil, pois este tipo de água forma menos espuma durante a limpeza. Isto ocorre devido às ligações que os íons cálcio e magnésio da água formam com os íons presentes nos sabões.

    Figura 3 – Um dia típico de produção na cervejaria The Bruery, em Placentia, Califórnia.

    Quando acontece esta ligação entre os íons, é preciso usar mais sabão para que a limpeza seja efetiva. Detergentes e surfactantes são menos sensíveis à água dura, constituindo a maior parte dos produtos químicos atualmente usados para limpeza. A dureza da água também é responsável pelos depósitos de carbonatos nos equipamentos cervejeiros, dificultando uma sanitização completa. Por isso, é comum que se modifique a água, tornando-a menos dura, antes de a utilizar na limpeza.

    Entretanto, há mais no tratamento de água cervejeira do que apenas a deixar com menor dureza. Existem várias tecnologias utilizadas nas estações de tratamento que atuam na remoção de sólidos em suspensão, de sólidos dissolvidos, de contaminantes líquidos e gasosos etc. Os mesmos métodos também podem ser aplicados dentro de uma cervejaria. Uma vez entendidas as tecnologias disponíveis, podemos observar as necessidades requeridas no processo cervejeiro com um melhor olhar sobre as opções e a viabilidade de cada uma.

    Figura 4 – Tanques de fermentação refrigerados com glicol, da Dama Bier (Piracicaba, São Paulo, Brasil).

    A água é usada para a refrigeração do mosto em trocadores de calor, na forma de soluções de polipropilenoglicol, que ficam em torno de fermentadores revestidos, sendo também usada como água de alimentação e como vapor em sistemas de caldeiras. O tratamento das águas de caldeira é essencial para manter a eficiência energética e a integridade dos sistemas geradores de vapor. A manutenção inadequada dos equipamentos e da utilização da água pode ter efeitos importantes no desempenho do sistema, nos custos em energia, nas emissões de água e gás e na vida útil desses equipamentos. Cada uma das aplicações de troca térmica possui requisitos potencialmente diferentes com relação à água.

    Figura 5 – Caldeira na Stone Brewing Co. em Escondido, Califórnia.

    Enquanto uma parte da cerveja artesanal é vendida diretamente dos tanques para o consumidor final, grande parte dela ainda precisa ser envasada, seja em garrafas, latas ou barris. As leis exigem que o teor alcoólico declarado no rótulo seja estritamente o mesmo que o contido na bebida. Então, muitas cervejarias apelam para a fabricação de uma cerveja de alta graduação, para depois diluírem o mosto ou a cerveja final, assim alcançando valores mais consistentes de ABV. A água utilizada para essas diluições deve ser altamente desaerada, a fim de evitar que ocorra a oxidação prematura da cerveja, e frequentemente é adicionada imediatamente antes do envase. Já a água utilizada na linha de envase, por exemplo para lavar e enxaguar barris, não exige o processo de desaeração.

    A água para diluição pode ser utilizada em diversos pontos do processo cervejeiro: pré-fervura, pós-fervura, e/ou pós-fermentação. Pode-se utilizar a água para diluir e ajustar a densidade original (OG) ou o volume do lote, antes ou após a fervura. A popularização de processos como a fervura e fermentação de mostos de alta densidade muitas vezes requer um abastecimento próprio de água para sua diluição, e os requisitos para a água utilizada nessas diluições são os mais elevados dentro do processo de fabricação da cerveja. A água deve ser desinfetada e desaerada antes de sua utilização, uma vez que será adicionada no produto final. Se ela não for desinfetada, há um maior risco de a cerveja estragar dentro da embalagem, mesmo que passe por processo de pasteurização. Por último, o teor de cálcio da água diluente deve ser inferior ao teor de cálcio da cerveja concentrada, a fim de evitar a precipitação do oxalato de cálcio após o envase. Os cristais de oxalato agem como pontos de nucleação de bolhas, podendo causar gushing ao se abrir a cerveja.

    Figura 6 – Coluna de desaeração do sistema de tratamento de água da Sierra Nevada Brewing Co.

    Figura 7 – Tanques abertos de digestão da Sierra Nevada Brewing Co. em Chico, Califórnia.

    O tratamento e descarte dos efluentes gerados durante a fabricação da cerveja é uma pedra no sapato das cervejarias em expansão. À medida que a produção cresce, a quantidade e características dessas águas residuais enviadas ao tratamento devem ser acompanhadas e analisadas. O que antes poderia ser apenas uma inconveniência, que poderia ir ralo abaixo, agora pode se tornar um problema diário e de grandes proporções. Como descartar os resíduos, as leveduras, os produtos de limpeza, sem impactar no meio ambiente e evitar multas?

    Para reduzir os impactos é necessário que as águas residuais passem por um pré-tratamento na cervejaria, antes do seu descarte. O objetivo deste pré-tratamento é remover os sólidos em suspensão e os dissolvidos, além de manter o pH dentro dos limites permitidos por lei, reduzindo os potenciais problemas pós-descarte. Em muitos locais, caso não haja tratamento do efluente antes de desaguar no esgoto, as consequências serão em impostos e multas altíssimas. Para evitar essas situações, os efluentes da cervejaria podem ser atenuados de forma química, aeróbia ou anaerobiamente. Cada um dos tratamentos possui seus prós e contras, mas discutiremos sobre isso com detalhes no décimo capítulo.

    Esperamos que essa visão geral lhe dê uma melhor compreensão sobre a água como ingrediente cervejeiro e como recurso na sua produção. Modificar a água conforme sua utilização é importante, tanto para melhorar o sabor de suas cervejas como para melhorar seu processo como um todo. Os requisitos ambientais para o funcionamento de uma cervejaria nunca foram tão rigorosos como nos dias de hoje, então, esperamos que, ao reunir todos esses aspectos num único livro, possamos lhe fornecer conhecimento e ferramentas para fazer com que a água realmente funcione para você e para sua cerveja.


    II N.T.: Termo utilizado na época para se referir ao sulfato de cálcio hidratado.

    2

    DE ONDE VEM A SUA ÁGUA?

    Saber de onde vem a nossa água e como o meio ambiente pode alterar suas características e composição são fatores importantes para compreender a água cervejeira. Este capítulo ilustra como a água muda à medida que avança no ciclo hidrológico, e como isso pode influenciar a produção de nossas cervejas.

    O CICLO DA ÁGUA

    Podemos considerar que o ciclo da água começa com ela em estado gasoso ou vapor, nas nuvens. Ela inicia como uma molécula de H2O pura, mas não permanecerá assim por muito tempo. À medida que se condensa, formando gotículas de água, estas absorvem moléculas de dióxido de carbono (CO2) e outros gases do ar. A atmosfera é cheia de partículas de poeira e pequenos minerais em forma cristalina, como areia e cloreto de sódio (NaCl). Todas essas substâncias favorecem a condensação das gotículas, mas também contaminam a água durante o processo. As gotículas, então, aglomeram-se e caem sobre a terra em forma de precipitação, como chuva ou neve.

    Quando a água da chuva ou da neve se acumula sobre a superfície da Terra, torna-se o que chamamos de águas superficiais. Quanto maior o tempo de contato (na ordem de dias ou anos) entre essa água e o solo, maior a quantidade de substâncias presentes naquele ambiente que serão dissolvidas naquela água. Essas substâncias podem ser matéria orgânica proveniente de plantas ou animais, ou outras, como herbicidas e pesticidas. Também podem ser minerais, como o cloreto de sódio e sulfato de cálcio, entre outros.

    Figura 8 – O ciclo da água, de gás a líquido e vice-versa. Fonte: Shutterstock.com.

    À medida que as águas superficiais penetram o solo, parte da matéria orgânica é filtrada e o líquido é exposto a outros minerais. Esta água é então chamada de água subterrânea, podendo permanecer nos aquíferos por centenas de anos, se não milhares. A longa exposição fornece tempo suficiente para que os minerais sejam dissolvidos nestas águas. Em áreas de solos ricos em carbonatos e formações rochosas, os minerais dissolvidos podem levar a uma maior dureza e um maior teor de alcalinidade em comparação aos valores encontrados nas águas de superfície.

    Poços, nascentes e infiltrações em rios e córregos trazem as águas subterrâneas de volta à superfície. A qualquer instante, tanto as águas subterrâneas como as superficiais podem evaporar, retornando à atmosfera em forma de vapor ou gás e reiniciando o ciclo hidrológico.

    FONTES DE ÁGUA E MINERALIZAÇÃO

    O objetivo aqui é mostrar a você que existem três fontes principais de água doce (precipitação, águas superficiais e subterrâneas) e cada uma delas tem seus prós e contras para o uso na cervejaria. A água proveniente da precipitação de uma chuva ou neve recente tende a ter um pH mais baixo que a água de superfície, contendo muito pouca matéria orgânica ou minerais dissolvidos. As águas de rios ou de lagos podem ter uma quantidade maior de matéria orgânica, e uma concentração de minerais dissolvidos e alcalinidade moderadas. É provável que as águas superficiais estejam contaminadas com matérias orgânicas, como plâncton

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