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Levedura: guia prático para a fermentação de cerveja
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Levedura: guia prático para a fermentação de cerveja
E-book567 páginas10 horas

Levedura: guia prático para a fermentação de cerveja

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Sobre este e-book

"Os cervejeiros fazem mosto, quem faz a cerveja é a levedura." Embora este ditado seja verdadeiro, há muito que os cervejeiros podem fazer para controlar a atividade deste microorganismo.

O livro inicia com uma contextualização histórica da levedura e fermentação cervejeira, passando em seguida por seus aspectos bioquímicos. Após trazer dicas valiosas sobre como escolher e lidar com as diferentes cepas de levedura, os autores destrincham cada aspecto da fermentação cervejeira, incluindo as melhores práticas de propagação, manuseio e armazenamento de leveduras. Na sequência, um capítulo dedicado à montagem de um laboratório de leveduras de forma simplificada, expondo técnicas e equipamentos para diferentes contextos, tanto caseiros como industriais. Orientações práticas para a solução de problemas de fermentação concluem este livro, que é uma referência imprescindível para cervejeiros de todos os níveis.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de mai. de 2022
ISBN9786599165184
Levedura: guia prático para a fermentação de cerveja

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    Levedura - Chris White

    1

    A IMPORTÂNCIA DA LEVEDURA E DA FERMENTAÇÃO

    UMA BREVE HISTÓRIA DA LEVEDURA

    Alguns historiadores acreditam que a civilização se desenvolveu a partir de um desejo de beber cerveja. Eles especulam que a transição da caça e coleta para a agricultura, e o início da civilização, teve em vista o cultivo de grãos para fazer cerveja. Obviamente, os primeiros cervejeiros não poderiam ter feito cerveja sem levedura. Sem fermento, sem cerveja. Sem cerveja, sem civilização. Portanto, nós realmente temos que agradecer às leveduras por todas as nossas conveniências modernas e cervejas saborosas.

    Há milhares de anos, na Mesopotâmia, ninguém compreendia que a levedura que crescia naturalmente no solo e nas plantas era fundamental para gerar a fermentação. Os cervejeiros e enólogos de antigamente confiavam nessas fontes naturais de levedura para inocular suas fermentações. Durante a maior parte da história, a fermentação foi um mistério divino. Uma oferenda colocada diante de um santuário e venerada por vários dias se transformaria em uma bebida inebriante. Os instrumentos para a fabricação de cerveja tornaram-se herança de família. Eles começaram a chamar a espuma que apareceria magicamente na superfície da cerveja de godisgood, e eles reverentemente a transferiam para outro recipiente para começar outra fermentação. Pesquisadores acreditam que a reutilização da levedura de lote para lote começou no século XII, iniciando o processo de domesticação das leveduras. Cervejeiros e consumidores queriam cervejas com um sabor melhor e que tivessem uma vida útil mais longa. Os cervejeiros reutilizavam as leveduras dos lotes bem-sucedidos e descartavam as leveduras dos lotes ruins, gerando, sem saber, uma pressão seletiva sobre a levedura.

    Antes que os microscópios nos permitissem ver as leveduras, ninguém sabia exatamente o que acontecia durante a fermentação. Quando os bávaros criaram a Lei de Pureza da Cerveja (Reinheitsgebot) em 1516, tornando ilegal fabricar cerveja contendo qualquer outra coisa que não fosse água, malte de cevada e lúpulo; eles deixaram o fermento fora da lista de ingredientes porque eles não sabiam que ele existia.

    Em 1680, mais de um século após a lei da pureza entrar em vigor, Anton van Leeuwenhoek foi o primeiro a observar, através de um microscópio, que a levedura era composta de pequenos elementos interligados. Curiosamente, ele não percebeu que eles estavam vivos. Naquela época, a teoria mais comumente aceita da fermentação era de que se tratava de um processo espontâneo – uma reação química causada pelo contato com o ar – e que a levedura seria um subproduto químico.

    Outro século depois, em 1789, Antoine-Laurent Lavoisier descreveu a natureza química da fermentação como partes de açúcar transformando-se em dióxido de carbono e álcool. No entanto, os cientistas ainda não faziam a ligação entre a levedura e essa conversão de açúcar em etanol. Foi apenas na metade do século XIX que Louis Pasteur estabeleceu que a levedura era um microrganismo vivo. Isso abriu as portas para o controle preciso da conversão de açúcar em álcool. Também levou à criação de uma nova área de estudo, chamada bioquímica. Os progressos realizados, como resultados diretos ou indiretos das pesquisas sobre cerveja, levaram à nossa compreensão da forma como as células funcionam e criaram as bases para muitas outras descobertas científicas.

    Não é exagero sugerir que Pasteur promoveu os maiores avanços do que qualquer outra pessoa na história da cerveja, e que suas descobertas – entre outras – levaram a alguns avanços importantes para a civilização como um todo. Seus estudos sobre a fermentação de cerveja e de vinho pavimentaram o caminho para seu trabalho posterior sobre antraz, raiva, cólera e outras doenças, o que levou ao desenvolvimento das primeiras vacinas.

    Quando Pasteur começou a trabalhar com a fermentação de cerveja na década de 1860, a maioria das pessoas acreditava que a levedura não era o agente causador da fermentação. A cerveja é uma sopa complexa de substâncias, entre elas proteínas, ácidos nucleicos, bactérias, leveduras, e muito mais. Os cientistas sabiam que a levedura fazia parte da mistura, mas consideravam-na um subproduto da fermentação. Eles acreditavam que a geração espontânea catalisada pelo ar causava a fermentação. A teoria da geração espontânea sustentava que leveduras e bactérias eram criadas espontaneamente pela fermentação. Na época, a teoria de que células vivas poderiam realizar a fermentação era biológica demais. Os cientistas ainda não haviam aperfeiçoado suas técnicas de esterilização, e esta foi uma das razões pela qual a teoria da geração espontânea persistiu. Afinal de contas, se um cientista acreditasse que ele havia esterilizado um meio, porém o meio ainda contivesse células que mais tarde se multiplicariam, parecia que a geração espontânea era a resposta.

    Pasteur não acreditava nisso. Baseando-se em seus estudos sobre o vinho, o cientista postulava não haver ar suficiente presente para explicar o crescimento da população de leveduras durante a fermentação. Ele projetou uma experiência simples que colocaria um fim à teoria da geração espontânea.

    Hoje conhecemos a experiência de Pasteur como a fermentação de pescoço do cisne. Ele encheu um frasco em formato de pescoço de cisne com um meio mineral esterilizado. O cientista teve a sorte de ter usado um meio com pH ácido o suficiente para permanecer estéril ao longo de toda a experiência. Na verdade, alguns dos frascos que ele preparou ainda permanecem estéreis até hoje.

    O ar pode entrar, mas o pescoço do cisne prende qualquer poeira, que transporta levedura e bactérias. Uma vez que a poeira não pode alcançar o meio, não há fermentação. Se o ar fosse o único componente necessário para a fermentação, a fermentação continuaria, mas isso não acontece. Só quando o frasco for inclinado é que o líquido poderá entrar no pescoço, carregando junto bactérias e leveduras, e a fermentação poderá começar.

    Esta era uma ideia controversa, e Pasteur passaria os próximos quinze anos conduzindo experimentos para provar certos aspectos. Ele também trabalhou com diferentes açúcares, incluindo os de frutas. Em 1879, sua teoria estava sólida e ele escreveu: […] não precisamos mais dizer, ‘pensamos’, mas em vez disso, ‘afirmamos’ que é correto, em relação à fermentação alcoólica e levedura.

    Isso foi importante por muitas razões além do valor acadêmico. Uma vez que você sabe a causa de alguma coisa, você pode controlar melhor o processo que a gera. Fazer cerveja passou de algo mágico, com o cervejeiro tendo pouco controle, para algo que o cervejeiro podia controlar simplesmente entendendo as leveduras.

    Pasteur entendeu imediatamente. Ele não apenas provou o que as leveduras estavam fazendo, mas também teorizou que as bactérias e outras leveduras presentes eram a causa dos sabores desagradáveis (off-flavors). Afinal, o objetivo de seu trabalho original era descobrir como prevenir as doenças da cerveja.

    Algumas cervejarias adotaram suas ideias e começaram a limpar suas culturas de leveduras e cervejarias. Uma dessas cervejarias foi a Carlsberg, na Dinamarca. Os laboratórios Carlsberg, sob a direção de Emil Christian Hansen, isolaram a primeira cepa de levedura Lager e a introduziram no mundo da cerveja em 12 de novembro de 1883. Seu nome científico era Saccharomyces carlsbergensis ou Saccharomyces uvarum (agora S. pastorianus), mas a maioria dos cervejeiros a chamam de levedura Lager. Hansen foi também o primeiro a desenvolver técnicas de cultura pura, técnicas ainda usadas até hoje em laboratórios de microbiologia. Foram estas técnicas que permitiram aos Laboratórios Carlsberg isolar a cultura pura de levedura Lager. Hansen não só foi capaz de cultivar esta nova levedura Lager em sua forma isolada, mas também foi capaz de armazená-la por longos períodos em uma combinação de mosto e ágar. Esta combinação de isolamento de culturas puras e armazenamento a longo prazo permitiu que os cervejeiros transportassem leveduras cervejeiras por todo o mundo e, logo depois, a produção de cerveja Lager ultrapassou a fabricação de cervejas Ale em todo o mundo.

    Figura 1.1 – Bustos de Louis Pasteur (esquerda) e Emil Christian Hansen (direita) decorando a antiga cervejaria Carlsberg em Copenhagem. As fotos foram uma cortesia de Troels Prahl

    Porque é que a cerveja Lager se tornou tão popular? Na época em que Hansen isolou a levedura Lager, a maioria das fermentações cervejeiras ainda continha algumas leveduras selvagens e bactérias. A cerveja resultante, mesmo que fosse aceitável no início, tinha um curto prazo de validade antes de ficar ruim. Para muitas pessoas, a menos que trabalhassem numa cervejaria, a primeira cerveja de sabor limpo que experimentaram, provavelmente, foi uma Lager. A cerveja Lager também era fermentada fria, o que suprimia o crescimento de leveduras selvagens e bactérias. Por consequência, a cerveja Lager tinha uma vida útil mais longa, o que significava uma maior área de distribuição e um aumento das vendas. É possível que muitas cervejarias tenham mudado para a produção de cervejas Lager porque a viam como uma oportunidade para aumentar as suas vendas. Hoje, com as técnicas modernas de isolamento de cultura pura e boas práticas de higiene, as leveduras Ale são igualmente livres de contaminação, mas a cerveja Lager de produção em massa continua a prosperar. É marketing ou o sabor é mais atraente para o bebedor de cerveja de hoje?

    POR QUE A FERMENTAÇÃO É TÃO IMPORTANTE

    Pensamos no processo de fabricação como dividido em duas fases ou etapas: a parte quente e a parte fria. A parte quente é o processo de cozimento (ou brassagem), que ocorre na sala de brasagem, que envolve o desenvolvimento da receita, moagem, cozimento e a fervura do mosto e do lúpulo. O produto dessa parte, o mosto lupulado, fornece o alimento para a levedura na segunda fase, a parte fria.

    A parte fria começa quando o cervejeiro resfria o mosto, adiciona a levedura, e a fermentação começa. Dependendo da receita, a levedura metaboliza cerca de 50 a 80% do extrato do mosto, sendo o restante proteínas, dextrinas e outros compostos não metabolizados. O trabalho de Karl Balling mostrou que a levedura converte 46,3% do extrato em dióxido de carbono, 48,4% em etanol, e 5,3% em novas células de levedura.² Embora estes números somem até 100%, eles ignoram um aspecto muito importante da fermentação: enquanto metabolizam o extrato, as células de levedura também produzem centenas de outros compostos, que existem em quantidades muito pequenas, cuja soma total é inferior a 1% da massa do extrato metabolizado, mas que contribuem enormemente para o sabor, e realmente proporcionam o que é a essência da cerveja. Os tipos e quantidades destes compostos de sabor não são de forma alguma constantes e podem variar enormemente dependendo da saúde da levedura, taxa de crescimento, limpeza e outros fatores.

    Os cervejeiros podem facilmente evitar ou corrigir muitos dos problemas que surgem na parte fria do processo produzindo um mosto saudável e criando um ambiente ideal para a levedura. Ao dominar a parte fria, ganhamos maior controle sobre os sabores, aromas, aparência e texturas de nossa cerveja. A parte fria e como o cervejeiro a manipula é o foco principal deste livro.

    MELHORANDO A QUALIDADE DA FERMENTAÇÃO

    Então, se a parte da fermentação é tão importante, o que podemos fazer para melhorá-la? O primeiro passo é reconhecer quando há um problema com a levedura. Enquanto um gato pode gritar quando está com fome ou ferido, o fermento não consegue vocalizar. No entanto, podemos detectar muitos dos seus gritos de ajuda olhando, ouvindo, degustando, cheirando e sentindo. Sim, sentindo. Conheça o seu fermento de todas as formas possíveis. Torne-se um encantador de leveduras, se puder. Comece por aprender como a levedura funciona quando a cerveja fica ótima. Faça anotações sobre a fermentação e meça todas as variáveis que você conseguir. Tire um pouco de levedura do tanque em diferentes fases e inspecione-a. Uma vez que você saiba como ela funciona, atente-se a mudanças na atenuação, off-flavors, fermentação lenta e mudanças na floculação. Crie uma área dedicada em sua cervejaria ou casa para o seu próprio laboratório básico. Com algumas ferramentas simples, você pode aprender ainda mais usando testes como fermentação forçada e placas para avaliar mutações.

    Você precisa desenvolver o hábito de contar a sua levedura. No mínimo, meça o volume ou o peso da levedura que você inocula em cada lote. Meça regularmente a sua viabilidade também. Usar o mesmo número de células no mesmo nível de viabilidade é sempre importante para o desenvolvimento de cervejas consistentes.

    A cepa de levedura que você utiliza também é extremamente importante para tudo relacionado à fermentação. Como as pessoas, cada cepa tem uma personalidade distinta. De fato, gerações sucessivas da mesma família de levedura terão os seus próprios atributos únicos, seja quanto à temperatura de fermentação, às necessidades de oxigênio ou ao nível de atenuação. No fim, talvez o fator mais importante em uma boa fermentação seja impedir a contaminação de competir com o seu fermento.

    Você não pode fazer nada disso na parte quente do processo. Para além da fervura, a luta contra a contaminação acontece na parte fria. Se você controlar a parte fria com taxas de inoculação consistentes, se entender o comportamento da sua levedura, e se a mantiver muito limpa, você criará a oportunidade de uma parte fria bem sucedida e terá uma grande probabilidade de fazer ótimas cervejas.

    OS FUNDAMENTOS DA BOA FERMENTAÇÃO

    O que acontece exatamente durante a fermentação? Quando a levedura fermenta uma solução, ocorre a transformação de uma substância açucarada para uma alcoólica, com a vantagem adicional de um pH menor e compostos de sabor fundamentais para a cerveja. Um pH baixo fornece uma proteção adicional aos produtos fermentados contra bactérias nocivas, e os compostos de sabor (ésteres, álcoois de alto peso molecular, compostos de enxofre, e muitos outros) adicionam as características que fazem a cerveja ter o sabor que tem. Se você simplesmente adicionasse etanol puro ao mosto cervejeiro ou ao suco de uva, o resultado não teria gosto de cerveja ou vinho, porque estariam faltando esses importantes subprodutos da fermentação.

    O que precisamos para a fermentação ocorrer? Muitos livros detalham a bioquímica das células de levedura, mas este não é um livro sobre a biologia da levedura. Para o cervejeiro, uma boa fermentação é mais sobre o que você precisa fazer e quais equipamentos são necessários, do que o que acontece dentro de uma célula de levedura. É preciso muito pouco além de leveduras e um líquido açucarado adequado para a fermentação ocorrer. No entanto, para que as fermentações funcionem bem e atinjam os sabores, aromas e texturas que queremos, precisamos dos açúcares certos, leveduras saudáveis, nutrientes, temperaturas controladas e equipamentos para monitorar o progresso da fermentação – em suma, precisamos de uma fermentação controlada.

    LEVEDURA

    A parte mais importante da fermentação é a levedura. A levedura converte açúcar em álcool, dióxido de carbono e outros compostos que influenciam o sabor de alimentos e bebidas fermentados. A levedura faz isso para produzir energia e ganhar material para a reprodução. Elas não se importam que você esteja tentando fazer uma ótima cerveja.

    De que tipo levedura precisamos? Ah, é aqui que fica interessante. Muitas leveduras conseguem converter açúcar em álcool, mas você quer usar uma cepa que cria os melhores sabores para a sua cerveja. Às vezes a história escolhe uma cepa para você. Pode ser uma cepa de levedura trazida à cervejaria há cem anos, ou pode ser uma cepa especificada em uma receita para reproduzir precisamente determinado estilo. Se você tiver a flexibilidade para escolher, pode fazer sua própria pesquisa sobre qual será a melhor levedura para usar, ou pedir conselhos a um fornecedor ou a um cervejeiro amigo.

    Independentemente de qual cepa que você selecionar, ela deve estar saudável e deve ser inoculada na quantidade correta para uma fermentação ideal. Se você compra levedura de um laboratório, ele muitas vezes garantirá um certo nível de pureza e poderá fornecer quantidades necessárias para inóculo diretamente na sua cerveja. Se você comprar uma quantidade menor do que o inóculo ideal, ou estiver cultivando sua própria levedura a partir de uma placa ou ágar inclinado (slant), preste mais atenção à viabilidade, vitalidade e pureza da cultura de levedura ao longo de seu processo.

    AÇÚCAR

    Leveduras alimentam-se de açúcares para criar álcool, mas as fontes de açúcar e sua complexidade resultarão em condições de fermentação diferentes. A maioria dos cervejeiros sabe que os tipos de açúcares criados no mosto, presentes nos extratos de malte, ou adicionados à panela ou fermentador afetam sua a fermentabilidade. Como regra geral, açúcares mais simples são mais fermentáveis do que açúcares mais complexos, de cadeias mais longas. Uma coisa que muitos cervejeiros não sabem é que os tipos dos açúcares presentes também podem afetar os sabores provenientes da fermentação. Por exemplo, a fermentação de mostos com alto teor de glicose produz cervejas com concentrações mais elevadas de ésteres (particularmente acetato de etila, que tem sabor parecido com solvente, e acetato de isoamila, que tem sabor semelhante à banana). Inversamente, mostos com altas concentrações de maltose resultam em cervejas com baixa concentração destes ésteres. Quanto maior a densidade inicial, mais pronunciado é este efeito.

    A fonte dos açúcares também pode afetar a fermentação por conta de diferenças nos nutrientes e precursores de sabor. Enquanto a fonte mais comum para a cerveja é a cevada maltada, cervejeiros ao redor do mundo usam muitos amidos diferentes. Por exemplo, o sorgo é bastante popular na África, e está recebendo atenção na América do Norte como um ingrediente alternativo para os consumidores com alergia à trigo. Cervejeiros também utilizam trigo, milho, arroz, além de açúcares e xaropes pré-processados.

    A adição de um amido adjuvante, como arroz ou milho, ao mosto ainda resulta nos mesmos tipos de açúcares (principalmente maltose), uma vez que as mesmas enzimas do malte que convertem a cevada maltada convertem os amidos adjuvantes. A preocupação ao usar grandes porções de cevada não maltada é que o amido adjunto muitas vezes carece dos mesmos nutrientes e precursores de sabor presentes no malte de cevada, afetando assim a fermentação e o sabor da cerveja.

    OXIGÊNIO

    O oxigênio é um fator crítico no crescimento da levedura, e muitas vezes é o fator limitante. As leveduras usam o oxigênio para a síntese de esteróis. As leveduras usam esteróis para manter as paredes celulares flexíveis, o que é importante para o crescimento celular e saúde celular de modo geral. Antes da fermentação, é necessário aerar o mosto resfriado para promover o crescimento da levedura. Nós consideramos 8 – 10ppm de oxigênio o nível mínimo, com a quantidade de oxigênio necessária variando conforme a cepa de levedura e outros fatores, incluindo a densidade específica do mosto. Cervejas com maior demanda de leveduras, como Lagers e cervejas de alta densidade inicial (high-gravity), tendem a exigir mais oxigênio.

    Ao contrário do que muitos cervejeiros acreditam, é possível superoxigenar o seu mosto quando se usa oxigênio puro. Se você fornecer uma quantidade excessiva de oxigênio, isso pode levar a um crescimento celular elevado, criando um excesso de subprodutos de fermentação, resultando em um perfil sensorial abaixo do ideal.

    NUTRIENTES

    As células de levedura precisam de 100% de suas vitaminas e minerais essenciais (nutrientes) para passar por uma fermentação devidamente nutridas e depois estarem prontas para trabalhar novamente, assim como os seres humanos.

    Um mosto produzido inteiramente com malte, sem adjuntos, é uma excelente fonte de nitrogênio, minerais e vitaminas. Ele fornece a maioria das vitaminas necessárias para uma fermentação adequada, como riboflavina, inositol e biotina. A levedura também precisa de vários minerais cruciais, como fósforo, enxofre, cobre, ferro, zinco, potássio, cálcio e sódio. À medida que a levedura absorve minerais e vitaminas do mosto, ela começa a produzir as enzimas necessárias para o seu crescimento e a fermentação. Nós podemos facilmente melhorar a saúde e o desempenho das leveduras garantindo que elas tenham os níveis adequados de nutrientes. Se você está reutilizando a levedura, isso é especialmente importante para a manutenção contínua da saúde dela. Vários suplementos nutricionais de levedura disponíveis comercialmente tornam mais fácil garantir que o mosto terá os minerais e vitaminas adequados para a saúde da levedura.

    SISTEMAS DE FERMENTAÇÃO

    Sistemas de fermentação diferentes criam resultados muito diferentes. Tradicionalmente, os cervejeiros utilizavam grandes recipientes de fermentação abertos, que eram vantajosos por várias razões. Uma delas é que eles ofereciam aos cervejeiros a capacidade de coletar leveduras por muitas e muitas gerações, porque eles podiam coletar o fermento da superfície. Estes recipientes ainda são bastante populares na Inglaterra. Há muitos anos, os cervejeiros fermentavam cervejas com uma combinação de leveduras nativas e leveduras cervejeiras, reutilizadas de lote em lote. Você ainda pode encontrar esse tipo de cerveja hoje, embora a maioria das cervejas modernas sejam feitas com uma única cepa de levedura.

    No entanto, estes grandes recipientes de fermentação abertos também têm seu próprio conjunto de problemas. Podem ser difíceis de limpar, e não são tão higiênicos como os modernos equipamentos de fermentação fechados. A maioria dos cervejeiros hoje usam recipientes de fermentação com fundo em forma de cone, que têm suas próprias vantagens e desvantagens. Estes recipientes oferecem tecnologia para facilitar a limpeza e excelente controle de temperatura, mas fermentadores extremamente altos podem gerar um estresse adicional às leveduras. O aumento das pressões parciais de gases em solução pode afetar o desempenho das leveduras e o sabor da cerveja. Os cervejeiros caseiros têm a vantagem do tempo e da liberdade econômica, de modo que podem utilizar desde fermentadores abertos a versões menores de fermentadores cilindrocônicos comerciais.

    CONTROLE DE TEMPERATURA

    O controle de temperatura é essencial para a produção de cervejas consistentes e de alta qualidade. Isto é muito mais importante do que a diferença entre fermentadores cônicos de inox e baldes de plástico. Um dos pontos chave para se levar deste livro é a importância da temperatura de fermentação na qualidade da cerveja. Quando surge um problema, e não é um problema de contaminação, o primeiro passo é verificar a temperatura da cerveja ao longo de todas as fases de fermentação, do inóculo à maturação. Altas ou baixas temperaturas afetam a produção de muitos precursores de off-flavors no início da fermentação. A temperatura também afeta a capacidade da levedura de reduzir muitos compostos de off-flavors no final da fermentação. Oscilações de temperatura grandes e descontroladas produzem resultados ruins, especialmente quando os lotes são pequenos. Quanto menor o tamanho do lote, mais rapidamente ele será afetado por mudanças na temperatura ambiente.

    MONITORAMENTO DA FERMENTAÇÃO

    Os equipamentos e métodos de monitoramento podem variar amplamente em termos de custo e complexidade. Um cervejeiro consegue fazer muito com coisas tão simples como o poder da observação, um termômetro e alguns testes manuais básicos. As grandes cervejarias comerciais investem frequentemente em sistemas sofisticados de testes automatizados.

    As medições mais importantes durante a fermentação (em ordem de prioridade) são: temperatura; densidade específica; pH; oxigênio; e dióxido de carbono. O importante a se notar é a necessidade de medições regulares e o acompanhamento do progresso da fermentação. Você deve manter registros, e cada registro deve incluir notas detalhadas sobre quanta levedura foi inoculada, sua fonte, sua viabilidade, a densidade e pH da cerveja, o volume do lote, temperaturas, e notas de progresso diário. É através de sua rigorosa atenção à fermentação que você irá detectar problemas logo no início, talvez economizando custos consideráveis em produtos perdidos.

    2

    BIOLOGIA, ENZIMAS E ÉSTERES

    BIOLOGIA DAS LEVEDURAS

    Nós dissemos que este não é um livro de biologia, mas precisamos entender um pouco de biologia para trabalhar melhor com este pequeno organismo. Taxonomistas classificam as leveduras como parte do reino dos fungos. Outros reinos incluem bactérias, animais e plantas. A maioria dos organismos no reino dos fungos, tais como mofo e cogumelos, são multicelulares, mas as leveduras são organismos unicelulares. Isto significa que as leveduras não têm as formas de proteção que os organismos multicelulares apresentam, como cascas, por exemplo. No entanto, estes pequenos organismos unicelulares são surpreendentemente resistentes, compensando em número e rápida reprodução o que lhes falta em proteção.

    Uma única célula de levedura tem cerca de 5 a 10 micrômetros de tamanho e forma redonda a ovoide. Uma célula de levedura é dez vezes maior do que uma bactéria, mas ainda pequena demais para ser vista a olho nu. Na verdade, são necessárias mais de dez células de levedura para igualar o diâmetro de um cabelo humano. Uma pequena colônia de leveduras visível numa placa de Petri contém pelo menos 1 milhão de células.

    Existem mais de 500 espécies de levedura e, dentro de cada espécie, existem milhares de diferentes cepas. Encontramos leveduras no mundo inteiro – vivendo no solo, em insetos e crustáceos, em animais e em plantas. Antigamente, os taxonomistas classificavam as leveduras como parte do reino vegetal. Olhe para qualquer pedaço de fruta madura e você pode ter certeza de que haverá leveduras ao redor dela. As leveduras podem viajar sobre a poeira, e as correntes de ar as levam para novas áreas. Elas se estabelecem em quase todas as superfícies, ansiosas por mais açúcares para fermentar, podendo, assim, multiplicar-se. Olhe para aquela faixa de sol entrando pela janela da cervejaria. Você enxerga as partículas de pó? Há uma boa chance de elas estarem carregando leveduras nativas, e também bactérias, apenas esperando por uma oportunidade de pousar em sua cerveja. A maioria dos cervejeiros não quer leveduras nativas em sua cerveja, e eles a chamam de leveduras selvagens. Mas e se uma dessas cepas de levedura acidentalmente acabar em nossa cerveja? Consideramos qualquer levedura que não esteja sob o controle do cervejeiro como levedura selvagem, e usaremos essa definição para o resto deste livro. No entanto, quando a maioria das pessoas falam de levedura selvagem, elas estão geralmente se referindo às cepas que não são as leveduras cervejeiras.

    Os cervejeiros, os produtores de vinho e os destiladores utilizam algumas espécies muito específicas de levedura para os seus produtos. O gênero das leveduras cervejeiras é Saccharomyces, que é derivado do grego latinizado e significa fungo do açúcar. Existem duas espécies principais de leveduras cervejeiras, Ale e Lager: S. cerevisiae (levedura Ale) e S. pastorianus (levedura Lager). Os taxonomistas debatem se S. pastorianus é um membro da espécie S. cerevisiae ou se é uma espécie separada. Atualmente eles as consideram como separadas, e isso está de acordo com o mundo da cerveja. No passado, a levedura Lager teve outros nomes, como S. uvarum e S. carlsbergensis. Os enólogos mais comumente utilizam S. cerevisiae ou S. bayanus, e é interessante notar que a levedura Lager parece ter evoluído por meio de uma hibridação rara entre essas duas espécies.³

    GENÉTICA DE S. CEREVISIAE

    Um gene codifica uma proteína, e cada levedura tem cerca de 6.000 genes. Sabemos disso porque a levedura foi o primeiro organismo eucariótico a ter todo o seu genoma sequenciado por uma comunidade internacional de cientistas, em 1996. Os genes fazem parte dos cromossomos, e a levedura tem dezesseis cromossomos diferentes. Para fins comparativos, as bactérias têm um cromossomo, e as células humanas têm 23. Normalmente, as células humanas e de leveduras são diploides, o que significa que elas contêm duas cópias de cada cromossomo; as células haploides contêm apenas uma cópia de cada cromossomo.

    Na natureza, as leveduras são geralmente diploides e contêm 32 cromossomos, duas cópias de cada um dos dezesseis cromossomos. Na natureza, as leveduras formam esporos, que é uma parte chave de seu ciclo de acasalamento. Este acasalamento entre as células de leveduras selvagens leva a uma mudança evolutiva que favorece a diversidade e a habilidade das leveduras sobreviverem. No entanto, nós, enquanto cervejeiros, queremos consistência nas leveduras, e não diversidade e rápidas mudanças genéticas. Felizmente, para nós, os cervejeiros do passado trabalharam diligentemente, selecionando e reutilizando as leveduras até o ponto em que as leveduras cervejeiras eventualmente perderam a capacidade de formar esporos e, portanto, a capacidade de acasalar. A perda da capacidade de acasalar reduziu expressivamente a mudança evolutiva, e hoje os cervejeiros podem contar com leveduras mais consistentes lote a lote. Além disso, as leveduras cervejeiras desenvolveram mais de duas cópias de cada gene, uma ocorrência conhecida como poliploidia. Embora as cópias dos cromossomos não sejam necessariamente isogênicas (idênticas), a beleza da poliploidia é que uma mutação em um gene não incapacita a célula; a levedura tem múltiplas cópias do gene para gerar o produto proteico necessário. A poliploidia nas leveduras cervejeiras é possivelmente o resultado da aplicação de pressão evolutiva por parte dos cervejeiros, selecionando para reutilização apenas as leveduras que se comportaram como no último lote.

    O genoma das leveduras determina se uma célula é uma levedura Ale ou Lager. O genoma também determina tudo o mais sobre a célula. Apesar de conhecermos a sequência do ADNII de S. cerevisiae, ainda não sabemos o que cada gene faz. São pequenas diferenças na expressão do genótipo e no ambiente que determinam o fenótipo da levedura. O fenótipo é a expressão das características da célula: que açúcares consome, o que produz, que necessidades nutricionais e de oxigênio ela tem. Cientistas estão estudando formas de identificar quais genes estão ativos a cada momento, mas, até agora, isto resultou em pouca ajuda para os cervejeiros. Hoje, os cervejeiros ainda dependem das mesmas técnicas que os cervejeiros do passado: observar o que a levedura faz durante a fermentação (fenótipo), buscar determinar a identidade, condição, desempenho e pureza das leveduras.

    ESTRUTURA CELULAR DAS LEVEDURAS

    PAREDE CELULAR

    A parede celular é uma barreira espessa que envolve a célula, e é composta principalmente por carboidratos. A parede celular da levedura é como uma cesta de vime protegendo o seu conteúdo. Polissacarídeos, proteínas e lipídios constituem até 30% do peso seco da célula. Aproximadamente 10% das proteínas está aprisionado na parede celular. Há três camadas interligadas. A camada interna, de quitina, é composta principalmente de glicanos; a camada externa é principalmente composta por manoproteínas; e a camada intermediária é uma mistura dos dois.

    Figura 2.1 – Diagrama simplificado da estrutura celular das leveduras

    Quando uma célula de levedura faz uma cópia de si mesma, gerando uma nova célula filha, cria uma cicatriz permanente na parede celular, chamada de cicatriz de brotamento. Uma cicatriz de brotamento é composta principalmente de quitina, o mesmo material encontrado nos exoesqueletos de insetos.⁵ Cicatrizes de brotamento são, eventualmente, visíveis sob microscopia óptica. Durante um único ciclo de fermentação, as leveduras cervejeiras normalmente brotam apenas algumas vezes, mas em um ambiente de laboratório, podem brotar até 50 vezes. Geralmente, uma célula de levedura Ale convencional não vai brotar mais de trinta vezes ao longo de sua vida (em vários ciclos de fermentação), e uma levedura Lager vai brotar apenas vinte vezes, antes que elas se tornem incapazes de brotar novamente.

    MEMBRANA PLASMÁTICA

    A membrana plasmática, ou membrana celular, é uma bicamada lipídica localizada entre a parede celular e o interior da célula. Esta membrana semipermeável determina o que entra e o que sai da célula, conferindo também uma proteção ambiental adicional. Lipídios, esteróis e proteínas compõem esta membrana, dando-lhe fluidez, flexibilidade e a capacidade de brotar para formar uma nova célula filha.

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