Narrativas Acadêmicas: Educação Médica Além do Currículo Formal
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Sobre este e-book
Optamos pelas narrativas por serem potentes ferramentas para expor a interação professor/estudante no ensino das duas disciplinas. Observamos e entrevistamos os atores — professores, estudantes, pacientes e famílias — e a interação entre eles, nos ambientes naturais — salas de aulas, ambulatórios e enfermarias. Aplicamos o Modelo Epistemológico Comparativo descrito por Ludwik Fleck, cujas categorias centrais são estilo e coletivo de pensamento. Pressupomos que o que estabelece o estilo de pensamento médico não é, necessariamente, ou somente, exposição ao currículo formal. Outros fatores perpetuam o estilo de pensamento médico dominante, hegemônico. Uma escola apresenta concepção e currículo tradicionais; a outra, inovadores, com inclusão das disciplinas das Ciências Humanas. Entretanto, os estudantes não associam os saberes médico e humanístico à prática médica, reagem negativamente. Sugerimos que a inovação curricular apenas é insuficiente para incluir componentes do estilo de pensamento humanístico à formação médica.
A leitura das narrativas evidenciou o valor dos professores transmitindo conceitos humanísticos: humildade, humanidade, solidariedade, não julgamento, não preconceito, introduzidos nas discussões de casos clínicos e no exemplo da relação médico-paciente, conforme Izabel Cristina Rios aponta: "A temática humanística ganha vida nas histórias (narrativas) clínicas dos pacientes, sem qualquer esforço da nossa parte para que se tornem interessantes". Embora expostos a currículos e concepções distintos e ao ensino de conceitos humanísticos pelos professores, o estilo de pensamento final dos estudantes das duas escolas, influenciado também por fatores extracurricu-lares, como currículos oculto e paralelo, complexo médico-industrial e mercado de trabalho, permanece biomédico, dominante. A inclusão de aspectos humanísticos à formação médica, por muito tempo negligenciada, como nos diz Maria Inês Nogueira: "É uma proposta que ainda se apresenta de forma contra hegemônica". Dirigimos este livro a estudantes, preceptores, professores e gestores em saúde. Também àqueles que se beneficiam da boa formação de seus cuidadores, os pacientes. O conhecimento gerado por esta obra pode contribuir para que educadores e autoridades em saúde aprimorem a educação médica para melhor atender às necessidades de saúde da população.
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Narrativas Acadêmicas - Sylvia Maria Porto Pereira
Sumário
CAPA
CAPÍTULO 1
BASES LITERÁRIAS
1.1 EPISTEMOLOGIA COMPARATIVA DE LUDWIK FLECK
1.2 ESTILO DE PENSAMENTO MÉDICO DOMINANTE, BIOMÉDICO
1.3 MOVIMENTOS PARA A INTRODUÇÃO DE ELEMENTOS HUMANÍSTICOS AO ESTILO DE PENSAMENTO BIOMÉDICO
CAPÍTULO 2
INICIAMOS A CAMINHADA
2.1 ESCOLAS MÉDICAS
2.2 DISCIPLINAS E PROFESSORES
2.3 O QUE OS ESTUDANTES DO 12º PERÍODO DO CURSO DISSERAM SOBRE AS DISCIPLINAS E OS PROFESSORES PARA JUSTIFICAR SUAS ESCOLHAS
CAPÍTULO 3
CONTINUAMOS A CAMINHADA
3.1 O TRAJETO
3.2 O QUE OS PROFESSORES RELATARAM SOBRE SUAS VIVÊNCIAS NO CURSO DE MEDICINA
3.3 O QUE OS ESTUDANTES RELATARAM SOBRE SUAS VIVÊNCIAS NO CURSO DE MEDICINA
CAPÍTULO 4
AS NARRATIVAS
O ENSINO DAS DISCIPLINAS CLÍNICA MÉDICA – ESCOLAS MÉDICAS 1 E 2 DOENÇAS INFECTO-PARASITÁRIAS - ESCOLA MÉDICA 1
4.1 ENSINO PRÁTICO NO AMBULATÓRIO DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLA MÉDICA 1
4.2 ENSINO PRÁTICO NO AMBULATÓRIO E NA ENFERMARIA DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLA MÉDICA 1
4.3 ENSINO PRÁTICO NOS AMBULATÓRIOS DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLA MÉDICA 2
4.4 ENSINO PRÁTICO NA ENFERMARIA DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLA MÉDICA 1
4.5 ENSINO PRÁTICO NA ENFERMARIA DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLA MÉDICA 2
4.6 ENSINO TEÓRICO EM AULAS EXPOSITIVAS DE CLÍNICA MÉDICA ESCOLAS MÉDICAS 1 E 2
4.7 ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO EM SESSÕES CLÍNICASDE CLÍNICA MÉDICA ESCOLAS MÉDICAS 1 E 2
4.8 ENSINO PRÁTICO NO AMBULATÓRIO E NA ENFERMARIA DE DOENÇAS INFECTO-PARASITÁRIAS ESCOLA MÉDICA 1
4.9 ENSINO TEÓRICO-PRÁTICO DE DOENÇAS INFECTO-PARASITÁRIAS ESCOLA MÉDICA 1
CAPÍTULO 5
UMA CONVERSA COM A LITERATURA
COMO O TECER DE UMA VESTIMENTA, O ESTILO DE PENSAMENTO DOS ESTUDANTES DE MEDICINA VAI TOMANDO FORMA
5.1 INFLUÊNCIAS CURRICULARES NA CONSTRUÇÃO DO ESTILO DE PENSAMENTO DOS ESTUDANTES
5.1.1 DISCIPLINA E PROFESSORES
5.1.2 ESTILOS DE PENSAMENTO
5.2 Influências Extracurriculares Na Construção Do Estilo de Pensamento Dos Estudantes
5.2.1 Currículo Informal – Oculto e Paralelo
5.2.2 Complexo Médico-Industrial » Medicina Baseada em Evidências » Indústria do Conhecimento Médico
5.2.3 Mercado de Trabalho
5.3 ESTILO DE PENSAMENTO FINAL DOS ESTUDANTES INFLUÊNCIAS CURRICULARES E EXTRACURRICULARES
EPÍLOGO
REFERÊNCIAS
SOBRE AS AUTORAS
CONTRACAPA
NARRATIVAS ACADÊMICAS
EDUCAÇÃO MÉDICA ALÉM DO
CURRÍCULO FORMAL
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2023 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Sylvia Maria Porto Pereira
Kenneth Rochel de Camargo Jr.
NARRATIVAS ACADÊMICAS
EDUCAÇÃO MÉDICA ALÉM DO
CURRÍCULO FORMAL
DEDICATÓRIAS /
DEDICATIONS
Sylvia Maria Porto Pereira
Aos professores e estudantes de Medicina, que, juntos, contribuem para a construção do sistema de saúde.
Aos gestores de Educação em Saúde, responsáveis pela formação dos futuros profissionais de saúde.
Aos meus queridos netos, Bento, Christopher, Matthew e Nicholas, para que sempre valorizem o conhecimento.
To professors and students of Medicine course who, together they contribute to the construction of the health system.
To managers of Health Education, responsible for the training of future health professionals.
To my dear grandchildren, Bento, Christopher, Matthew, and Nicholas, so that they value knowledge.
DEDICATÓRIAS /
DEDICATIONS
Kenneth Rochel de Camargo Jr.
À Claudia, minha parceira de todos os momentos.
To Claudia, my partner at all times.
AGRADECIMENTOS / THANKS
Sylvia Maria Porto Pereira
A Albucacis, Bruno, Kai, Liana, Andréa, Bruno, por serem o alicerce que me faz seguir em frente.
À memória de meus pais, que sempre me acompanha.
Ao meu orientador, Kenneth Rochel de Camargo Jr., fonte inesgotável de saber, pelos inestimáveis ensinamentos.
To Albucacis, Bruno, Kai, Liana, Andréa, Bruno, for being the foundation that keeps me going.
To the memory of my parents, who always accompany me.
To my advisor, Kenneth Rochel de Camargo Jr., an inexhaustible source of knowledge, for his invaluable teachings.
AGRADECIMENTOS / THANKS
Kenneth Rochel de Camargo Jr.
À Sylvia, pela confiança e generosidade.
To Sylvia, for her trust and generosity.
PREFÁCIO
Os desafios para o desenvolvimento do ensino médico são mais atuais do que nunca para as escolas médicas e para a gestão do sistema de saúde. As mudanças curriculares ocorridas a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2001 e 2014 envolveram praticamente todas as escolas médicas, mesmo as mais tradicionais.
As DCNs enfatizam a formação generalista, humanista, crítica e reflexiva do médico. Buscam superar uma visão do ensino restrita à transmissão de conhecimentos ao indicar o desenvolvimento de competências e atitudes dos futuros profissionais bem como uma formação generalista, orientada às necessidades do sistema público de saúde e de um modelo assistencial centrado na Atenção Primária.
Este livro analisa e atualiza esta discussão sobre a formação e sua relação com os objetivos dados pelas DCNs. O ponto de partida da pesquisa é o mesmo que o de chegada, identificando as disciplinas e os docentes mais valorizados pelos alunos no final do curso: a Clínica Médica e seus professores. Por meio de entrevistas e pesquisa etnográfica, observou-se o cotidiano das práticas de discentes e docentes no processo de ensino-aprendizagem em duas escolas médicas, analisando-o com o Modelo Epistemológico Comparativo de Ludwik Fleck, cujas categorias centrais são estilo e coletivo de pensamento. Esse referencial representou um olhar analítico e epistêmico para o cotidiano das práticas de ensino, sobre como discursos, ações e dogmas norteiam a constituição de coletivos de pensamento que compartilham uma forma de olhar e interpretar tanto os objetos como os sujeitos envolvidos na formação médica.
É no ensino de semiologia e propedêutica que o core de um estilo de pensamento biomédico é formatado. Nesses momentos, os alunos se percebem reproduzindo o modus operandi de ser médico
. Mas a pesquisa também apontou como os alunos integram a importância de aprender as técnicas de anamnese e exame com valores morais e éticos transmitidos pelos professores durante as atividades teóricas e práticas.
Kathryn Hunter observou que existe uma tensão entre técnica, ciência e a razão prática que permeia toda a formação e a própria prática médica, envolvendo os médicos em uma prática guiada por máximas contraditórias, concorrentes e paradoxais, como O paciente está lhe contando o diagnóstico
versus Sempre realize uma revisão de sistemas
.
A contradição entre uma busca incessante pela doença e a necessidade de entender a pessoa que adoece é contornada de modo a acomodar a medicina às incertezas, às contradições, às competições aparentemente paradoxais. Esse movimento é realizado por meio de uma sabedoria da prática, expressa por narrativas de especialistas
permeadas por máximas que buscam essa acomodação e a manutenção da lógica tecnicista da racionalidade biomédica.
Os autores utilizaram deliberadamente a expressão híbrido
para denominar um estilo de pensamento que agregue elementos biomédicos e humanísticos, dado como ações como o acolhimento no ambulatório, o respeito pelos corpos dos pacientes, a longitudinalidade da atenção, entre outras relevantes para o reconhecimento dos alunos de um ensino e de uma medicina de qualidade. Apesar de serem questões centrais tanto para o cuidado como para o ensino, com a desnaturalização da humanização, atitudes como respeito, empatia, acolhimento passam a ser consideradas como extraordinárias
. Isso fala da crise e insuficiência observada na prática médica dirigida pelo estilo de pensamento biomédico e dos sistemas de atenção à saúde ocidentais.
Veem-se os esforços dos docentes em formar um médico mais humano
e mais científica e tecnicamente preparado
. O processo de ensino-aprendizagem, porém, parece ainda ser baseado na transmissão de valores e habilidades vivenciadas pelos alunos no contato com os docentes, na antiga fórmula do mestre e o aprendiz, da reprodução pelos alunos de modelos morais, técnicos e éticos dos docentes. Ainda que importante, ele poderia estar integrado com outras metodologias de aprendizagem ativas e crítico-reflexivas, bem como formas de avaliação que não fossem docente-dependentes.
Talvez o anacronismo do ensino da semiologia e da propedêutica esteja vinculado à necessidade de não mudar o core do estilo de pensamento da racionalidade biomédica e reproduzir e perpetuar esse coletivo de pensamento que garante a hegemonia na medicina.
O livro traz a importância de não nos acomodarmos com soluções mágicas a partir de mudanças curriculares na forma de novos arranjos disciplinares ou da expansão do ensino para novos cenários de práticas como a atenção primária. Esses avanços podem se tornar mais do mesmo se não forem acompanhados de um processo mais intenso de capacitação docente, incorporando novos processos de ensino aprendizagem que questionem o core da medicina e seu estilo de pensar dirigido à doença, centrado em procedimentos, superespecializado e com o foco na reprodução dos lucros individuais e do complexo médico-empresarial da saúde.
Cesar Augusto Orazem Favoreto
Médico (FCM/UERJ), doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ).
Professor associado do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Coordenador da Comissão Acadêmica Local do Mestrado PROFSAUDE da Faculdade de Ciência Médicas
INTRODUÇÃO
A ideia de investigar a formação de estudantes do curso de Medicina surgiu a partir da experiência profissional da primeira autora que atuou por 12 anos junto à coordenação dos últimos períodos do curso.
Durante a graduação, os estudantes são expostos a fatores internos e externos às escolas médicas, como o currículo formal e as atividades extracurriculares. São expostos, também, às relações interpessoais que contraem com aqueles que compartilham seu trajeto acadêmico, principalmente, os professores. Além desses fatores, os estudantes sofrem a ação dos contextos social, cultural e econômico que envolvem as sociedades.
Várias perguntas surgiram como estímulo à procura de caminhos que permitissem compreender como os estudantes são atingidos pela exposição a esses agentes, num período de vida em que a maioria ainda não atingiu o desenvolvimento emocional pleno. O que guia suas escolhas profissionais? Como o primeiro contato com a experiência de sofrimento dos pacientes e de suas famílias afeta os discentes? Como o estilo de pensamento dos estudantes de Medicina se constrói ao longo dos seis anos do curso?
Aplicamos o Modelo Epistemológico Comparativo descrito por Ludwik Fleck, cujas categorias centrais são estilo e coletivo de pensamento. Pressupomos que o que estabelece o estilo de pensamento médico não é, necessariamente, ou apenas, a exposição ao currículo formal. Outros fatores perpetuam o estilo de pensamento médico dominante, hegemônico.
Ao longo da leitura desse livro, será possível conhecer os fatores aos quais os estudantes de duas escolas médicas do Rio de Janeiro foram expostos durante a graduação. Optamos pela escrita das narrativas por serem potente ferramenta para expor experiências intersubjetivas. E, talvez, poder responder às