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Nossas Lembranças
Nossas Lembranças
Nossas Lembranças
E-book258 páginas3 horas

Nossas Lembranças

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Sobre este e-book

Nossas lembranças transporta os leitores para a encantadora cidade de Itacaré, no litoral sul da Bahia, durante as décadas de 1920 a 1980. Nesta obra de romance histórico, as memórias ganham vida, convidando a percorrer os caminhos de várias vidas, em que personagens compartilham aventuras, infortúnios e amizades profundas.
As histórias são impregnadas de uma imensa afro-brasilidade, em um cenário repleto de belezas naturais e riqueza cultural. O leitor mergulhará em uma narrativa que mescla realidade e fantasia, misticismo e magia, conhecimento e ancestralidade, rezas e festividades. Essas interações, carregadas de múltiplos significados, convidam a ver e sentir o mundo para além de suas limitações materiais.
Dançar com Inácio, sonhar com Angélica, lutar ao lado de Francisco, rezar com Sebaste… As escolhas são livres para os leitores, que se envolverão com heroínas e heróis em um ambiente repleto de paixões, conflitos, celebrações e ilusões. Essas personagens esforçam-se para realizar sonhos compartilhados por muitos de sua geração, enquanto depositam nas futuras gerações a esperança de romper com a opressão e a pobreza, diante das transformações para um mundo guiado pelas promessas do progresso capitalista.
Nossas lembranças nos ensina a ousar sonhar e lutar para conquistar, apresentando lições que nos fazem refletir sobre o fato de que as histórias de nossas vidas não têm fim, mas, sim, recomeços.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento17 de nov. de 2023
ISBN9786525462882
Nossas Lembranças

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    Eu recomendo esse livro. Estou amando ? o romance e os personagens ??????❤️ maravilhosos.

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Nossas Lembranças - Rosivaldo Gomes de Sá Sobrinho

I Cheganças: um lugar, um mundo, as festas

De muito longe, ainda em alto-mar, se avistava algumas elevações. À medida que vai se aproximando de terra firme, morros altos se revelavam cobertos de densa vegetação. Uma floresta escura que, mais de perto, se mostra exuberantemente estabelecida sobre os negros recifes. O arrebentar das ondas fortes, na incansável luta do mar com os sólidos rochedos, forma majestosos véus de espumas brancas, um espetáculo natural e, também, o indício de uma perigosa aproximação.

Escapando os rochedos, a massa de água que, com força, avançava em direção à enseada, forma grandes ondas que após arrebentarem violentamente na parte mais rasa, vão descansar, suavemente, na areia das belas praias daquele litoral. Das ondas represadas pelos rochedos se forma um forte refluxo que retorna ao mar com a mesma ferocidade, fazendo os movimentos das embarcações variarem em todas as direções. Haja estômago para aguentar tal sujeição. A chegada a Itacaré é para os fortes.

Curtas enseadas de areia clara permitem acessar o continente e penetrar a floresta sem a necessidade de escalar os rochedos. Mais para o norte, uma baía permite acessar a foz de um rio largo de forte correnteza, águas doces e límpidas que vêm se misturar ao oceano. Ultrapassando a barra do Rio de Contas e percorrendo o seu leito por cerca de vinte minutos, é possível aportar, calmamente, no cais e efetuar o desembarque seguro.

É nesse cenário que eu os convido a embarcar nessa jornada, ora em terra, ora no rio, ora no mar, no palco que chamo de vida, seguindo em distintos percursos marcados por personagens tão diversos e tão intrinsicamente envolvidos.

Ai deles se não tivessem nesse cenário a possibilidade de encontrar os insumos necessários às suas vidas. Se não nos fosse generosa a natureza em ofertar uma diversidade de alimentos a serem coletados, com esforço, com conhecimento, mas lá disponíveis, acessíveis.

Assim o foi por muito tempo, sem a necessidade de transpor cercas, sem a dependência do dinheiro, mas com imensas riquezas trazidas da ancestralidade indígena e africana. As armadilhas, os balaios, as redes e as canoas. O conhecimento das marés, da vida silvestre. Os ciclos da lua, a utilidade dos frutos, das flores, folhas e raízes. Não há como minimizar a importância e o conhecimento sobre a biodiversidade local. Ai de nós se o mangue não nos desse caranguejos, aratus, siris e madeiras. Se o rio não nos desse robalos, carapebas, baiacus. Se o mar não nos abastecesse com xaréus, cavalas, sardinhas, bocas-tortas e tantas, tantas outras variedades. Da mata, os tatus, os teiús, as pacas. Era farta a oferta de alimentos. A farinha de mandioca, o aipim, o milho, a fruta-pão. O azeite de dendê, a pimenta-malagueta e o leite do coco conformavam-se em enorme variedade de cozidos, moquecas, guisados ou assados em brasa, envoltos em folhas de bananeiras, em panelas de barro, numa ebulição de cheiros, cores e sabores, capazes de agradar aos mais diversos paladares.

Saudades do tempo do bolo de manjuba! Do bolo de puba e de tapioca. De uma farofa de dendê com sardinha cascuda assada na brasa. Do aipim cozido com carne de paca, da banana-da-terra assada com carne de jabá, do caruru de taioba e do mingau de araruta, do arroz doce e do manguzá.

Ali, naquele lugar, vivíamos em liberdade, tínhamos quase tudo, apesar de sonharmos com os avanços da modernidade, com o progresso que já chegava à capital e às outras cidades da região. Não havia estradas, nem energia elétrica, o trem era uma promessa que nunca fora cumprida, o abastecimento hídrico estava começando a ser instalado.

O povo feliz fazia festa, pescava, cultivava, prestava serviços portuários. Como todo bom baiano, sabia aproveitar o melhor da vida. Trabalhava, rezava, sambava. Rezava para sambar, sambava para rezar, e entre a diversão e a obrigação traçava seus percursos da maneira que mais lhe convinha para ser feliz.

No carnaval, blocos e cordões saíam às ruas e disputavam qual deles animaria mais a população. A competição era pela alegria e pela animação. Eu, agora, como narrador, sou herdeiro dessa tradição. E muitos, anteriores à minha existência, já eram do bloco Primeiro Nós, agremiação que saía com seu público de pessoas majoritariamente pretas, moradoras do bairro do Marimbondo, a cantar e a festejar, arrastando o povo pelas ruas da cidade.

Não poderia, nesse momento de alegria, esquecer de trazer o refrão do hino que abria o desfile e se repetira muitas vezes ao longo do percurso:

"Alerta povo itacareence

Venha ver o carnaval

Quem não aguenta tira o corpo de bamba

Que nós queremos farrear".

E assim, em plena alegria, a vida abria alas para o povo que percorria as ruas a festejar. Desfilavam suas fantasias, ou viviam suas realidades, no período carnavalesco, despidos das fantasias que vestiriam nos demais dias do ano.

O sonho durava breves quatro dias e se acabava na madrugada da quarta-feira, deixando o desejo e a esperança para o próximo carnaval. As promessas de que será melhor. Naquele ano o bloco Primeiro Nós foi declarado campeão. Não faltaram contestações, obviamente, mas o sucesso alcançado pela música de autoria dos membros do bloco ficou gravado na história. Todos cantavam e a banda estava afinada, animada. Sucesso geral! Itacaré jamais veria outro carnaval como aquele.

Haveria mais festa no final de semana para comemorar, e só então o ano começaria.

II Os que vieram para ficar

Eram cinco horas da manhã de quinta-feira, um dia estranho, nem quente nem frio. Amanhecera com o tempo fechado, ameaçando chover e com muita ventania. Depois, céu limpo, parecendo que seria um dia ensolarado. Mas, por volta das seis horas da manhã, apresentava uma cor estranha, cinza-azulado, sem brilho, sem escuridão, de um jeito que nem os mais experientes ousavam fazer previsão. A cidade parada, os barcos não arriscaram sair para pescar. Os ventos matinais não eram favoráveis. Perto do porto, os pescadores aproveitavam o tempo para consertar suas redes, bater papo. Mais tarde se deixavam levar por um jogo de dominó e alguns goles de cachaça.

Um barulho incomum chamava a atenção dos moradores que saíam às portas para apreciar a cena. Pelas ruas da cidade, um jovem, com cerca de dezessete anos, vinha com as mãos atadas, puxado por dois homens montados a cavalo. Eram os capatazes da fazenda Sucupira. O jovem era desconhecido. Tinha a pele clara, avermelhada e ressequida que denunciava sua longa exposição ao sol. Cabelos encaracolados, lábios grossos, típico sarará. Braços fortes e musculosos demonstravam que, apesar da aparência juvenil, seu corpo já era calejado e definido pelo trabalho pesado. Vinha triste, cabisbaixo, sem coragem para encarar seus algozes ou os curiosos da cidade.

O que teria feito? Qual fora o delito?

As suspeitas e a curiosidade, fortes aliadas dos fofoqueiros e dos que cuidam da vida alheia, não deixavam se aquietarem as mentes maldosas. E então os capatazes afirmavam que traziam ali um bandido, um malfeitor que atentara contra a vida de um homem honesto. Entre os observadores da cena humilhante, vez por outra ouvia-se insultos e condenações.

— Bandido, agora vai pagar por seu crime!

— Vai penar para aprender, sem-vergonha!

— Bandido, covarde!

Os insultos chegavam aos ouvidos de jovem e machucavam-lhe a alma. Cada palavra ouvida fazia-o duvidar da sua capacidade e do enorme esforço que fazia, como irmão mais velho, para junto à mãe, viúva, sustentar seus irmãos, e para se tornar homem digno de respeito.

A sua ação, em defesa da sua irmã e da honra de sua família, o colocou em situação de desonra e desrespeito. Estava ali, tratado como bandido, descrente da possibilidade de ser feliz e, mais uma vez, vendo se desfazer o sonho de uma vida digna. Ainda jovem na idade, porém com marcas profundas de homem trabalhador, de tantas responsabilidades assumidas desde a infância.

Para que trabalhara tanto? Qual a razão para tanto sofrimento?

Chegando à delegacia da cidade, um soldado, homem forte, alto, com o abdômen avantajado, lábios grossos, veio receber o jovem detido. Olhou para a cara do rapaz, exprimiu um sorriso sarcástico e, antes de dirigir-lhe a palavra, deu-lhe o soco no estômago. Curvado, mais pela humilhação que pela dor, Francisco recebeu outros golpes pelas costas enquanto era levado para dentro da cadeia pública.

Deram-lhe um banho, uma roupa velha, porém limpa e enxuta, e o encarceraram.

III Uma triste partida: sonhos despedaçados

As vidas são compostas por muitos enredos e muitas circunstâncias. A forma como cada uma delas é enfrentada e os impactos que causam nos seus personagens fazem a diferença entre cada um de nós. Graciliano Ramos, quando escreveu Vidas Secas, conseguiu sintetizar em sua obra a pobreza, a miséria e o rigor da vida do sertanejo pobre. A pobreza, diga-se de passagem, não pelo determinismo climático, mas pelas relações humanas, ou melhor, pelas relações desumanas que colocam em classificação hierárquica as vidas das pessoas associadas às suas posses ou influências políticas.

Os pobres não têm direito à vida? Não são pessoas?

Francisco da Costa é o nome do rapaz encarcerado. Nem ele sabe o porquê, mas desde os treze anos sua vida mudou completamente de rumo. Seria o destino?

Seu pai, um agricultor que também tinha o nome de Francisco da Costa, e sua mãe, Maria Tereza da Costa, viviam como sitiantes na cidade de Mucugê, no Sertão baiano. Viviam da agricultura e um pequeno rebanho de cabras, duas novilhas e uma mula. Não eram ricos, porém a família vivia sem dificuldades e feliz.

Seu Francisco, homem zeloso no que fazia, tinha planos de um dia levar os filhos para a cidade e lhes oferecer educação. Ele mesmo e a esposa nunca sequer haviam passado perto de uma escola. Francisco estava obstinado em comprar uma casa na cidade. Levaria para lá a esposa e os filhos, e eles poderiam estudar. Foi quando teve início todo o infortúnio da família.

Após longas discussões com a esposa que tentava dissuadi-lo da ideia de levar a família para a cidade, Francisco encontrou uma casa. Era pequena, não era no centro, mas com o dinheiro que havia juntado e a venda de alguns animais daria para fechar a negociação e fazer algumas melhorias.

O proprietário da casa era doutor Bira, prefeito da cidade. Todos conheciam sua fama de caloteiro e homem de muitos negócios. Nenhuma transação comercial na cidade ocorria sem que ele, de alguma forma, estivesse envolvido. O doutor era dono de quase tudo, inclusive da fazenda que margeava a propriedade de Francisco. O que se sabe é que o pai de Francisco comprou a propriedade do pai de Bira. Pagou com trabalho, com a vida inteira de trabalho nas terras onde hoje morava com sua família. Terras que nunca foram documentadas, no entanto a palavra dada, para a época, valia tanto quanto o documento.

Sabendo a intenção do vizinho em levar a família para a cidade, o prefeito se ofereceu para ajudá-lo na sua procura. E assim o fez, ofereceu-lhe algumas opções entre as muitas casas que possuía. Feito o acordo, negociado o preço e a forma de pagamento, o prefeito levou Francisco ao cartório para assinar os papéis de posse da casa.

— Feito então, senhor Francisco — disse o prefeito. — Não se preocupe não, amanhã o senhor volta aqui, me entrega o dinheiro e eu lhe entrego o documento. Já tá tudo adiantado, o senhor já pode arrumar suas coisas e trazer sua família. Eu mesmo providenciarei as vagas na escola para seus filhos. Sua vida vai mudar.

— Então tá, doutor, amanhã logo cedo eu venho com seu dinheiro.

Feliz com o sucesso da negociação, Francisco voltou para a roça, eufórico. Finalmente, depois de muitos esforços e trabalho, poderia investir na educação dos filhos. E ia pensando: Chiquinho tá rapaz, com treze, Tereza com dez e Joãozinho com nove anos de idade. A cidade não era longe. A esposa ficaria lá com os filhos e ele tocaria propriedade com a ajuda de dois moradores. Todo o fim de semana iria para casa, levaria os mantimentos. Quando não fosse época de muito trabalho, ficaria mais uns dias. Nas férias viriam todos para a roça.

Dizia consigo mesmo:

— Vou dar aos meus filhos uma boa educação. Francisco me ajudará nos negócios, Tereza pode ser professora. Quando terminar os estudos, abriremos uma escola lá na roça. Joãozinho pode até ser doutor. Doutor João da Costa!

Chegou em casa tão eufórico por haver encaminhado a negociação que não conseguia pensar nem falar em outra coisa.

Aquelas ideias não animavam muito Maria Tereza. Contida, com poucas conversas, ela estava mais preocupada em como seria a vida dali para frente. Longe de sua casa, morando em cidade, lugar que ela só ia de vez em quando e por necessidade. Mas era para o bem dos filhos, então ela iria. No entanto, mesmo reconhecendo que seria bom levar as crianças à escola, algo lhe incomodava. Havia um aperto em seu coração. Por melhor que fossem as expectativas, por mais alegre que Francisco estivesse, aquela euforia não lhe contagiava.

No dia seguinte, logo cedo, ao levantar-se para preparar o café, Tereza estranhou um anum pousado na estaca a cantar um canto triste. Depois encontrou um filhote de passarinho morto em cima do fogão. Acendeu o fogo, pós a água para ferver. Daí a pouco chegou Francisco, todo arrumado e feliz.

— Vai pra onde todo arrumado desse jeito, homem?

— Vou na cidade levar o dinheiro do prefeito e fechar a negociação.

— Oia, toma muito cuidado, viu? Eu não confio nessa gente! Né melhor a gente ficar aqui, não? Temo nossa casa, nossos bicho, a plantação!

— Ô mulher, deixa de ser discunfiada! O homem é o prefeito da cidade.

— Pois é, mas o que contam é que não é boa peça, não. Essa família não tem um que preste!

— Fica calma. Até o meio da tarde eu volto com tudo arrumado. Vá pensando aí como é que será a nossa casa na cidade. O que é que pode dá errado? Se não der certo, eu volto e trago nosso dinheiro.

Tomou café, montou na sua mula e partir rumo à cidade para fechar a negociação.

Tereza, após fechar a porteira, ficou um tempo parada, admirando a paisagem. Como era bonito aquele lugar. Chovera bem naqueles dias, estava tudo verdinho, os passarinhos cantando, a Caatinga estava florida.

Ao voltar para casa, por pouco não pisou em uma cascavel parada entre ela e a porta. Só não pisou porque a serpente sacudiu seus chocalhos.

— Discunjuro! Cruz credo! Ave Maria!

Pegou um galho de árvore e acertou a cobra, que ali mesmo agonizou.

— Francisco, levanta! — gritou para o filho ainda na cama. — Vem tirar essa cobra daqui. Atiça ela no meio do mato. Bicho mal-agourado. Cruz credo!

— Já vou, mãe. Cadê o pai?

— Já saiu, foi na cidade levar o dinheiro da compra da casa.

— Eu disse que ia com ele. Ele nem me chamou!

— Seu pai foi tratar de negócio. Não é coisa pra menino, não.

Anoiteceu, amanheceu. Uma semana de agonia, de buscas. Vizinhos, amigos, estranhos, ninguém sabe, ninguém viu. Nunca mais se soube notícias de Francisco.

Com uns quinze dias desde o desaparecimento, chega à casa de Tereza dois homens, a mando do prefeito.

— Dona Tereza, nós viemos avisar que o prefeito está querendo que a senhora saia das terras dele. A senhora tem uma semana para se retirar.

— Que história é essa? Essa terra é minha e de meu marido. Eu não sei onde ele anda, mas é minha e dos meus filhos.

— Não é mais, não. Seu marido negociou a venda da fazenda com as porteiras fechadas. Os documentos foram assinados no cartório. Amanhã mesmo o oficial de justiça vem aqui falar com senhora.

— Daqui eu não saio!

Tereza correu para dentro de casa e saiu com um rifle nas mãos.

— Saiam daqui ou eu atiro. Saiam! Covardes! Miseráveis!

— Dona Tereza, ou a senhora sai por bem, ou sai por mal. Se eu voltar aqui na próxima semana e a senhora ainda tiver, dou um jeito de a senhora ir se encontrar com seu marido. Pra onde ele foi não tem volta.

— Se a senhora tem amor aos seus filhos, eu acho melhor sair sem criar problemas.

Sentindo e entendendo tudo que havia acontecido e o que ainda poderia acontecer, Tereza correu para dentro de casa e, chorando, abraçou os seus filhos.

Dias depois, de longe se via um clarão e a fumaça. Os vizinhos acudiram. Quando chegaram ao local, nada puderam fazer, o fogo já consumia a casa e o galpão ao lado, onde guardavam a colheita. Ao amanhecer, restavam as cinzas. Vasculharam os destroços e não encontraram sinal de pessoas em meio aos restos deixados pelas chamas. Tereza e os filhos, assim como antes o marido, todos desaparecidos.

IV Uma nova vida

Quatro anos mais tarde, chegava à fazenda Sucupira, no município de Itacaré, uma mulher com três filhos. Vieram indicados por um fazendeiro de Ubatã. A mulher era muito trabalhadora e na roça trabalhava mais que muitos homens. O filho mais velho, agora com dezessete anos, era também trabalhador, de tudo fazia no trabalho da fazenda.

Foram recebidos pelo capataz, que lhes ofereceu uma casa velha, onde se encontravam alguns troncos roliços, que serviam como bancos. Dois cavaletes com tábuas no lugar da cama, uma mesa velha e um fogão a lenha caindo aos pedaços.

— Isso aqui é pra vocês. Se arrumem como puderem, o serviço começa às seis.

Dia após dia, acordavam na madrugada e trabalhavam noite adentro. Ajeitaram o telhado, trocaram as tábuas velhas das paredes, fizeram um fogão decente, confeccionaram colchões e os encheram com fibra de taboa. Deram um jeito no casebre de forma que se tornou habitável. Humilde, porém, com o conforto e o aconchego de um lar. Lar que há muito haviam perdido e desde então estavam perambulando por muitos lugares à procura de trabalho, de abrigo e de comida. Galpões, cavernas, cabanas, era tudo que haviam conseguido. Enfim, parecia que a vida lhes daria

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