Miríades
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Sobre este e-book
A superação das vicissitudes do dia a dia era uma vitória a que muitos aspiravam, mas poucos atingiam.
Todos aqueles que eram apanhados na voracidade dos acontecimentos políticos eram de uma forma ou de outra afetados.
Mas quando algum raio iluminava a mente daqueles que eram apanhados por essas ocorrências desfasadas do dia a dia , então a ação necessitava de superar a inércia.
Só dessa forma a vida faria sentido.
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Miríades - João Rodrigues
AVISO
Este livro contém conteúdo adulto violento.
A meu pai, António Amaro Rodrigues
Quão belas são as miríades de estrelas que os meus cansados olhos conseguem divisar.
Fazem-me lembrar umas outras que observei, na última vez que fizemos amor.
Éramos jovens cheios de sonhos e de esperanças que a vida tratou de desfazer. Qual nuvem arrastada pelo vento.
Estávamos debaixo do sobreiro, que era a única protuberância no meio daquele mar dourado, formado pelas searas já maduras e prontas a cair às mãos dos ceifeiros, que sobre as mesmas se debruçam num abraço de morte e de vida.
Amámo-nos loucamente e das nossas bocas incendiadas, pelo desejo e a paixão, saíram juras e promessas de amor eterno. Depois cansados, ficámos abraçados contemplando a negritude do céu ponteado por incontáveis pontos luminosos, que cada vez eram em maior número, há medida que continuávamos observando.
De quando em quando, uma estrela cadente passava a alta velocidade pelo nosso campo visual.
E nós riamos, quais crianças sem qualquer responsabilidade ou preocupação, ficando com a ideia de que o tempo tinha parado e que assim ficaríamos para toda a eternidade.
Mas os primeiros raios de luz, que com persistência começavam a forçar a escuridão a recuar, trouxeram-nos para a dura realidade.
Eu tinha de partir para fugir há incorporação militar, pois não queria pertencer a um exército que combatia em África contra outros povos, que eu nunca tinha visto e que apenas sabia da sua existência pelos livros escolares, que propositadamente lhe chamavam de Colónias ou Províncias Ultramarinas.
Para tal, seria ajudado por um contrabandista, que conhecia como as palmas das suas mãos as planícies alentejanas, os rios, os montes, os sítios, onde se acoitavam os guardas fiscais, pois a sua profissão era exatamente passar por essa teia e assim contrabandear café para Espanha.
Tinha ficado combinado que nos encontraríamos pelas cinco da manhã na encruzilhada, conhecida como os quatro caminhos. Local usado para rituais mágicos, por parte de videntes e bruxas. No entanto, tal não me assustava, pois eu tinha era medo dos vivos e não dos mortos.
E assim nos despedimos, prometendo um ao outro que, no futuro, iríamos ficar juntos e, desta forma, renovámos os nossos votos de amor.
Mas a vida dá tantas voltas!
No entanto, penso ser melhor começar pelo princípio.
Nasci no dia 14 de março de 1941, num local chamado Santo Amaro, que fica mesmo perto da cidade de Elvas. Nasci em casa como era usual naquele tempo e era um dos seis filhos, que meus pais criaram.
O meu pai era guarda dos olivais, extensos olivais que os latifundiários possuíam nos campos alentejanos a perder de vista. A minha mãe trabalhava em casa e criava os filhos. Os tempos não eram fáceis e alimentar e vestir seis crianças não era tarefa nada desprezível. Em virtude disso, nos primeiros anos de vida não tinha sapatos, ia apanhar erva para os os coelhos e para a mula, mas ia descalço. Mas não só, pois ia, igualmente, descalço para a escola e só muito mais tarde tive os meus primeiros sapatos.
Em consonância com o regime que existia em Portugal na altura, de base ditatorial, a postura dos professores na escola era igualmente rígida. Os alunos tinham que estar todos sentados nas suas carteiras e quando o professor entrava na sala de aulas, todos tínhamos de nos levantar, colocarmo-nos ao lado das respetivas carteiras e dizer: bom dia, senhor professor
, e só nos sentávamos, quando ele desse ordem.
Tínhamos de vestir igualmente