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Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea: - Volume 2
Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea: - Volume 2
Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea: - Volume 2
E-book900 páginas10 horas

Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea: - Volume 2

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Sobre este e-book

"Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea – Volume 2" apresenta uma coleção abrangente de ensaios que exploram as interseções complexas entre o Direito e diversos aspectos da sociedade moderna. Desde questões fundamentais como a distinção entre Direito e Política, até temas urgentes como o impacto da pandemia de covid-19 nas decisões do Supremo Tribunal Federal, cada capítulo oferece uma análise meticulosa e perspicaz.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de abr. de 2024
ISBN9786527020738
Fronteiras do Direito: Desafios e Perspectivas na Sociedade Contemporânea: - Volume 2

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    Fronteiras do Direito - Fernando Luz Sinimbu Portugal

    A DISTINÇÃO ENTRE DIREITO E POLÍTICA E SUAS IMPLICAÇÕES NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ANÁLISE DA RATIO DECIDENDI DE DECISÕES NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

    Giovanna Ribas Zandoná

    Mestranda em Direito

    http://lattes.cnpq.br/7107655720185011

    zandonagiovanna@gmail.com

    Gabriel de Souza Ramos Borges

    Mestrando em Direito

    http://lattes.cnpq.br/4288670119566946

    gabrielsrborges@gmail.com

    DOI 10.48021/978-65-270-2072-1-C1

    RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo as implicações da política nos fundamentos das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no início da pandemia de Covid-19, em 2020. A hipótese central é que o STF, em determinados casos, opta por fundamentar as suas decisões em argumentos políticos ao invés de jurídicos. Para comprovação desta hipótese, recorremos à metodologia qualitativa e do método de abordagem indutivo, especialmente através de uma reflexão sobre o conceito de direito e de política para, após isso, inferir se determinadas decisões tiveram a aplicação de fundamentos com as características predominantes do direito ou da política. Por fim, após o estudo, constatou-se que, nos casos analisados, a posição adotada pelo STF foi de agente político, ao decidir com fundamentos políticos e não jurídicos, podendo, no futuro, ocasionar mais conflitos de competência entre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário).

    Palavras-chave: Direito; Política; STF; Covid-19.

    1 INTRODUÇÃO

    Em fevereiro de 2020, conforme o pronunciamento do Ministério da Saúde, morreu, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo/SP, a primeira vítima de COVID-19 (corona vírus da síndrome respiratória aguda grave 2 – SARS – CoV-2) no Brasil. Quinze dias depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou surto pandêmico, afetando diversos países e, principalmente, o Brasil.

    Atualmente, após as medidas sanitárias adotadas, especialmente a vacinação, a pandemia encontra-se controlada. Há diversos casos, mas comparado com o trágico ano de 2020, estamos em uma situação muito melhor, saindo de uma taxa de letalidade de 6,9% (de 17 de março a 24 de abril de 2020), para 1,9% em fevereiro de 2023 (SOUZA, et al, 2020).

    Contudo, apesar dessa melhora, o resultado para o Brasil não foi fácil, foram registrados 697.360 óbitos, alcançando a trágica 2ª posição dos países que mais tiveram mortes em decorrência de COVID-19 (fev. de 2020 a fev. 2023), atrás somente do Estados Unidos da América (OUR WORLD IN DATA, 2020).

    Para conter a pandemia, diversas medidas – necessárias - foram adotadas, mas, por óbvio, todas tiveram diversos impactos na sociedade, como, por exemplo, o lockdown – tendo como impacto positivo a redução da mortalidade em diversas cidades (21,76% em Recife/PE) (SILVA, FIGUEIREDO FILHO, FERNANDES, 2020, p. 10), assim como impacto negativo o decréscimo do PIB brasileiro, registrando em 2020, uma queda de 3,3%, conforme os dados divulgados pelo IBGE (IBGE, 2022).

    Já o Supremo Tribunal Federal (STF), estava tendo que decidir sobre questões comuns e, principalmente, sobre o grande volume de processos decorrentes de temas relacionados ao do Covid-19, que, conforme o Painel de Ações COVID-19¹ do STF, totalizava em 04.02.2023, a quantia de 11.010 processos e 14.905 decisões.

    Para organizar este grande volume de atividades, o STF teve que acelerar a implementação do Plenário Virtual (PV), instituído pela Emenda Regimental nº 21/2007 (BRASIL, 2007), que, inicialmente, somente poderia ser utilizado para a análise da existência ou não de repercussão geral e, a partir de 20 de março de 2020, passou a tramitar todos os processos de competência do Tribunal (BRASIL, 2018).

    E, no meio deste contexto de pandemia, lockdown, recessão etc. começaram a surgir diversos questionamentos envolvendo temas relevantes para o direito constitucional, em especial sobre a competência e a responsabilidade dos entes federados para garantir o direito à saúde, principalmente por se tratar de uma competência concorrente, conforme art. 23, da Constituição, e que havia, no momento um desalinhamento das políticas públicas estatais (NICOCHELLI, 2021, p. 934) no enfrentamento da pandemia.

    Desta forma, busca-se neste artigo demonstrar de forma objetiva quais são as hipóteses que motivaram na constatação que o Supremo Tribunal Federal, ao decidir sobre temas relacionados com a pandemia, adotaram uma posição política, fundamentando-se em argumentos extrajurídicos – políticos – para algumas decisões.

    Para esta análise, realizar-se-á uma breve síntese do que se pode considerar como direito e política, em especial para perspectiva de Ronald Dworkin. Além disso, far-se-á a análise, através de uma regressão à ratio decidendi de 4 (quatro) decisões monocráticas proferidas no início da pandemia, de 24 de março a 18 de maio de 2020, sendo elas a (i) Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341/DF, julgada pelo Ministro Relator Marco Aurélio, em 24 de março de 2020, a (ii) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 672/DF, julgada pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes, em 08 de abril de 2020, a (iii) Medida Cautelar na Reclamação nº 40.342/PR, julgada pelo Ministro Relator Edson Fachin, em 01 de maio de 2020, e, por fim, a (iv) Medida Cautelar na Suspensão de Segurança nº 5.383/SE, julgada pelo Ministro Relator Dias Toffoli, em 18 de maio de 2020.

    2 DIREITO E POLÍTICA: UMA QUESTÃO COMPLEXA

    A concepção de Estado Democrático de Direito está atrelada diretamente à dois elementos principais. O primeiro deles é o reconhecimento e [a] garantia dos direitos fundamentais do ser humano pelo Direito do Estado e o segundo é a participação democrática do cidadão na elaboração e aplicação deste Direito (ROCHA, 1994, p. 75).

    Esta perspectiva demonstra como o Estado de Direito é um um modelo de organização social que absorve para o mundo das normas, para o mundo jurídico, uma concepção política (MELLO, 2017, p. 49). A participação democrática do cidadão na elaboração e aplicação do Direito do Estado consiste, em um primeiro momento, como um elemento de criação do Estado, ou seja, de um ser social cuja existência é real, uma e inconfundível com a dos indivíduos seus criadores (BECKER, 2018, p. 214).

    Esse ser social tem, como característica, a interrelação dos diversos sistemas que o constituem. Entre eles o sistema jurídico e o político que, apesar da fácil denominação, é muito difícil perceber claramente a distinção (CAMPILONGO, 2011, p. 97). Um exemplo disso, é o acoplamento estrutural entre esses sistemas, a Constituição, que ao mesmo tempo que representa os valores políticos da sociedade, estabelece as regras e os princípios que constitui a ordem da conduta social (KELSEN, 1992, p. 21).

    Essa ordem da conduta social, ou melhor, esse sistema de direito, deve, além de estar relacionado com os objetivos políticos, deve se relacionar intrinsicamente (BOBBIO, 1995, p. 71), de forma a garantir uma determinada segurança jurídica, instituindo certa previsibilidade para nortear a conduta do cidadão (RIBEIRO, 2009, p. 143) e do próprio ser social.

    Assim, com base nisso, o Direito não se define somente pela estrita observância da legalidade, do procedimento (LUHMANN, 1980, p. 46), mas também pelos princípios constitucionais, por considerações superiores de mérito, que governam e fundamentam (BONAVIDES, 2001, p. 257) o que pode ser considerado como aspecto teleológico do Direito, ou seja, com base nisso, o Direito é um meio visando a um fim que deve ser realizado no seio de uma sociedade em mutação, compreendido, por fim, a sociedade como o conjunto político do Estado legiferante (SCHMITT, 2007, p. 2) que está no cerne da embriologia do Estado (BECKER, 2018, p. 220).

    Dito isso, é interessante o contraponto existente entre a perspectiva que entende a lei como um dever ser, adotando uma visão deontológica do direito, e outra que analisa como as coisas são, pela ontologia do direito.

    Essas duas visões refletem, em essência, a função, o meio e o objetivo do direito. Refletem sobre como as regras e os princípios do ordenamento jurídico são ou deveriam ser aplicados na realidade. De forma a verificar os elementos intrínsecos e extrínsecos das regras, estas como normas imediatamente descritivas (ÁVILA, 2006, p. 197), cuja aplicação depende de uma concreta correspondência entre o suporte fático concreto (MELLO, 2017, p. 83) e a hipótese de incidência (ATALIBA, 2019, p. 58), ou seja, a descrição legal, abstrato e genérico, do fato contido na lei, e dos princípios, por sua vez, são mais abstratos, entendidos como um estado de coisas a ser buscado (ÁVILA, 2006, p. 196), como uma perspectiva política/jurídica os valores postos no Direito.

    Estas visões relacionam-se com os tipos de decisões que podem ser produzidas. Kelsen, positivista clássico, argumenta que as decisões, derivadas das regras jurídicas, tem força de obrigatoriedade para os casos em lide e para os futuros similares, podendo ter o caráter de um precedente (KELSEN, 1992, p. 151).

    Ronald Dworkin, apesar de questionar os fundamentos do positivismo, desenvolve a metáfora de romance em cadeia que exprime bem o que podemos considerar por precedente. Para ele, a questão histórica das decisões é relevante, pois o juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora (DWORKIN, 2000, p. 237).

    Para argumentar e proferir sua decisão, deve interpretar a história jurídica que encontra, não inventar uma história melhor (DWORKIN, 2000, p. 239), através de um exercício de interpretação jurídica. Para isso, o juiz deve analisar o caso concreto através de uma hipótese estética, ou seja, deve buscar no todo a melhor resposta para a questão substantiva colocada pela interpretação (MOTTA, 2018, p. 45).

    Nesse sentido, Dworkin formula o conceito de direito como integridade, tendo como premissa a lei, o precedente e a interpretação, para fundamentar que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a eqüidade e o devido processo legal (DWORKIN, 1999, p. 291), de modo que o juiz, ao aplicar o direito, deve examinar a questão não apenas como um problema de ajustamento entre uma teoria e as regras da instituição, mas também como uma questão de filosofia política (DWORKIN, 2002, p. 167), na forma de pressupor que seja capaz de desenvolver uma teoria política completa, que justifique a Constituição como um todo (DWORKIN, 2002, p. 166).

    Dentro dessa compreensão, o direito como integridade também se desponta como uma ideia de continuidade, eis que exige coerência num processo de interpretação não acabado, que é permanentemente construtivo – o direito como integridade, constitui, portanto, o produto da interpretação da prática jurídica, ao mesmo tempo em que é sua fonte de inspiração (DWORKIN, 1999, p. 272)².

    Esta concepção engloba a ideia de que as decisões políticas, diferentemente das decisões jurídicas, devem ser realizadas por um processo político que traduza os diferentes interesses que devem ser levados em consideração, no âmbito de uma democracia representativa (DWORKIN, 1975, p. 1061).

    Por isso, para as teorias tradicionais de distinção entre direito e política, o poder decisório exercido pelo juiz não pode ser original, em outros termos, é vedado ao juiz a decisão por fundamento político, pois deve respeitar diretamente os mandamentos da norma ou, mais além, respeitar o sistema jurídico como um todo, como instituto integrado. E, como bem pontuado por Rodrigo Luís Kanayama (2006, p. 17), para estes autores, a vedação à prolação de decisões políticas por parte do Poder Judiciário tem como objetivo a manutenção da integridade dos atos políticos, assim como o respeito a divisão entre os poderes do ser social.

    Além disso, Kanayama (2006, p. 17) leciona que as decisões fundamentadas em argumentos políticos podem resultar em injustiça, uma vez que a decisão política não tem como obrigação estabelecer igual tratamento a todos - na medida em que há essa obrigatoriedade nas decisões baseadas no direito -, fato que evidencia a compreensão de uma divisão estanque entre direito e política.

    Ocorre que, na prática jurisdicional, a referida divisão estanque não necessariamente se verifica, como foi demonstrado anteriormente entre o acoplamento entre o sistema do direito e da política. A vertente crítica às teorias tradicionais busca evidenciar que as Cortes não são insuscetíveis a proferir decisões políticas.

    Conrado Hubner Mendes (2008, p. 183) aponta que a Corte Constitucional não está numa torre de marfim, mas no calor da política. Isto porque os julgadores sofrem sobremaneira a influência das ruas, e fazem testes para verificar a aceitação de suas decisões (MENDES, 2008, p. 186)³. Da mesma maneira entende Mark Tushnet (1999, p. 163), ao defender que, ao realizarem a revisão judicial, as Cortes exercem um poder próprio, não sendo possível garantir que não se utilizarão de argumentos ou motivações políticas para efetivá-la.

    Assim, no contexto brasileiro, principalmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a problemática sobre a divisão do direito e da política podem se ver latente em diversos julgados, em especial naqueles proferidos durante a pandemia de Covid-19, como se verá a seguir.

    3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O COVID-19: FUNDAMENTO POLÍTICO E RATIO DECIDENDI

    Pretende-se, na sequência, destrinchar os fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar os pedidos de liminar nas decisões selecionadas, sendo eles a (i) ADI nº 6.341/DF, a (ii) ADPF nº 672/DF, a (iii) Reclamação nº 40.342/PR, e, por fim, a (iv) Suspensão de Segurança nº 5.383/SE.

    3.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6.341/DF

    O Partido Democrático Trabalhista (PDT), em 23 de março de 2020, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade, distribuída sob o nº 6.341, arguindo a inconstitucionalidade parcial da Medida Provisória (MP) nº 926/2020 (BRASIL, 2020), alegando, em síntese, a inconstitucionalidade formal da MP, pois a sua matéria dispõe sobre saúde pública e que, conforme o art. 23, II e parágrafo único, da Constituição Federal⁴, a saúde é matéria de competência comum, sendo reservada a lei complementar⁵.

    Argumenta o PDT que, por vício formal e material, deveriam ser declarados nulos – liminarmente - o art. 3º, caput, os incisos I, II e VI, bem como os §8º, 9º, 10º e 11º, da Lei Federal nº 13.979/2020 (BRASIL, 2020), com redação dada pela MP nº 926/2020, e, por arrastamento, do Decreto nº 10.282/2020 (BRASIL, 2020), e que fosse garantido, nos termos do art. 18, da Constituição, a autonomia de polícia sanitária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para implementar as referidas providências, de competência administrativa comum (CF, art. 23, II; 198, I, e 200, II).

    Distribuído ao Ministro Relator Marco Aurélio, este, ao fundamentar a motivação de sua decisão, ateve-se, essencialmente, não aos argumentos jurídicos (como a verificação da íntima correlação entre a hipótese de incidência das normas constitucionais e os fatos), mas aos argumentos de ordem política.

    Frisa-se que, nas palavras do Ministro, [há] de ter-se a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados todos os cidadãos. E que [p]resentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da República – Jair Bolsonaro – ao editar a Medida Provisória.

    Assim, ao deferir parcialmente a medida cautelar, não vislumbrando transgressões aos preceitos da Constituição e deixando explicito no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente (STF, 2020) dos entes federativos em matéria de saúde pública, que o argumento essencial para sua posição é, efetivamente, a urgência e a emergência da pandemia, mostrando-se que os artigos questionados da Medida Provisória (MP) nº 926/2020 fazem jus à sua interpretação política e não se fazem, ou não, correspondência às normas constitucionais.

    Por fim, cabe registrar que a referida decisão do Ministro Relator Marco Aurélio foi referendada pelo Plenário, em sessão virtual de 15 de abril de 2020.

    3.2 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 672/DF

    O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 31 de março de 2020, propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, distribuída sob o nº 672, em face das omissões do Poder Executivo Federal e do Ministério da Economia, no âmbito da condução de políticas públicas emergenciais nas áreas da saúde e da economia em face da crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus.

    A OAB argumenta que o Presidente da República tem sistematicamente minimizado os efeitos da pandemia do novo coronavírus no Brasil e endossado um afrouxamento das medidas sanitárias de prevenção e de contenção, agindo contrariamente às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), especialmente sobre o distanciamento social como o protocolo de prevenção e contenção da escala de contágio da pandemia (WHO, 2019).

    E, fundamentalmente, aponta que os preceitos fundamentais violados se referem ao direito à saúde (art. 6º, caput, e art. 19, da CF), o direito à vida (art. 5º, caput, da CF), a independência e harmonia entre os Poderes (art. 2º, da CF) e o princípio federativo (art. 1º, caput, da CF), ao desrespeitar os limites das respectivas competências constitucionais (art. 23, II, e art. 24, XII, da CF).

    Distribuído ao Ministro Relator Alexandre de Moraes, este intimou o Presidente da República que, pela Mensagem nº 154 (Petição nº 20005/2020, peça 35), trouxe as informações elaboradas pela Advocacia-Geral da União (AGU), sustentando pela improcedência da ADPF, uma vez que o Governo Federal vem adotando todas as providencias possíveis para o combate ao novo coronavírus.

    Ao julgar, em 08 de abril de 2020, o Ministro reforçou a posição adotada na ADI nº 6.341/DF, referente a competência concorrente dos entes federativos em matéria de saúde pública, nos termos do art. 23, II e IX, da Constituição, fundamentando-se essencialmente em argumentos jurídicos.

    Por outro lado, esta decisão teve a sua importância elevada, especialmente pelos argumentos políticos utilizados na sua complementação. Ao analisar os argumentos postos pela OAB e, em especial, pela sociedade, afirmou que "é fato notório a grave divergência de posicionamentos entre autoridades de níveis federativos diversos e, inclusive, entre autoridades federais componentes do mesmo nível de Governo, acarretando insegurança, intranquilidade e justificado receio em toda a sociedade".

    Esta afirmação fundamentou a concessão da medida cautelar, autorizando os Estados e os Municípios a estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso seja necessário, independentemente do ato federal contrário.

    Dessa forma, reforçou-se, através de um argumento político, o princípio federativo e a concorrência dos entes ao adotar medidas contra o Covid-19, afastando, imediatamente e pró-futuro, todo e qualquer ato do Poder Executivo federal que visasse desautorizar as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais (...) que adotarem mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde).

    3.3 RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL Nº 40.342/PR

    O Município de Londrina apresentou, em 29 de abril de 2020, a Reclamação Constitucional, distribuída sob o nº 40.342, em face do ato judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) que, na Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná (24ª Promotoria de Justiça de Londrina), foi concedida a tutela de urgência (em fase recursal) para determinar que o Município reestabelecesse os Decretos nº 458 e 459, impondo o fechamento do comércio local e retorno às medidas restritivas.

    Argumenta o Município que o TJPR, ao conceder a liminar, violou, em especial, a decisão proferida na ADI nº 6.341/DF, do STF, sob o fundamento que se ratificou a competência concorrente dos entes federativos para tomar medidas destinadas ao enfrentamento da situação de emergência na saúde pública.

    Distribuída e julgada, em 01 de maio de 2020, o Ministro Relator Edson Fachin deferiu parcialmente a liminar para manter a decisão do TJPR, sob o fundamento do princípio da precaução (ZAPATER, 2017, p. 13)⁶, e para determinar que outra decisão seja proferida, no prazo legal, obedecendo aos critérios estabelecidos na decisão deste Supremo Tribunal Federal na ADI-MC 6341.

    Esta decisão, apesar da fundamentação controvérsia, perpetua a posição política adotada no STF durante o período da pandemia. O Ministro Relator é claro ao afirmar que a decisão reclamada (...), ofende essa decisão do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, pois, para o Supremo, todas as decisões do poder executivo ou do judiciário para aplicar ou afastar as medidas para combater o coronavírus devem ser fundamentadas em evidências científicas e nas recomendações da OMS.

    Assim, sob o argumento de ser imprevisível a consequência do retorno das atividades do comércio local, como requeria o Município, e pelo perigo da irreversibilidade a comprometer o direito à saúde, o Ministro manteve a decisão do Tribunal, apesar da clara afirmação de ilegalidade, decidindo em conformidade com a visão política que o STF vinha adotando.

    3.4 SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 5.383/SE

    O Estado de Sergipe requereu, em 17 de maio de 2020, a Suspensão de Segurança, distribuída sob o nº 5.383, em face da decisão monocrática proferida no Mandado de Segurança nº 0004311-66.2020.8.25.0000, que concedeu a segurança do autor, autorizando-o a não cumprir a regra do Decreto Estadual nº 40.567/20 (SERGIPE, 2020), em face da dissonância com o Decreto Federal nº 10.344/20 (BRASIL, 2020) e que elencou a atividade de barbeiro como serviço essencial, permitindo, assim, a abertura de seu estabelecimento comercial.

    Argumenta o Estado que, para efetivar a concreta proteção à saúde pública, o ente publicou diversos atos normativos para conter o coronavírus, em especial o Decreto Estadual nº 40.567/20, seguindo as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde. E que, ao contrário do que prevê o Decreto Federal nº 10.344/20, não parece ser razoável a inclusão de atividades como barbearia como essenciais.

    Distribuída ao Ministro Relator Dias Toffoli, este proferiu decisão, em 18 de maio de 2020, deferindo a liminar, determinando a suspensão da concessão de segurança nos autos de Mandado de Segurança no 0004311-66.2020.8.25.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do estado de Sergipe, até seu respectivo trânsito em julgado.

    O fundamento principal utilizado pelo Ministro reforça dois argumentos essenciais: as decisões da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 642/DF e que as medidas para a contenção do Covid-19 devem ser tomadas de maneira coordenada e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado, como o das barbearias neste caso.

    Assim, o Ministro Relator frisou que a decisão que concedeu a segurança representa grave risco de violação à ordem público-administrativa (...) bem como à saúde pública, dada a real possibilidade que venha a desestruturar as medidas por ele adotadas como forma de fazer frente a essa epidemia, no âmbito de seu território.

    4 IMPLICAÇÕES DA POLÍTICA NAS DECISÕES DO STF

    O capítulo anterior do presente trabalho debruçou-se sobre a análise dos fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para julgar os pedidos de concessão de liminar nas demandas selecionadas.

    A partir disso, para melhor examinar as implicações da política nas referidas decisões do STF, aglutinar-se-á os objetos analisados em dois grupos: (i) julgados fundamentados por viés político - ADI nº 6.341/DF e ADPF nº 672/DF; e (ii) julgados fundamentados por viés jurídico, mas que tiveram como premissa argumentos políticos, conforme se induzirá mais minuciosamente a seguir.

    4.1 ADI Nº 6.341/DF E ADPF Nº 672/DF: FUNDAMENTOS POLÍTICOS EM DECISÕES JURÍDICAS

    Ao propor a ADI nº 6.341/DF, pretendeu o PDT ver declarada inconstitucional a Medida Provisória nº 926/2020 por vício formal – eis que deveria a matéria de saúde pública ser regulada por meio de lei complementar.

    Da análise da decisão liminar proferida pelo Ministro Relator Marco Aurélio, constatou-se que este, ao fundamentar ateve-se a argumentos de ordem política - muito embora houvesse espaço para que se discorresse sobre a hipótese de incidências das normas constitucionais em questão.

    O Ministro Relator utilizou como critério para deferimento parcial da medida cautelar a urgência e emergência da pandemia do Covid-19, deixando de, propriamente, analisar se os dispositivos questionados da Medida Provisória possuíam correspondência às normas constitucionais, interpretando-os por um viés eminentemente político.

    A ADPF nº 672/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, fundamentou-se nas omissões do Poder Executivo Federal e do Ministério da Economia para instituírem as devidas providencias emergenciais para o enfrentamento da pandemia do Covid-19, o que teria violado inúmeros dispositivos da Constituição, em especial, aqueles atinentes ao direito à saúde e à competência constitucional da União.

    O Ministro Relator Alexandre de Moraes, ao complementar a fundamentação da decisão que concedeu a medida cautelar para autorizar o estabelecimento, pelos Estados e Municípios, de medidas restritivas, afirmou ser evidente a "grave divergência de posicionamentos entre autoridades de níveis federativos diversos e que tal fato acarretou insegurança, intranquilidade e justificado receio em toda a sociedade".

    Vê-se, portanto, que o Ministro Relator Alexandre de Moraes se valeu, predominantemente, de um argumento político ocasionado pela insegurança causada pela postura adotada Pelo Executivo Federal, motivando a adoção de determinados argumentos políticos pelo judiciário, para atenuar e estabelecer certa segurança jurídica para os entes federados, em especial, buscando reforçar a obrigatoriedade e a competência concorrente sobre temas relacionados à saúde.

    Observa-se, a partir dessa análise, uma similitude entre os fundamentos das duas primeiras decisões analisadas: ambas introduziram argumentos políticos ao fundamentar a decisão adotada, de modo a reforçar o papel político adotado pelo STF no contexto da pandemia.

    4.2 RECLAMAÇÃO Nº 40.342/PR E SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 5.383/SE: FUNDAMENTOS JURÍDICOS EM DECISÕES SOB PREMISSAS POLÍTICAS

    O Município de Londrina apresentou a Reclamação Constitucional nº 40.342/PR em face do ato judicial do TJPR que concedeu tutela de urgência, em Ação Cível Pública proposta pelo MPPR, para determinar que o Município reestabelecesse os Decretos nº 458 e 459, impondo o fechamento do comércio local e retorno às medidas restritivas.

    O Ministro Relator Edson Fachin, ao deferir parcialmente a liminar para manter a decisão do TJPR, utilizou como fundamento jurídico o princípio da precaução, e que fosse proferida nova decisão que obedecesse aos "critérios estabelecidos na decisão deste Supremo Tribunal Federal na ADI-MC 6341".

    Observa-se, portanto, que o Ministro Relator Edson Fachin, muito embora tenha fundamentado sua decisão com base em argumentos jurídicos, ao fazer referência à Medida Cautelar na ADI nº 6.341/DF, inseriu como premissa o argumento político trabalhado na referida decisão.

    Por fim, a Suspensão de Segurança nº 5.383/SE, requerida pelo Estado de Sergipe, foi intentada em face da decisão monocrática proferida no MS nº 0004311-66.2020.8.25.0000, que autorizou a abertura do estabelecimento comercial do autor em razão da dissonância entre os Decretos Estadual nº 40.567/20 e Federal 10.344/20, tendo este último elencado a atividade de barbeiro como serviço essencial.

    O Ministro Relator Dias Toffoli, ao deferir a liminar para determinar a suspensão da concessão de segurança, fundamentou sua decisão reforçando as decisões da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 642/DF, e consignando que as medidas para a contenção do Covid-19 devem ser voltadas ao bem comum.

    Da mesma maneira, verifica-se que esta decisão utilizou como fundamento jurídico a referência às decisões da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 642/DF, que adotaram como premissas argumentos políticos no conteúdo decisório.

    4.3 STF COMO AGENTE POLÍTICO NA TRATATIVA DAS DEMANDAS RELATIVAS AO COVID-19

    Ao analisar as decisões elencadas, verificou-se, primeiramente, que os Ministros Relatores dos pedidos liminares da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 642/DF, introduziram argumentos políticos na esfera do direito na medida em que se pautaram, por meio deles, para fundamentar suas decisões.

    Com efeito, os fundamentos utilizados nessas medidas liminares passaram a influenciar atos decisórios proferidos em outras demandas que tratavam sobre o Covid-19 – tais como a Reclamação nº 40.342/PR e a Suspensão de Segurança nº 5.383/SE, aqui analisadas.

    O que se vê, portanto, é que outras decisões, proferidas pelo poder judiciário e poder executivo, passaram a se pautar nos atos decisórios que tiveram como fundamento argumentos políticos. De forma que, ao basear-se nisso, os atos subsequentes estavam, em tese, fundamentados em argumentos jurídicos.

    Disso decorre que, nos casos analisados, o STF passou a adotar uma postura eminentemente política, ao fundamentar as suas decisões em argumentos predominantemente políticos ao invés de jurídicos, de modo que esta posição se perpetuasse, como um romance em cadeia.

    Nesse sentido, ao proferir decisões que têm como fundamento argumentos eminentemente políticos, a Corte passa a interpretar, no caso concreto, o direito para além da clássica compreensão de direito positivo. Pois, ao compreender que o sistema do direito é interrelacional, ou seja, detém coerência interna e externa, compreende-se que as decisões proferidas se mantêm coerentes com a perspectiva dworkiana, contudo, como assevera Kanayama, estas decisões podem resultar em injustiça no longo prazo, de forma que a posição política da corte pode, invariavelmente, mudar mais facilmente do que as normas do direito.

    E, mais que decisões injustas - baseada no conceito de verdade de Dworkin (MOTTA, 2018, p. 47), ou seja, sendo como um conceito interpretativo -, tal modus operandi pode gerar conflitos entre os poderes federais, causando embates políticos e, até mesmo, corrupções sistêmicas das funções do direito e da política.

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Como visto, o advento da pandemia do Covid-19 no Brasil, a partir de fevereiro de 2020, para além dos impactos relacionados à saúde e à economia, trouxe consigo um grande desafio para o STF que, repentinamente, se viu instado a decidir sobre um grande volume de processos relacionados ao Covid-19.

    No âmbito desse arsenal de processos, diversos questionamentos envolvendo temas relacionados à competência e responsabilidade dos entes federados, para garantir o direito à saúde, começaram a surgir, por se tratar de competência concorrente e por se constatar a existência, no momento, de certo desalinhamento das políticas públicas estatais.

    Nesse sentido, o presente trabalho buscou analisar alguns casos em que o STF foi instado a decidir sobre temas relacionados à pandemia do Covid-19, e que passou a adotar uma postura política nas decisões proferidas, fundamentando-se em argumentos extrajurídicos.

    Para tanto, fez-se uma revisão bibliográfica acerca da concepção de direito e política para Ronald Dworkin, segundo a qual a interrelação dos diversos sistemas que constituem o ser social, isto é, que constituem a comunidade personificada, pode dificultar a percepção de distinção entre esses dois campos.

    A partir disso introduziu-se a problemática verificada no contexto de resolução de demandas relacionadas ao Covid-19 no STF, no sentido de que a tomada de decisões teve caráter eminentemente político.

    Da análise das decisões liminares proferidas no bojo da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 672/DF, observou-se que os Ministros se utilizaram de argumentos políticos como fundamento em suas decisões jurídicas.

    Ao examinar a Reclamação nº 40.342/PR e a Suspensão de Segurança nº 5.383/SE, por sua vez, verificou-se que os Ministros fizeram referência à fundamentação da ADI nº 6.341/DF e da ADPF nº 672/DF, de modo que utilizaram fundamentos jurídicos em decisões que se pautaram sob premissas políticas.

    Depreende-se, portanto, que, nos casos analisados, o STF passou a adotar uma postura política, como defende Conrado Hubner Mendes e Mark Tushnet, ao fundamentar as suas decisões em argumentos predominantemente políticos ao invés de jurídicos. Contudo, ainda assim é possível defender que a Corte julgou os casos através da perspectiva do direito como integridade, tentando exprimir, no caso concreto, o que se pode ser definido pelos valores constitucionais.

    Entretanto, é necessário rememorar que estas decisões – embora do contexto de calamidade – podem, no longo prazo, resultar em injustiças. Principalmente pela falta de controle expressivo do que pode ser considero como integridade ou somente uma decisão política do poder judiciário.

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    1 O STF, em 27/03/2020, criou o Painel de ações Covid-19, área específica relacionada ao portal da transparência para publicizar os dados relacionados à pandemia. Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/app_processo_covid19/index.html. Acesso em: 04 fev. 2023.

    2 Nesse sentido: O programa que apresenta aos juízes que decidem casos difíceis é essencialmente, não apenas contingentemente, interpretativo; o direito como integridade pede-lhes que continuem interpretando o mesmo material que ele próprio afirma ter interpretado com sucesso. Oferece-se como a continuidade - e como origem - das interpretações mais detalhadas que recomenda (DWORKIN, 1999, p. 272).

    3 Segundo o autor, a Corte não consegue sustentar sua autoridade por muito tempo se insistir numa postura que não seja aceitável numa determinada cultura política. MENDES, 2008, p. 186).

    4 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

    5 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

    6 "O princípio da precaução, por sua vez, indica estratégias para lidar com a incerteza decorrente da impossibilidade de se antecipar as consequências de uma atividade humana. (ZAPATER, 2017, p. 13).

    MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO SOB A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

    Tanit Adrian Perozzo Daltoé

    Mestrando em Ciência Jurídica

    http://lattes.cnpq.br/9404208463677288

    tanit@tjsc.jus.br

    DOI 10.48021/978-65-270-2072-1-C2

    RESUMO: O trabalho adentra na evolução dos direitos fundamentais desde suas origens nas primeiras Constituições, destacando influências estrangeiras, como a Constituição Francesa de 1824. Analisa a Constituição brasileira de 1988, que ampliou significativamente os direitos individuais e coletivos. Destaca a abordagem abrangente da atual Constituição. Adiante, aborda o meio ambiente como direito fundamental de terceira dimensão constante no artigo 225 da Constituição. Introduz o conceito de sustentabilidade e suas cinco principais dimensões. A metodologia adota o método indutivo com pesquisa bibliográfica e o método cartesiano para coleta de dados.

    Palavras-chave: Direitos fundamentais; Meio ambiente; Sustentabilidade; Dimensões da sustentabilidade.

    INTRODUÇÃO

    Este artigo aborda brevemente o nascimento dos direitos fundamentais, originados da necessidade de se estipular restrições ao poder dos governantes, previstos inicialmente nas primeiras Constituições, para os estudiosos defensores do juspositivistas, ao passo que desde o surgimento do homem, para os adeptos do jusnaturalismo.

    Passará à primeira Constituição brasileira, surgida em 1824 e influenciada por outras constituições estrangeiras, como a Constituição Francesa, que já trazia consigo direitos fundamentais, como o de liberdade de pensamento e de imprensa.

    Adentrando na Constituição brasileira de 1988, que para Pedro Lenza se socorreu de preceitos da Constituição Portuguesa. Apontará avanços nos direitos e garantias fundamentais, em muito tolhidos ao longo do regime militar, não apenas com a ampliação de direitos e garantias, que foram além de aspectos individuais, transbordando para os campos coletivo, social, de nacionalidade e políticos, como ainda com a sua colocação entre os primeiros dispositivos da Carta Maior, evidenciando a sua importância.

    Será evidenciada a conceção abrangente adotada pela Constituição Federal atual, com a contemplação de um rol meramente enumerativo de direitos e garantias fundamentais e com a previsão da absorção, como ordenamento interno, daquilo que a esse respeito possa vir a ser descrito em tratados internacionais em que o Brasil for subscritor.

    Depois disso, o leitor terá contato com o meio ambiente, havido como direito fundamental de terceira dimensão, e com o artigo 225 da Constituição Brasileira, passando então para o conceito de sustentabilidade e as suas dimensões social, ambiental, econômica, tecnológica e ética.

    A metodologia aplicada tem por base o método indutivo por meio da pesquisa bibliográfica para o desenvolvimento do presente artigo. Quanto à coleta de dados, compreende o método cartesiano, empregando-se as técnicas da categoria, do referente, dos conceitos operacionais da pesquisa bibliográfica, de forma a contribuir para objetivo geral desta pesquisa.

    OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TRADIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

    O Brasil, certamente influenciado pela tradição internacional, assentou desde a sua primeira constituição, a Carta Política do Império do Brasil, de 1824, com concepções liberais francesas (LENZA, 2022, p. 112) sem deixar de conservar forte centralização administrativa e política na figura do Poder Moderador (LENZA, 2022, p. 112), a descrição de alguns direitos fundamentais, no título voltado às Garantias dos Direitos Civis e Políticos, fazendo referência à reserva legal, irretroatividade da lei, liberdade religiosa, de pensamento e de imprensa, inviolabilidade de domicílio, juiz natural, entre outros.

    Mas foi a Constituição de 1988, com traços da Constituição Portuguesa no entender de Pedro Lenza (LENZA, 2022, p. 141), nascida como resposta a diversas limitações e restrições impostas pelo Regime Militar e talvez por isso nominada informalmente de Constituição Cidadã (LENZA, 2022, p. 139), inauguradora da chamada Nova República (PADILHA, 2020, p. 27), tratou como nenhuma outra constituição brasileira dos direitos e garantias fundamentais, em seus aspectos individual e coletivo, social, de nacionalidade e político, tornando inafiançáveis os crimes de racismo e de tortura, fazendo nascer o ‘habeas data’ , a inafastabilidade do Poder Judiciário e a indispensável observância do tempo razoável de duração do processo.

    Para Rodrigo Padilha:

    A atual Constituição é, acima de tudo, uma carta de esperança por dias melhores. Abarca direitos nunca antes tratados em textos constitucionais anterioresé a carta mais completa da história no tocante aos direitos individuais, coletivos e sociais, é a Constituição que mais trouxe ações para tutelar esses direitos e também ampliou o âmbito de controle de constitucionalidade das leis, com o objetivo de garantir maior segurança ao sistema normativo (PADILHA, 2020, p. 28).

    Com essa Constituição, os direitos e garantias fundamentais novamente ganharam relevância e ressurgiram com vigor depois de vários anos de submissão a restrições profundas operadas pelo regime militar, com a superação de um projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se impusera no País (BARROSO, 2006, p. 41).

    Para Luiz Roberto Barroso, os anseios de participação, representados à força nas duas décadas anteriores, fizeram da constituinte uma apoteose cívica, marcada, todavia, por interesses e paixões (BARROSO, 2006, p. 41).

    Destaque importante deve ser dado ao artigo 5º, § 2º, dessa Constituição, que deixa claro termos um rol enumerativo de direitos e garantias fundamentais, que não exclui outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

    E foi justamente se servindo do permissivo constante no artigo 5º, § 2º, da Carta Política que, através do Decreto Lei nº 6 de novembro de 1992, o Brasil, signatário do Pacto de São José da Costa Rica, fez valer em nosso ordenamento as disposições constantes nessa convenção internacional adotada no Âmbito dos Estados Americanos, direitos e garantias fundamentais, entre as quais à vida e à integridade pessoal, bem como pertinentes a garantias processuais, como o acesso à justiça.

    Dessa forma, resta claro que os direitos fundamentais constantes em tratados internacionais em que o Brasil seja signatário ingressam em nosso ordenamento, e assim o fazem, como modernamente defendido por alguns doutrinadores, como disposições supraconstitucionais se se mostrarem mais amplas e favoráveis.

    Essa é a visão de Alexandre Freitas Câmara, para quem a noção de superioridade dos direitos fundamentais de maior amplitude constante em tratados internacionais não pode ocupar o mesmo nível hierárquico das disposições constitucionais mais restritas, razão pela qual, em havendo conflito de normas, deve prevalecer a regra mais favorável ao sujeito de direito, pois a dignidade da pessoa humana é o valor maior de todo o sistema jurídico (CÂMARA, 2002, p. 1).

    Além disso, a colocação dos direitos e garantias fundamentais entre os primeiros dispositivos constitucionais lhes confere uma posição de destaque, o que denota maior preocupação do legislador constituinte originário com o tema (FIGUEIREDO, 2013, p. 196)⁷.

    O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

    Os direitos fundamentais não se resumem aos constantes no Título II da Constituição Federal, podendo ser encontrados em outras disposições da Lei Maior.

    Como é sabido, os direitos fundamentais são vistos sob dois aspectos: o formal e o material.

    Dessa forma, o fato de a Carta Magna enumerar os direitos fundamentais no seu Título II não representa a exclusão de outros, como o direito ao meio ambiente (arts. 225 e seg.) (MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 77. v. I).

    Portanto, o artigo 225, como salientado, representa mais um dos direitos fundamentais enumerados fora do rol do artigo 5º da Constituição Federal, integrando ainda a terceira dimensão dos direitos fundamentais, como bem anotado por Norberto Bobbio (BOBBIO, 2004, p. 10) e Pedro Lenza (LENZA, 2022, p. 1143).

    TUTELA DO MEIO AMBIENTE NO CENÁRIO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

    A preocupação com a preservação do meio ambiente vem sendo levantada e motivado a elaboração de diversas normativas, deixando clara a tendência de se buscar uma consolidação universal para a solução de um problema que não envolve unicamente uma dada comunidade.

    Destaca Terence Trennepohl que esse cuidado do homem com o meio ambienta não é novo e vem sendo percebido desde os mais remotos tempos, fazendo alusão aos povos nômades do mediterrâneo (TRENNEPOHL, 2023, p. 1).

    Ainda, que o meio ambiente sempre esteve historicamente ligado ao sucesso ou fracasso de civilizações, com o resultado de catástrofes climáticas nos países e regiões que realizaram desmatamentos e degradações intensas (TRENNEPOHL, 2023, p. 2).

    Esses desequilíbrios ambientais, na visão de Terence Trennepohl, seriam ainda mais graves, capaz de gerar guerras nas regiões mais pujantes, modificando o quadro histórico, com a supressão de culturas, a imposição de regras, a aniquilação de espécies e o massacre de populações (TRENNEPOHL, 2023, p. 2).

    Dada a sua atual importância e o cenário apresentado, o meio ambiente passou as ser visto como direito difuso, assim compreendido como aquele pertencente à toda a coletividade.

    O conceito de direitos difusos é encontrado no Código de Defesa do Consumidor, que o empresta a outros ramos do direito. Para o referido diploma legal, os interesses ou direitos difusos são transindividuais, indivisíveis, e a sua titularidade é exercida por pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81 do Código Consumerista).

    Importante ainda realizar uma pequena abordagem sobre a tradicional divisão do meio ambiente em natural (art. 225 da CF), cultural (arts. 215 e 216 da CF), artificial (arts. 21, XX, 182 e 225 da CF) e do trabalho (arts. 200, VII e VIII, 7º, XXII, da CF), com a nota de que o foco deste trabalho estar sempre mais vinculado à primeira categoria referenciada.

    O meio ambiente natural é definido como aquele que cuida não apenas da flora, fauna, atmosfera, água, solo, subsolo, os elementos da biosfera e os recursos minerais, abarcando todas as formas de vida (TRENNEPOHL, 2023, p. 7).

    Quando se passa ao meio ambiente cultural, os olhares repousam sobre o patrimônio atrelado a

    [...] elementos referentes à formação dos grupos nacionais de expressão, criação artística, tecnológica, obras, objetos, documentos, edificações em sentido amplo, conjuntos urbanos, paisagísticos, arqueológicos, paleontológicos, ecológicos e científicos (TRENNEPOHL, 2023, p. 7).

    Por sua vez, o artificial está ligado ao direito ao bem-estar relacionado às cidades sustentáveis e aos objetivos da política urbana, como insculpido na Constituição Federal (TRENNEPOHL, 2023, p. 9).

    O último deles, o meio ambiente do trabalho é aquele voltado à segurança das pessoas no seu ambiente laboral, envolvendo a saúde, prevenção de acidentes, salubridade e condições saudáveis do trabalho (TRENNEPOHL, 2023, p. 10).

    Traço importante feito pelo artigo 225 da Constituição Federal brasileira foi o destaque ao meio ambiente, fazendo constar o desejo da sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações, dispondo que o meio ambiente equilibrado é visto como bem de uso comum e indispensável à manutenção da qualidade de vida sadia, impondo a todos, coletividade e Poder Público, o dever de preservá-lo.

    Terence Trennepahl enaltece a atual Constituição como uma das mais modernas do mundo pela sua preocupação com o meio ambiente, com um capítulo especialmente dedicado a esse objeto (TRENNEPOHL, 2013 p. 51), mencionando ainda que, não obstante o artigo 225 da Carta Magna represente o dispositivo mais importante sobre essa temática, outros, que demonstram a transversalidade ambiental, são igualmente importantes, como quando são abordadas a função social da propriedade e o exercício de atividade econômica (TRENNEPOHL, 2023, p. 53).

    Ainda sobre o artigo 225 da Constituição Federal, alguns doutrinadores realizam a sua divisão em: a) regra-matriz (o caput); b) os instrumentos de garantia (§ 1º, I, II e III); e c) as determinações particulares (§§ 2º a 7º) (TRENNEPOHL, 2013 p. 55-59).

    SUSTENTABILIDADE

    A humanidade está em constante crescimento, crescimento que por muito tempo foi irrefletido, como se todos os recursos naturais disponíveis no planeta Terra fossem infinitos, facilmente renováveis, como se não houvesse consequências na sua utilização desenfreada.

    Portanto, em muitos momentos a natureza foi relegada para trás e o homem se apegou à crença da possibilidade de garantir o constante progresso científico baseado na ciência e no conhecimento adquirido, como se a evolução estivesse assegurada em recursos naturais ilimitados (MIRARÉ, 2020, p. 52).

    Contudo, não há mais dúvida de que os recursos naturais são finitos e diversos não são renováveis, o que motivou a discussão em torno de alternativas para assegurar o desenvolvimento sustentável da humanidade.

    Segundo Terence Trennepohl, os limites do desenvolvimento sustentável não foram respeitados e os efeitos rapidamente puderam ser sentidos (TRENNEPOHL, 2023, p. 3).

    É inegável que é preciso impor limites à utilização dos bens naturais pelas gerações presentes, pois não resta dúvidas de que a liberdade de ação de cada geração deve ser condicionada pelas necessidades das gerações futuras (THOMÉ, 2018, p. 62).

    Como bem ensina José Eli Veiga ao tratar do ciclo percorrido pela sustentabilidade nas últimas décadas, toda verdade passa por três estados: primeiro é ridicularizada, depois violentamente combatida, e finalmente aceita como evidente (VEIGA, 2010, p. 13).

    Gabriel Real Ferrer esclarece, um dos paradigmas da sociedade moderna é sem dúvida a sustentabilidade, que nos faz de algum tempo criar a consciência de que o atual modelo de produção e consumo existente em nossa sociedade conduzirá um colapso ambiental, nos restando não apenas de assegurar que as gerações futuras sobrevivam, mas que a nova sociedade seja melhor, mais justa e inclusiva (FERRER, 2023, p. 3).

    Segundo Klaus Bosselmann, essa discussão não é assim tão recente quanto tantos acreditam, uma vez que a história deixa transparecer a constante preocupação da sociedade com a sustentabilidade, sendo moderno, apenas, o debate em torno do desenvolvimento sustentável (BOSSELMANN, 2008 p. 50).

    Já para José Eli Veiga o adjetivo sustentável, até o final da década de 70, era meramente uma expressão usada em algumas comunidades científicas quando invocavam a possibilidade de um ecossistema não desaparecer mesmo sendo constantemente ofendido pelo homem (VEIGA, 2010, p. 11).

    Visão semelhante é aventada por Cristiane Derani, que entende que o direito do desenvolvimento sustentável aporta essencialmente normas capazes de instrumentalizar políticas de desenvolvimento com base no aumento da qualidade das condições existenciais dos cidadãos (DERANI, 2009, p. 155-156).

    Veiga acrescenta ainda que atualmente, não mais como adjetivo e sim como substantivo, sustentabilidade passou a servir a gregos e troianos quando querem exprimir vagas ambições de continuidade, durabilidade ou perenidade. Todas remetendo ao futuro (VEIGA, 2010, p. 12).

    Dos estudos sobre a sustentabilidade surgiram diversas divergências, entre elas a da utilização conjunta da expressão desenvolvimento, bastante ligada ao sistema econômico capitalista, calcado na exploração de recursos naturais e do trabalho, bem como no aumento da produção, do consumo e do acúmulo de riquezas.

    Trazendo as correntes mais marcantes entre os economistas, José Eli Veiga pontua que os economistas enfrentam a sustentabilidade a partir de três correntes: a) a convencional, acolhida em maior escala, para a qual a recuperação começaria a se sobrepor à degradação ambiental quando se alcançar a renda per capita de US$ 20 mil; b) ecológica, reputa que para haver sustentabilidade é indispensável voltar à economia clássica, que prega uma melhora gradual da qualidade de vida sem que isso impacte significativamente na expansão da economia; e c) uma terceira via, onde os bens e serviços devem ganhar em ecoeficiência, melhor dizendo, onde necessitem de menor energia, o que possibilitaria o crescimento da economia sem a transposição dos limites ecológicos (VEIGA, 2023, p. 20-24).

    Bosselmann comenta que para muitos o desenvolvimento sustentável representa o que satisfaz, concomitantemente, as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de sobrevivência, o que, sem seu entender, não seria bastante, sobretudo por destacar um olhar basicamente antropocêntrico, marcante na Declaração do Rio de 1992 (THOMÉ, 2018, p. 56).

    Essa visão antropocêntrica é acolhida pela Constituição Federal de 1988, segundo Romeu Thomé, na "medida em que o meio ambiente saudável só pode ser preservado quando o ser humano utiliza os recursos naturais de maneira racional, preservando-os, tanto para as presentes quanto para as futuras gerações (THOMÉ, 2018, p. 59).

    Romeu Thomé veicula o desenvolvimento sustável a três pilares: a) crescimento econômico; b) preservação ambiental e c) equidade social (THOMÉ, 2018, p. 56). Ainda elucida que essa conceção estaria presente na Constituição Federal de 1988 quando trata dos princípios da ordem econômica e da função social da propriedade (THOMÉ, 2018, p. 60).

    Por seu turno, José Eli Veiga retoma a dificuldade de se chegar a um conceito que possa representar tudo o que realmente significa desenvolvimento sustentável. Para Veiga,

    O lema do desenvolvimento sustentável em muito se assemelha aos seus predecessores direitos humanos e justiça social – noções que têm em comum a maldição do elefante: tão difícil de definir quanto fácil de ser visualmente reconhecido –, pois esforços normativos de conceituá-los não conseguem superar certas dúvidas (VEIGA, 2010, p. 37).

    Negar a necessidade de se garantir o desenvolvimento e o sistema econômico em vigor na

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