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Educação Infantil: Rotinas Arquitetadas e Cotidianos Vividos
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Educação Infantil: Rotinas Arquitetadas e Cotidianos Vividos
E-book473 páginas9 horas

Educação Infantil: Rotinas Arquitetadas e Cotidianos Vividos

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Sobre este e-book

As experiências presentes neste livro compartilham os desafios que enfrentei em um Centro de Educação Infantil, na Rede Municipal de Petrópolis-RJ, para estudar o cotidiano e suas rotinas, buscando ter como ponto de partida as vozes das crianças. Ao longo do desenvolvimento do trabalho, algumas questões nos mobilizaram: como promover a participação das crianças nas atividades de rotina da instituição? Que estratégias de participação podem ser elaboradas para que as vozes infantis sejam legitimadas, no desenho das experiências cotidianas planejadas pelos adultos-educadores? Quais são os limites e as possibilidades que estão em jogo, quando se convida as crianças à participação na dinâmica cotidiana da instituição?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de mai. de 2020
ISBN9788547345785
Educação Infantil: Rotinas Arquitetadas e Cotidianos Vividos

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    Educação Infantil - Heloisa Josiele Santos Carreiro

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE

    Dedico este livro, em memória, à vida, ao riso, ao choro, aos sonhos, aos medos e às coragens compartilhadas com Gabriel Machado, menino que se dizia dono do melhor avô do mundo e autor das perguntas que exigiam dos adultos o pensar por novas lógicas. Menino que tinha pele branca, cabelos castanhos claros, olhos castanho-brilhantes e um sorriso que sempre me pereceu um farol. A esse menino que teve tão cedo sua infância, sua vida ceifada, eu dedico o que de melhor pude fazer, enquanto professora-pesquisadora.

    AGRADECIMENTOs

    Agradeço aos planos espirituais pela força, pelo axé e pelo amor que movem a vida.

    À minha família, por entenderem minhas ausências e respeitarem minhas escolhas: à minha mãe, Silvia, e às minhas irmãs, Cláudia e Maraisa.

    A Claudio Godinho, pelo companheirismo, pela amizade, pelo amor e pelo incentivo que sempre se fizeram constantes.

    À Capes, pelo financiamento da pesquisa que gerou este livro e por possibilitar meu estágio de doutoramento na Universidade do Porto.

    Ao Programa de Pós-Graduação da UFF, pelos esforços e investimentos feitos em fornecer um ensino de qualidade aos seus alunos, e à Universidade do Porto, que me acolheu em seu Programa de Mobilidade Estudantil, permitindo ampliar meus diálogos formativos.

    Às professoras Teresa Esteban, pela orientação acadêmica, pelos diálogos constantes e por acolher as questões que me angustiavam enquanto professora-pesquisadora; Manuela Ferreira, pelo acolhimento na Universidade do Porto, no estágio sanduíche da Capes, pela generosidade em partilhar seus saberes sobre pesquisas com crianças e pelas dicas que deu ao meu trabalho de pesquisa, e Marisol Barenco, por diálogos que nasceram na graduação e se sustentam até hoje.

    Às crianças que estiveram matriculadas no CEI Carolina Amorim entre os anos de 2009 e 2012, e também a seus familiares que aceitaram participar da pesquisa que originou este livro. O agradecimento estende-se aos profissionais que nesse mesmo período trabalhavam na instituição: as educadoras Letícia, Silvana, Aline, Celeste, Márcia Brick, Claudinha, Marcia Freire, Mônique, Andréa, Vanessa, Meriluce; aos profissionais de apoio: Ana Claudia, Guilhermina, Regiane, Lili, Jorge e Sebastião; e às professoras Cláudia Santos e Cristina, que aceitaram participar das discussões que aqui trago. Sem a participação desses sujeitos, infantis e adultos, este livro não teria nascido.

    À equipe da Secretaria de Educação da Rede Municipal de Petrópolis, pelo tanto que me apoiou na realização desta pesquisa. Agradecimento especial à Sandra Bortolotti, pelas angústias e discussões pedagógicas partilhadas, e à Valéria Albuquerque, pela confiança e apoio constante no trabalho investigativo.

    Agradeço à Bruna Molisani, pelas palavras que dedicou a mim e a este livro na composição do seu prefácio. Encontrei Bruna na FFP-UERJ, companheira de trabalho com quem sempre dialogo e aprendo mais sobre questões relacionadas da Educação, à pesquisa, à extensão e, especialmente, sobre educar e cuidar em todos os segmentos da Educação.

    Também agradeço a todos os docentes do Departamento de Educação, pelo acolhimento que recebi na FFP-UERJ, nessa instituição inicio minha trajetória como professora do Ensino Superior. Agradeço de modo especial ao Grupo Vozes da Educação e ao GIFORDIC, pelo acolhimento e aprendizagens compartilhadas.

    PREFÁCIO

    Escrever este prefácio foi um presente que ganhei, a começar pela autora da tese que agora temos a oportunidade de ver publicada neste livro. Conheci Heloisa, para mim, carinhosamente, Helô, no concurso que fizemos para Alfabetização e Educação Infantil na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/Uerj). Ela e eu fomos aprovadas no concurso e nos tornamos colegas de trabalho. Desde que começamos a compartilhar a vida na FFP, Helô encanta pela presença das crianças: na criança que mora nela e nas produções das crianças e dos estudantes do curso de Pedagogia que Helô acompanha como professora e pesquisadora. O colorido dos desenhos, as mãos criativas, o encanto da poesia, os saraus juninos são marcas que Helô tem oferecido aos que convivem com ela e que mostram a beleza do encantamento, da criatividade, do acolhimento, da humanidade e da alteridade.

    Marcas que também estão presentes no livro que temos em mãos. O texto de Helô apresenta uma pesquisadora que investiga o próprio espaço de trabalho, buscando escutar o que as crianças dizem sobre a dinâmica do cotidiano de uma instituição de Educação Infantil. É uma narrativa potente de encontros com as crianças, entendidas como sujeitos reflexivos, abertos ao diálogo, que precisam ter suas vozes e seus saberes considerados e acolhidos no cotidiano das instituições dedicadas à educação das infâncias.

    As questões que orientam a pesquisa que resultou neste livro revelam concepções que nos convidam a pensar as crianças e sua inserção nos diferentes espaços sociais como sujeitos plenos, de direitos, de saberes, de linguagem: que saberes as crianças revelavam possuir sobre o espaço escolar? Que saberes elas esperavam construir a partir da escola? Como se desenvolve o processo de visibilidade e de invisibilidade das intervenções feitas pelas crianças sobre as práticas cotidianas que lhes são oferecidas? Que sugestões as crianças têm a fornecer que podem nos ajudar a construir uma Educação Infantil mais significativa? Que outros sentidos são dados pelas crianças à prática que se desenvolve no espaço da creche? Como esses sentidos dados pelas crianças podem ajudar os educadores a repensarem suas intervenções pedagógicas?

    Na busca por respostas a essas perguntas, Heloisa encontra com os outros adultos do Centro de Educação Infantil em que a pesquisa foi desenvolvida, além das crianças, e nos apresenta as inquietações de uma pesquisadora e professora que se depara com suas próprias contradições, com as angústias e as certezas das educadoras, com a alteridade das crianças... Encontros vividos no processo de afirmar a potencialidade das crianças e a possibilidade de relações mais horizontais entre elas e os adultos.

    Nesse movimento, reconhece tensões compartilhadas pelas educadoras sobre a rotina estabelecida para o funcionamento da instituição. Tensões que envolvem o tempo do relógio, o questionamento de um modelo único e ideal de rotina para toda a rede educacional do município onde foi realizada a pesquisa, os agrupamentos das crianças, as atividades propostas.

    Na relação entre adultos e crianças, problematiza os trabalhinhos propostos aos pequenos, que muitas vezes negam o protagonismo e a autoria infantil, denunciando fragilidades na intervenção pedagógica, que não dialogava com os saberes que as crianças revelavam ter e não lhes ajudava a ampliar suas possibilidades de saber.

    Entre as crianças, categoriza formas com que vivem os espaços-tempos da instituição e sentidos para os agrupamentos infantis: agrupam-se para fortalecer identidades, para ampliar relações, para compartilhar segredos, por amizade, pela disputa de atenção da educadora e também para excluir, para subverter as regras dos adultos.

    Portanto o livro de Heloisa é um convite a ouvirmos as crianças, dialogarmos com elas para aprender mais sobre o mundo que compartilhamos, sobre elas e sobre nós mesmos.

    Que as experiências e reflexões narradas por Helô possam reverberar em cada uma e cada um que se dedica ao trabalho e à pesquisa com as crianças, afirmando a potencialidade do encontro com o outro que nos toca, mobiliza, interroga, surpreende, altera.

    Bruna Molisani

    Professora Adjunta da FFP-UERJ

    Maio de 2019

    APRESENTAÇÃO

    As questões que moveram o estudo proporcionaram o seguinte desenho a este livro: o primeiro capítulo apresenta a contextualização da pesquisa, bem como os sujeitos que participaram de seu processo de discussão. O segundo capítulo traz as questões teóricas e metodológicas da pesquisa, descrevendo o modo como a investigação se desenvolveu e apresentando as principais discussões teóricas que serviram como pano de fundo para trabalhar as tensões que nela emergiram. No terceiro capítulo, fizemos uma apresentação da vida cotidiana da instituição em diálogo com os estudos de Garcia (2002). Para isso, apresento as rotinas que são planejadas pelos adultos educadores e revelo como as crianças interagem e se movimentam nessas rotinas. Começo uma discussão, que se aprofunda no capítulo seguinte, sobre as formas de subversão das crianças e a criação de submundos (GOFFMAN, 1961) infantis, que se revelam como formas de interação inventadas pelas crianças, ajudando-as a conviver com o mundo, as arquiteturas de suas realidades e regras de convívio sociais apresentadas pelos adultos.

    O quarto capítulo apresenta um aprofundamento sobre as rotinas de interação infantil. Nele, registramos algumas formas de agrupamentos infantis praticados autonomamente pelas crianças, discutindo algumas questões sobre como esses agrupamentos são reveladores das formas autorais das interações da cultura de pares (CORSARO, 2011) estabelecidas no cotidiano daquela instituição. No quinto capítulo, apresentamos as reflexões pedagógicas que teci junto às professoras e às educadoras da instituição, a partir das falas das crianças, quando enfrentamos as contradições, as tensões e as possibilidades entranhadas em nossas práticas, entre as concepções de criança, infância e Educação Infantil que eram sonhadas e que se revelavam cotidianamente pelos profissionais da instituição.

    O livro conclui sua discussão apresentando indagações que, de certo modo, não nos permitem plenamente assumir o encerramento das discussões. Assim, trouxemos um pouco das aprendizagens que o processo de pesquisa promoveu entre a professora-pesquisadora e os profissionais da instituição no enfrentamento dos desafios trabalhados ao longo do presente estudo e daqueles que ainda se apresentam naquele cotidiano para os profissionais que lá se encontram, dando continuidade à vida daquela instituição.

    Heloisa Josiele Santos Carreiro

    Professora adjunta da FFP-UERJ

    (Coordenadora do COLEI - Coletivo de Estudos e Pesquisas sobre Infâncias e Educação Infantil)

    Sumário

    Introdução 17

    1

    Principais fios históricos que colaboraram para a tessitura da Educação Infantil na rede municipal de Petrópolis 21

    1.1. O Espaço da Pesquisa 22

    1.2. Os sujeitos envolvidos no estudo 25

    1.3. Informações importantes sobre os profissionais envolvidos 27

    1.4. Minhas implicações com o contexto de estudo 29

    2

    Arquitetura teórico-metodológica 35

    2.1. Trama 1 – No cotidiano: os desafios de estudar a própria prática 36

    2.2. Trama 2 – O diálogo como um caminho teórico-metodológico na pesquisa com crianças 41

    2.2.1. Encontro de Culturas: o provisoriamente pronto e o que ainda se estava por fazer 46

    2.2.2. Os estudos sobre as infâncias: pontos de partida 48

    2.3. Trama 3 – O paradigma indiciário: um caminho para se dialogar com os dados da pesquisa 51

    2.4. Trama 4 – O convite à pesquisa 53

    2.4.1. A invisibilidade da resposta de um coro infantil 60

    2.4.2. Questões infantis: por que professores estudam!? Eles já não deveriam estar formados!? Prontos!? 62

    2.4.3. Elaboração de estatutos de verdades: uma pré-forma do pensar infantil 64

    2.5. Trama 5 – Apresentação dos Instrumentos de Pesquisa 70

    2.5.1. Entre o sagrado e o profano: o toque de pequeninas mãos 73

    2.5.2. Entre focos, desfocos e focados: reivindicação infantil pelo direito de participação na pesquisa 75

    2.6. Trama 6 – As experiências de formação com as educadoras a partir das interações com as crianças 77

    3

    A forma de organização da vida escolar infantil:

    as rotinas 81

    3.1.O tempo perguntou ao tempo: quanto tempo o tempo tem? O tempo respondeu ao tempo, que nem o tempo poderá dizer quanto tempo o tempo tem 82

    3.2.Todo dia ela faz tudo sempre igual: afinal, o que há de igual na rotina? 85

    3.3.Deixamos que a rotina fosse o nosso caminho: por que a rotina como um caminho educativo na infância? 88

    3.4.Quando o tempo for propício: o que se propõe no tempo institucional? 96

    3.5.Temos o nosso próprio tempo: os modos das crianças praticarem as rotinas pensadas pela instituição e de inventarem outras 117

    3.6.Roda moinho, roda pião, o tempo rodou num instante nas voltas do meu coração: as ações das crianças na roda viva das rotinas instituídas 144

    3.7. Um tempo que refaz o que desfez: o ir e vir das crianças no tempo dos adultos – a descoberta de outras formas temporais infantis 149

    4

    Rotinas de interações: pontos de partida para a compreensão das ações das crianças 157

    4.1. Zona de desenvolvimento proximal: caminhos possíveis para se dialogar com as formas de agrupamentos infantis nas rotinas de interações 160

    4.2. Agrupamentos infantis: ampliações infantis das formas de se viver os espaços-tempos-atividades institucionais 164

    4.3. A crise de concepções: quando se escreve e se discursa sobre uma coisa, mas na prática se faz outra 202

    5

    As reflexões pedagógicas: quando a própria prática torna-se uma bússola para reorganização da dinâmica pedagógica da Educação Infantil 207

    5.1. O feitiço dos olhos: Olhos meus! Olhos meus! Por favor, digam o que fiz eu!? Quando as crianças nos dão pistas das relações tecidas com elas cotidianamente 208

    5.1.1. Revisitando o vivido coletivamente: o que podemos aprender com esse episódio? 210

    5.1.2. Campo Minado: as hierarquias escolares 215

    5.2. Criança não é bicho! A gente quer comer em prato de vidro 220

    5.3. Saberes das crianças sobre a função da escola: quem me ensina o que eu preciso saber? – Preciso aprender a ler para ganhar dinheiro 233

    5.4. Assaltaram o Papai Noel? – Não assaltei! Ele disse que eu podia pegar o meu presente. As formas de falar dos adultos e as respostas criativas das crianças 249

    5.5. A crise de sentidos das atividades escolares: para quê e por que as crianças fazem trabalhinhos ? 261

    5.5.1. Os trabalhinhos e o trabalho que dão às crianças: para não brincar – Trabalhar 273

    A pesquisa teve algumas conclusões, mas a vida e as aprendizagens dos sujeitos continuam acontecendo no cotidiano daquela instituição 283

    REFERÊNCIAS 297

    Índice Remissivo 303

    Introdução

    Fragmento do Cotidiano do CEI: Segredinhos de criança

    Hora da saída e eu estou com algumas crianças na varanda. Algumas estão brincando e outras conversam comigo. Em meio a nossas conversas, observo que duas meninas partilham segredos entre si. Elas não apenas falavam mais baixo, mas se revelavam fora da conversa comigo e com os demais pares. Porém, diante de todos nós, elas marcavam que estavam partilhando segredos entre si, fazendo o movimento de se comunicar ao pé do ouvido e, com os olhos, excluíam-nos. Então, resolvo tentar saber do que falam.

    Helô: Luna e Bruna, contem pra mim por que vocês estão falando mais baixo.

    Luna: A gente está falando segredinhos. Mas a gente não pode te contar, porque ‘tu’ é adulta.

    As duas meninas começam a rir quando dizem isso.

    Helô: Mas eu estou curiosa. Por favor, me contem que eu não vou contar pra ninguém. Eu juro!

    Observando o meu interesse pelo segredo das meninas, outras crianças que estavam na roda de conversa começam a segredar-se diante de mim. Somente eu não tinha segredo para partilhar com ninguém. Somente eu não tinha uma parceira de segredo.

    Luna: Não! Não vou te contar. Não lembra da história do segredo [diz referindo-se a um livro de histórias infantis que informa que um segredo, para ser segredo, não pode ser partilhado entre muitas pessoas]? Se a gente contar, não vai ser mais segredo.

    Helô: Se me contarem, trago bala pra todo mundo amanhã [Digo, rindo, para Luna, tentando fazer uma barganha horrorosa com as meninas].

    Luna: Não adianta. Por nada vamos te contar, né, Bruna!? [As meninas partilham entre si o riso].

    Bruna: É segredinho de criança. Adultos não podem saber...

    E eu fico sem saber os segredinhos de crianças. Quando chega a hora de elas irem, saem rindo com seus segredos.

    (Diário de Campo – Nota de Abril de 2010)

    A opção por abrir este livro com um fragmento de um acontecimento do cotidiano da Educação Infantil se fez para revelar um pouco das inúmeras tentativas que fiz de aproximação da cultura de pares infantis, conceito aprendido com Corsaro (2011). Os estudos que trago se desenvolveram no Centro de Educação Infantil Carolina Amorim da rede municipal de Petrópolis, entre os anos de 2009 e 2012, espaço em que busquei estar atenta às vozes e às culturas infantis, a fim de perceber como as crianças podem nos ajudar a melhor organizar a prática pedagógica. As reflexões que compartilho aqui fiz como pesquisadora da própria prática, pois atuava como coordenadora pedagógica e administrativa. Apesar de não atuar, oficialmente, como docente na instituição, sempre busquei cotidianamente formas de acompanhar as interações que as crianças teciam nas rotinas dentro e fora da sala de atividades. Logo, o contato com os sujeitos infantis era diário e constante.

    Este livro traz como desafio inquietações gestadas, a partir de minha experiência como educadora e coordenadora de Educação Infantil ¹, sobre o lugar – que fui percebendo ao longo de minha trajetória – que as crianças ocupavam no desenvolvimento das práticas pedagógicas: um lugar que lhes era imposto as interpretava como sujeitos ausentes de conhecimento e cultura, portanto, passivamente deveriam absorver aquilo que a escola tem a lhes apresentar. Contudo as crianças que se fizeram presentes na minha história de vida, enquanto eu exercia as funções de professora e de coordenadora, produziram-me inquietações, apresentam-me evidências de que elas tinham contribuições importantes para nos fornecer as reflexões pedagógicas.

    Ao longo de minha experiência profissional, as intervenções das crianças, constantemente, ajudavam-me a pensar melhor sobre minhas ações pedagógicas, pois muitas vezes meninas e meninos apresentaram críticas interessantes ao meu trabalho, dando pistas de como melhor reformulá-lo. Nas vezes em que fui capaz de compreender essas pistas e dialogar com elas, pude repensar minha postura e minhas propostas pedagógicas, arquitetando processos de aprendizagens muito mais significativos aos miúdos.

    A relevância deste estudo está na possibilidade de compartilhar as reflexões singulares que se tecem, a partir das experiências que emergem no cotidiano escolar. Ele não se apresenta como um modelo metodológico, mas como um convite aos profissionais de Educação Infantil, para que repensem suas práticas pedagógicas, também em diálogo com os saberes infantis.

    O episódio que abriu a introdução deste livro denuncia como foi/é difícil pesquisar com crianças e partilhar dos muitos significados que atravessam a cultura de pares infantis. Por meio dele, podemos perceber que meus movimentos de investigação nem sempre foram acolhidos e/ou aprovados pelas crianças. Um movimento que, embora se pretendesse ao diálogo e ao respeito às experiências e aos saberes infantis, por vezes, contradizia-se em uma relação vertical dos adultos sobre as crianças. A tentativa fracassada de barganhar informações com as crianças é um pouco reveladora de interações adultocêntricas que atravessaram o trabalho de pesquisa que deu origem a este livro. Ao longo da pesquisa, fui revisitando, de forma mais crítica, as relações que eu tecia com elas. Tais experiências possibilitaram aprender a escutar um pouco mais os saberes infantis que se manifestavam no espaço escolar.

    As páginas que seguem compartilham minhas tentativas de interações com as crianças na rotina da instituição, tarefa que não foi fácil. Tanto pelo desencontro geracional que existe entre adultos e crianças, considerando as diferentes formas de ser, estar, compreender e dialogar com o mundo, quanto porque, para adentrar na cultura infantil e participar de seus significados, é necessária uma autorização concedida pelas próprias crianças. Refiro-me aqui não apenas ao pedido de autorização formal que devemos fazer às crianças, que é de suma importância e faz parte da manifestação do respeito que temos diante da compreensão de que elas são atores sociais e não objetos de pesquisa, como nos ensinam os estudos de Manuela Ferreira (2004). Mas, também, às dificuldades cotidianas que, como pesquisadora, enfrentei para aprender a respeitar os movimentos de interdição e assentimento infantil sobre aquilo que pareciam desejar ou não partilhar de sua cultura de pares comigo.

    Aqui, trazemos o desafio de estudar as atividades de rotina da instituição. No desenvolvimento deste estudo, consideramos como ponto de partida as falas e as interações que as crianças teciam entre si e com os adultos, nesses espaços-tempos-atividades propostos pelos profissionais da instituição. Movimento que me trouxe a necessidade de aprender a pesquisar com as crianças no cotidiano escolar. Tal ação investigativa se iniciou pela observação participante, que foi o caminho investigativo escolhido na tentativa de imersão nas culturas infantis. A partir dela, busquei aprender a dialogar com as crianças, na esperança de que elas me permitissem compartilhar de alguns dos códigos de comunicação que elas partilhavam entre si. As inúmeras situações observadas continham indícios (GINZBURG, 1989) que traziam possibilidades de compreensão das lógicas infantis, para refletir junto com as educadoras sobre os sentidos das práticas escolares que desenvolvíamos e sobre que tipo de experiências elas proporcionavam às crianças.

    Durante a investigação, outras questões foram emergindo na pesquisa que me ajudavam a encaminhar as discussões compartilhadas com os demais profissionais da instituição: que saberes as crianças revelavam possuir sobre o espaço escolar? Que saberes elas esperavam construir a partir da escola? Que funções a creche anuncia e/ou realiza com as crianças que a ela se dirigem? Como as crianças vão, no cotidiano, revelando leituras sobre essas funções? Que movimentos as crianças fazem para ressignificar o cotidiano da creche? Que encorajamentos ou/e interdições se processam no cotidiano, nessa movimentação das crianças de apropriação e ressignificação da cultura que lhes é oferecida no interior da escola? Como se desenvolve o processo de visibilidade e invisibilidade das intervenções feitas pelas crianças sobre as práticas cotidianas que lhes são oferecidas? Que sugestões as crianças têm a fornecer que podem nos ajudar a construir uma Educação Infantil mais significativa? Que outros sentidos são dados pelas crianças à prática que se desenvolve no espaço da creche? Como esses sentidos dados pelas crianças podem ajudar aos educadores a repensarem suas intervenções pedagógicas? Como pensar em estratégias que movimentem os educadores a reconhecer na fala das crianças saberes importantes à sua prática docente? Como pesquisar com crianças, convivendo com as assimetrias determinadas pelos papéis sociais entre os sujeitos da pesquisa? Quais são os procedimentos metodológicos mais apropriados ao desenvolvimento de uma pesquisa com crianças?

    1

    Principais fios históricos que colaboraram para a tessitura da Educação Infantil na rede municipal de Petrópolis

    A Constituição de 1988, na estruturação dos direitos nacionais, apresenta ao povo brasileiro a informação de que, a partir daquele momento, as crianças pequenas ganhavam o direito à Educação por meio de creches e pré-escolas. A garantia desse direito pelo Estado representava uma ação de suma importância no desenvolvimento das crianças. Isso possibilitou a elaboração e a impressão de uma intencionalidade pedagógica mais clara nas instituições educativas e na interação que os adultos teciam com essas crianças.

    Entretanto, por força de lei, isso só veio a acontecer em 1996, oito anos depois, quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 torna a Educação Infantil parte da Educação Básica. Segundo Bortolotti (2012), no município de Petrópolis, essa passagem da Educação Infantil de assistência social para a responsabilidade do sistema educativo inicia-se em 1999.

    Anteriormente a essa ação oficial de passagem das creches para a Secretaria de Educação, essas instituições tinham um caráter comunitário e eram administradas pelos presidentes das associações de moradores. Uma administração que ocorria desde a determinação da rotina e cardápio que seriam oferecidos às crianças até a distribuição de vagas pela comunidade e a escolha dos funcionários que iriam trabalhar na instituição – quase sempre membros da comunidade, pagos pelo poder público.

    A Secretaria de Programas Sociais dava suporte para a estrutura e funcionamento da instituição: a partir do fornecimento de merenda, mobiliário do espaço, materiais diversos para uso das crianças e pagamento de funcionários (muitos trabalhavam em regime de contrato), além de fiscalizar as condições básicas de funcionamento e atendimento às crianças dessas instituições comunitárias.

    Quando a Secretaria de Educação assume para si a responsabilidade dessas instituições, a primeira ação foi designar um pedagogo para assumi-las, por intermédio da função de coordenador pedagógico e administrativo. A esses profissionais cabia o desafio de imprimir o caráter da intencionalidade educativa às atividades de rotina da instituição; o que nem sempre era possível, pois algumas educadoras de creche recusavam-se a assumir funções ligadas às questões pedagógicas, afirmando que estas cabiam ao profissional concursado como docente.

    Somente a partir do ano de 2005, alguns professores começaram a ser encaminhados a essas instituições. A ideia era de que esses profissionais colaborassem na impressão do caráter pedagógico às rotinas dessas instituições. Entretanto a formação de professor, distante do trabalho comunitário que era tão próprio da assistência, dificultou a relação com as equipes das creches e com algumas comunidades (BORTOLOTTI, 2012, p. 17) e, na prática, esses professores tiveram que aprender a reinventar sua atuação pedagógica, a fim de dialogar com as experiências que já se encontravam construídas nessas instituições.

    Ainda no ano de 2005, o termo creche, que antecedia o nome de todas as instituições de Educação Infantil em tempo integral da rede municipal, foi substituído pela seguinte nomenclatura: Centro de Educação Infantil (CEI). Essa medida era mais uma forma da Secretaria de Educação tentar exprimir o caráter educativo que haveria de ser forjado nas ações dessas instituições.

    Os fios de ações históricos apresentados foram e são de suma importância nesse movimento que o município emprega de oferecer para as crianças da rede espaços educativos em tempo integral de melhor qualidade. Apesar das tensões que se teceram e tecem junto a esses fios, muitos avanços já foram conquistados em termos de estrutura e funcionamento dessas instituições que buscam garantir o direito que cada criança tem à Educação.

    1.1. O Espaço da Pesquisa

    A pesquisa que deu origem a este livro se desenvolveu em uma instituição da Rede Municipal de Educação Infantil de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro: o Centro de Educação Infantil² Carolina Amorim. A escolha da instituição se deu pela minha proximidade com seus profissionais e pela constatação da dificuldade que estes tinham em reconhecer a criança como sujeito reflexivo, portanto, de diálogo. A escolha da instituição se deu por duas questões: a) minha inserção no cotidiano da instituição como coordenadora pedagógica e administrativa, e b) pelo desejo manifesto dos profissionais em participar das atividades investigativas. A instituição contava com a atuação de 17 profissionais e atendia 68 crianças com idades entre 0 e 3 anos (creche) e 4 a 5 anos (Educação Infantil), em período integral, das 7h às 18h.

    O CEI Carolina Amorim

    Fonte: foto do arquivo pessoal

    O CEI Carolina Amorim dividia suas crianças em seis grupos: Berçário (seis crianças – entre 0 e 1 ano de idade); 1º Período (seis crianças – entre 1 e 2 anos de idade); 2º Período (14 crianças – entre 2 e 3 anos de idade); 3º Período (14 crianças – 3 a 4 anos de idade); 4º Período (14 crianças – 4 a 5 anos de idade); e 5º Período (14 crianças – 5 a 6 anos de idade³). Embora todas as crianças e profissionais da instituição envolveram-se nos estudos, aqui, traremos apenas as experiências desenvolvidas com as crianças a partir do terceiro período.

    Disposição das salas do CEI Carolina Amorim

    Fonte: desenho autoral produzido no diário de campo

    O espaço do CEI Carolina Amorim possuía cinco salas de atividades. Desse modo, os grupos do berçário e primeiro período ficavam na mesma sala, formando um agrupamento multisseriado. Os demais períodos possuem salas distintas. A instituição contava ainda com uma cozinha ampla e um espaço interno também amplo, que nomeávamos como Hall de Entrada. Tratava-se de um espaço onde ficam brinquedos diversos e uma televisão. Nele, as crianças costumavam brincar de correr, jogar bola e desenvolver outros jogos e atividades inventados por elas e/ou orientados pelos adultos. O Hall de Entrada se subdividia em dois ambientes, mesmo sem ter divisórias: o primeiro, no qual as crianças eram acolhidas no momento de entrada e ficavam brincando em diversos momentos da rotina da instituição, e o segundo espaço se configurava no refeitório. Havia na instituição uma ampla varanda, protegida com tela, com visão para a rua. O CEI contava com uma secretaria, um almoxarifado e dois banheiros: um pequeno, com chuveiro para uso dos funcionários, e outro amplo, com cinco vasos sanitários, apropriados ao uso das crianças, e cinco chuveiros.

    Varanda do CEI

    Fonte: foto do arquivo pessoal

    1.2. Os sujeitos envolvidos no estudo

    As experiências que aqui compartilho nasceram de encontros que estabeleci com os adultos e as crianças que estiveram vinculados ao CEI Carolina Amorim no período entre setembro de 2009 e fevereiro de 2012. Trabalhei com todas as crianças da instituição; na tentativa de escutar suas vozes, simultaneamente, propunha um movimento de reflexão pedagógica aos profissionais da instituição. Contudo o presente estudo debruçou-se apenas com registros que envolviam as crianças matriculadas entre o 3º, 4º e 5º Períodos. A decisão por trabalhar apenas com esses atores infantis se deu pelo fato destes dominarem a linguagem oral.

    O grupo de crianças revela condições socioeconômicas muito diversas. Algumas crianças são oriundas de famílias cuja principal renda se faz por intermédio dos benefícios de governo como Bolsa Família, Assistências de Cestas Básicas Distribuídas pelo Cras⁴, Cesta Cheia, Auxílio Gás etc. Além desses benefícios, algumas famílias conseguem a ampliação de suas condições econômicas a partir do apoio de políticos, organizações privadas e pelo envolvimento religioso que estabelecem na sociedade.

    A equipe de profissionais era organizada por duas cozinheiras, uma estagiária, um zelador, dez agentes de apoio à Educação Infantil, três professoras: duas delas atuando em meio período (quatro diárias) em sala de aula com as turmas de 4º e 5º Períodos⁵ e outra exercendo a função de coordenadora pedagógica e administrativa da instituição. Toda a equipe de apoio participou das discussões e reflexões que eram tecidas a partir das falas infantis.

    O estudo partilhado com o grupo de profissionais apresentava a concepção de que todos nós éramos responsáveis pela educação das crianças, a partir da função que cada um exercia. Ao longo do estudo, alguns profissionais revelaram certa resistência na compreensão de sua participação nas atividades de estudo promovidas pela própria instituição. Contudo continuamos investindo no convite à participação, pois reconhecíamos que as interações formais e informais que os profissionais, sendo docentes ou não, estabeleciam com as meninas e os meninos da instituição eram educativas, tal como todo encontro humano. Isso para mim era suficiente para defender a relevância da participação de todo o grupo de profissionais nas reuniões de planejamento e de formação que mensalmente realizávamos.

    As cozinheiras e outros profissionais de apoio

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