A Constituição do Currículo da Educação Profissional Integrado à Educação de Jovens e Adultos
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A Constituição do Currículo da Educação Profissional Integrado à Educação de Jovens e Adultos - Márcia Castilho de Sales
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
DEDICATÓRIA e AGRADECIMENTOS
Este livro foi constituído como uma colcha de retalhos. Foram retalhos de cada um de nós compondo uma bela colcha, impregnada de vidas, sentidos, fazeres e subjetividades.
Por isso, temos que agradecer a todas essas mãos que, em maior ou menor grau, contribuíram para a conclusão deste trabalho.
Agradeço aos educandos, que, no seu movimento práxico, proporcionaram-me novos olhares, sentidos e compreensões do pesquisado. A coragem e a tenacidade de vencer e superar obstáculos me proporcionaram uma vontade incondicional de seguir em frente!
Aos professores que se aventuram no desconhecido, abertos ao novo e querendo qualificar o atendimento aos educandos da EJA, minhas melhores considerações e respeito. Do contato profissional seguiu-se uma amizade respeitosa com muitos compartilhamentos!
Às amigas de caminhada na pesquisa – Julieta e Nirce –, carinhosas, acolhedoras e abertas ao conhecimento mútuo e fraterno.
Ao meu querido orientador/professor/amigo/irmão, que soube nos dar o suporte técnico, amoroso, político, constituindo-nos enquanto pesquisadoras, pessoas, tornando-nos humanas. Agradeço imensamente todas as contribuições recebidas e que ficam marcadas na minha vida!
Agradeço à família, que soube lidar com minhas ausências, minhas reclusões, minhas idas e vindas ao lócus de pesquisa. Obrigada pelo apoio, carinho e compreensão.
Enfim, agradeço a Deus por poder fazer da minha experiência uma possibilidade de contribuição à consolidação dessa política pública para os jovens e adultos trabalhadores do Brasil.
APRESENTAÇÃO
As contribuições dos estudos no âmbito da Educação de Jovens e Adultos (EJA) vêm relevando um movimento fértil de reafirmação desse campo, particularmente no momento de Estado mínimo, da perda de direitos sociais e econômicos e de cortes financeiros à pesquisa em todo o Brasil. Produzir ciência e divulgá-la é constituinte de processos de resistência a esse processo de perdas de direitos. É reafirmar a humanidade e a solidariedade dos processos de pesquisa emancipatórios.
Nessa dimensão, apresento o livro A constituição do currículo da Educação Profissional integrado à Educação de Jovens e Adultos, da pesquisadora Márcia Castilho de Sales, referente ao seu estudo doutoral realizado na Universidade de Brasília, sob orientação do professor Dr. Renato Hilário dos Reis, trabalho que teve como objetivo "compreender e analisar a constituição/implantação de uma proposta de currículo integrado do Curso de Administração no contexto do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) no Instituto Federal de Brasília – campus Gama –, incorporando os sujeitos da pesquisa com base no movimento de pesquisa-ação marxista, no período de 2016/2018".
No livro a autora situa o processo metodológico do estudo com base em pressupostos práxicos e documentais sobre a EJA, no contexto da oferta integrada da Educação Profissional, em que inventaria o percurso de proposição de implantação de cursos técnicos integrados no Distrito Federal, com base na concepção emancipatória de currículo integrado. Chamo a atenção para a relevância da pesquisa aqui apresentada, pelo seu caráter de emancipação e participação dos sujeitos envolvidos na investigação, caracterizada pela autora de pesquisa-ação marxista¹. A própria autora situa em suas conclusões que tal processo não foi fácil, por vivermos essa conjuntura em que denuncia o movimento de retração da oferta de Educação de Jovens e Adultos, particularmente da Educação Profissional integrada à EJA:
Estamos vivendo um movimento de oposição a todos esses direitos, até privatizando os espaços públicos, sendo administrados e geridos por interesses privados e com dinheiro público.
As metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE), no tocante à oferta integrada, estão sendo desenvolvidas por um governo que não vê nenhuma dessas conquistas como intocáveis, promovendo, de forma sucessiva, a usurpação dos nossos direitos. São projetos societários antagônicos: um para o capital, e outro para os trabalhadores. Para cada um, as áreas de saúde, educação, moradia, transporte público e outros têm concepções diferentes que se materializam na esfera política. Para cada um, existem projetos específicos.
Qual é o projeto político do capital para a educação? O que estamos vivenciando atualmente? (SALES, 2019, p. 294, grifo da autora).
Com base em tais questionamentos, no movimento vivenciado na investigação e nos seus resultados da pesquisa, a autora aponta possibilidades e indicativos para uma efetiva articulação dialética da Educação Básica à Educação Profissional na EJA. Ressalta-se que esse processo da constituição dessa articulação ainda é hoje um dos grandes desafios na oferta dos cursos. Desafio para que não se constitua apenas com um processo somativo na composição do currículo dos cursos, mas que evidencie uma formação humana que busque a integração de todas as dimensões da vida: trabalho, ciência e cultura – no processo formativo, mediante uma formação politécnica e omnilateral dos trabalhadores e das trabalhadoras, em que eles possam compreender o processo histórico no contexto das forças de trabalho e de produção.
O estudo ora situado neste livro apresenta exatamente o movimento que articula tais dimensões na construção do currículo do curso envolvendo docentes e estudantes. Longe de pretender esgotar os debates, deixa indagações e possibilidade de proposições emancipatórias na constituição dos currículos do Proeja.
Deixo aqui o convite para a leitura carregada de esperanças na compreensão da complexidade dessa modalidade educativa e provocativa de possibilidades para a constituição de currículos emancipatórios que visualizem a Educação como um direito subjetivo da população.
Florianópolis, setembro de 2019
Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin²
PREFÁCIO
O livro de Márcia Castilho de Sales é sua tese revisitada, defendida com muito brilho em 7 de novembro de 2018, na Universidade de Brasília.
Nele, a autora, sob uma perspectiva histórico-cultural marxista – gênese e desenvolvimento da espécie animal (filogênese) e origem e desenvolvimento da espécie humana (ontogênese) – brinda-nos com toda uma práxis de currículo integrado de Educação Profissional articulado à Educação de Jovens e Adultos, num movimento práxico emancipador-emancipante, exercitado coletivamente pela autora com educandas/educandos (estudantes), educadoras/educadores (professores), gestores, empreendedoras e empreendedores, no Instituto Federal de Brasília, campus Gama.
O livro é uma contribuição que a autora escolhe dar com sua vida ao mundo, em seu processo de se tornar humana (Vigotski) de se humanizar (Freire), de transformar a humanidade, com base em relações sociais micro, moleculares, quase invisíveis, entre e com pessoas de uma escola pública de ensino médio.
Em sua ontogênese, esclarece sua escolha pela pedagogia e uma Educação Profissional articulada a uma Educação de Jovens e Adultos, que tem um diferencial e ineditismo singulares: rompe com toda uma lógica de definição curricular e de conteúdos a priori
, como também é ruptura com o alinhamento acrítico e mecânico às demandas do mercado de emprego. Ou seja, sem a participação em vez, voz e decisão conjuntas de educandas(os), educadoras(es) e empreendedoras(es).
Em seu livro, o Trabalho tem como natureza a produção social da vida. Compreende, pois, que uma criança, ao ser concebida, já está nesta lógica do Trabalho: transforma-se, transformando sua mãe, seu pai, suas relações sociais familiares. E que já nesse momento se configuram as relações sociais de classe (a classe Trabalho e a classe Capital, como estrutura ontológica do modo de produção capitalista). No confronto dialético entre essas classes, o ser humano constitui-se e é constituído, constituindo o próprio conjunto da sociedade.
Esse processo de constituição humana é evidenciado ao longo do livro, à medida que a autora indica ao leitor como acontecem essas relações sociais na convivência entre educandas(os), educadoras(es), gestoras(es), a própria autora-pesquisadora e setores da comunidade do Gama, em Brasília.
Mas a autora surpreende os leitores com mais um diferencial em sua obra: a pesquisa-ação marxista (materialista histórico-dialética), que compreende o conflito dialógico-dialético dos contrários, como natureza transformadora revolucionária da realidade.
Essa transformação tem um sentido emancipador paulofreireano, em que se busca, a todo o tempo, a conquista da hegemonia do Trabalho sobre o capital, no embate dialético ontológico entre um e outro, no modo de produção capitalista.
Adensando essa questão e fazendo uma paráfrase, remeto o leitor à página 33, quando a autora diz que a centralidade do seu livro está na constituição de seres humanos num processo emancipador, em que o Trabalho vai ganhando prioridade sobre o capital, como parte do processo de exercitação do currículo integrado e em integração, no protagonismo de educandas(os), educadoras(es), gestoras(es) e empreendedoras(es).
Ainda, segundo a autora, são três os elementos fundantes para a consecução desse currículo integrado: trabalho coletivo, práxis política-pedagógica e inserção dos sujeitos no currículo integrado. Esse currículo visa, segundo dispõe o documento-base do Proeja de 2007, a uma formação integral do educando, proporcionando a formação de cidadãos-profissionais, capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do Trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma competente, ética, técnica e politicamente, transformando a sociedade, prioritariamente, segundo os interesses da classe trabalhadora.
Pode-se dizer ainda que não se trata de abandonar o modelo disciplinar de currículo, e sim construir um modelo que se baseie em situações-problemas-desafios
– necessidades afetivo-amorosas, sociais, culturais e econômicas inerentes à sobrevivência e existência do ser humano – enfrentadas e solucionadas pelo conjunto das disciplinas, áreas de conhecimentos e coletivo de educadoras(es), educandas(os), gestoras(es) e comunidade.
Nesse conhecimento, produzido de maneira integrada, de situações-problemas-desafios identificadas e superadas com e no coletivo concreto/vivido/ocorrido
, possibilita-se aos professores e estudantes uma abordagem da totalidade e do conjunto das ciências e não só o enfoque pelo ângulo de uma só ciência isolada.
Ao finalizar seu excelente livro e reconhecendo que o país enfrenta ventos contrários ao Estado democrático de direito, a autora assegura, lembrando o poeta, que navegar é preciso
. E, coerente com sua posição de classe, dá continuidade a seu projeto de vida, na busca da conquista da hegemonia do Trabalho sobre o capital, ao desenvolver currículos integrados de Educação Profissional à Educação de Jovens e Adultos.
Integração essa que se dá em nível de complementaridade mútua entre e com educandas(os), educadoras(es), gestoras(es), empreendedoras(es) e comunidade, num processo de constituição de sujeitos amorosos (acolher e ser acolhido pelo outro, na diferença e com o diferente), sujeitos políticos (conquistar, ocupar e exercer poder no interesse da classe trabalhadora) e de sujeitos epistemológicos (produzir conhecimento como melhoria da condição de vida da trabalhadora e do trabalhador.)
Creio que tudo isso são razões suficientes para que a leitora e o leitor degustem esta obra fantástica que abre novos horizontes à constituição de pessoas HUMANAS no contexto da sociedade brasileira e mundial, tendo como pretexto a Educação Profissional integrada com a Educação de Jovens e Adultos.
Professor doutor Renato Hilário dos Reis³
LISTA DE SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO 19
1
QUAL A MINHA RELAÇÃO COM O OBJETO PESQUISADO? 23
2
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 35
2.1. A pesquisa-ação marxista 37
2.1.1 As experiências de construção de cursos com o currículo integrado 40
2.2. Problematização 46
2.3. Objetivos 48
2.4. Base material das experiências 48
2.5. Os movimentos da pesquisa-ação 54
2.6 O lócus da pesquisa-ação 59
2.6.1. O contexto 60
2.6.2. Os educandos 62
2.6.3. Os professores e a equipe da gestão/coordenação pedagógica 69
2.6.4. A disciplina do Projeto Integrador 73
3
A OFERTA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA
À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: pressupostos,
concepções e historicidade 75
3.1. O papel do trabalho na constituição humana 76
3.2. O trabalho e a educação 81
3.3. O trabalho como princípio educativo 84
3.4. A Educação emancipadora como práxis marxista 87
3.5. Origem e historicidade da oferta integrada 93
3.6. A oferta da Educação Profissional integrada ao ensino médio, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos 96
3.6.1. O Plano Nacional de Educação: o contexto da Educação de Jovens
e Adultos integrada à Educação Profissional e Tecnológica 99
3.6.2. O Plano Distrital de Educação 100
3.6.3. O Proeja na Rede Federal 101
3.6.4. A oferta integrada da Educação Profissional no DF 105
3.6.5. O Instituto Federal de Brasília e a oferta da Educação Profissional Integrada 113
3.7. A bandeira da oferta integrada da Educação Profissional
à EJA 116
3.8. Integrando os pressupostos práxicos 118
4
CURRÍCULO: concepções e naturezas da integração 123
4.1. O currículo e seu significado 125
4.2. O conhecimento escolar e as disciplinas 128
4.3. O poder, a ideologia e o discurso pedagógico no Currículo 131
4.3.1. A recontextualização e o discurso pedagógico 137
4.4. A integração no currículo 139
4.5. O currículo integrado 143
4.5.1. Concepções de integração 143
4.5.2. O currículo integrado e a perspectiva histórico-cultural 147
4.5.3. Referenciais para organização curricular da oferta integrada de EP 150
4.5.4. O estado de conhecimento do currículo da Educação Profissional
integrado à EJA 154
4.5.5. Perspectivas de integração da Educação Profissional com a Educação Básica 158
4.5.6. A construção de currículos na oferta da Educação Profissional integrada
à EJA no DF 172
4.6. O papel da gestão escolar e dos professores no exercício
do currículo integrado 185
4.7. A busca de sentidos e definições 190
5
O REAL CONCRETO/VIVIDO COM OS RESULTADOS ALCANÇADOS 195
5.1. Efeitos – repercussão do objeto de pesquisa 196
5.1.1. A experiência formativa para o Proeja que se tornou referência na
construção de projetos de curso 198
5.2. O real concreto/vivido no IFB – Campus Gama 202
5.2.1. Produções e resultados políticos-pedagógicos, com base no vivido/
ocorrido 212
5.2.2. Avaliação em processo 220
5.2.3. Projeto de extensão: Talentos Proeja 225
5.2.4. A exercitação da integração com base no Projeto Integrador 230
5.2.5. As conquistas oriundas do movimento constitutivo do currículo integrado 245
5.3. Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa-ação 279
5.4. O inventário da constituição do currículo integrado 282
5.5. As contradições e contribuições da implantação do
currículo integrado 282
5.6. Indicativos para uma efetiva articulação dialética
entre a educação profissional integrada à eja 284
5.6.1. Constituição de uma proposta metodológica de criação de currículos
integrados na perspectiva emancipadora 285
5.6.2. Implantação da avaliação no processo formativo 286
5.6.3. Comprometimento da equipe institucional na concepção e implantação do
curso, tendo como eixos o trabalho como princípio educativo e o trabalho coletivo 287
5.6.4. Flexibilização curricular voltada para a promoção da articulação entre
os conhecimentos sistematizados e os saberes dos estudantes, viabilizada pela
práxis-político-pedagógica na perspectiva da emancipação humana 289
5.6.5. Instituição do processo formativo do curso como promotor de saberes,
experiências e intervenção social 291
6
PROPONDO UMA CONCLUSÃO EM PERMANENTE ACABAMENTO 293
6.1. Apreciação da conjuntura atual 294
6.2. Indicando uma continuidade práxica 303
6.3. Estabelecendo perspectivas de pesquisa futuras 305
REFERÊNCIAS 309
REFERÊNCIAS DO ESTADO DO CONHECIMENTO DO CURRÍCULO INTEGRADO 315
ÍNDICE REMISSIVO 317
INTRODUÇÃO
Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando na alma.
Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me fazem ser quem eu sou.
Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior...
Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade
Que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa [...].
– Cris Pizzimenti⁴
A autora Cris Pizzimenti é pedagoga, natural de São Paulo, e tem uma página no Facebook onde publica seus poemas e frases emotivas. Desde que publicou essa poesia na sua página em 2013, o bonito poema foi erroneamente confundido como sendo de autoria de Cora Coralina. Um erro cometido na rede e desfeito há pouco tempo, pelo blog de Maya Santana⁵.
Essa poesia de Sou feita de retalhos
expressa bem o meu sentimento sobre minha trajetória enquanto mulher, mãe, professora e pesquisadora. São nesses caminhos da vida, encontrando pessoas e desafios, que estabelecemos conexões, vínculos e experiências. As pessoas são como os retalhos, que vão agregando história e conhecimento, ampliando contatos com mais pessoas, e assim vamos crescendo enquanto colcha, enquanto gente, enquanto humano. As relações de amor, poder e saber vão se configurando, com pessoas que mais contribuíram para o nosso aperfeiçoamento e nas relações que nos apresentam caminhos que queremos ou não trilhar.
Parafraseando a autora da poesia, busco no tecido o campo de experiências, marcada pelo bordado, o desenho que expressa a passagem que situou e situa a nossa vida. Nesse tecido, as agulhas e as linhas vão desenhando as passagens da vida, dando tons frios e mais quentes, conforme os sentimentos aflorados e vividos. Nesse movimento permanente de costurar a vida, vamos estabelecendo, por meio de nós apertados, conexões humanas que não podem se separar de nossas bases de referências. O tecido para bordar precisa de um maior espaçamento porque temos que planejar os pontos, o desenho, como planejamos nossa vida.
Escrever um livro é escrever a própria vida! Revelar-se! Desenvolvendo ação, autorreflexão, análises, sínteses, mostrar percursos feitos e os não feitos. Encontrar nos caminhos e atalhos o que é importante e relevante em minha caminhada de pesquisa-vida ou pesquisa-ação.
A minha pesquisa indica a necessidade e visibilização que integra a Educação Profissional e Educação de Jovens e Adultos aos sujeitos individuais e coletivos. Promovendo a construção coletiva como indispensável e inadiável ao trabalho político-pedagógico, bem como o desenvolvimento de um movimento práxico de constituição dos sujeitos da EJA, numa perspectiva histórico-cultural de base marxista. Para revelar nossa trajetória de pesquisa-ação, esta obra está organizada nos capítulos que descreveremos a seguir.
No Capítulo 1 – Qual a minha relação com o objeto pesquisado?
– revelo a gênese do meu objeto de pesquisa em minha história de vida. Faço uma retrospectiva de sua origem, das atividades que desenvolvi com a Educação de Jovens e Adultos na sua oferta integrada da Educação Profissional. Ações formativas, interventivas e políticas! Essa minha constituição histórica permite que você entenda o meu caminhar.
No Capítulo 2 – Procedimentos metodológicos
– relato minha perspectiva de pesquisa-ação de base marxista⁶, procurando trazer os argumentos a favor dessa pesquisa qualitativa e sua importância como transformação social. Nele apresento os objetivos da pesquisa, a sua problematização e os momentos realizados. Apresento também o lócus da pesquisa, identificando o contexto, a cultura e a ideologia da instituição, apresento os educandos – perfil e ações desenvolvidas –, a equipe gestora e os professores, bem como a disciplina do Projeto Integrador e a sua especificidade na pesquisa desenvolvida.
Como fundamentos práxicos do objeto da pesquisa-ação com fundamento em Marx e Engels, desenvolvo os Capítulos 3 e 4, abordando a historicidade da oferta integrada da Educação Profissional e a constituição do currículo integrado, trazendo os autores que dialogam com meu problema de pesquisa e sustentam os objetivos propostos. É a minha fundamentação práxica, na medida em que chamo o autor para dialogar com o meu objeto de pesquisa.
No Capítulo 3 – "A oferta da Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos: pressupostos, concepções e historicidade" – trabalho os conceitos de trabalho, práxis e emancipação na perspectiva marxista, aportes de minha fundamentação práxica. Registro também a origem e historicidade da oferta integrada, tanto no âmbito federal como no estadual. Finalizo apresentando a conjuntura atual da oferta integrada no DF e a importância desta para a Educação de Jovens e Adultos.
No capítulo seguinte – Currículo: concepções e naturezas da integração
– destaco as concepções de currículo e integração com base em autores que tratam do tema (BERNSTEIN, 1996; SANTOMÉ, 1998; APPLE, 2008; LOPES, 2008; RAMOS, 2010; SACRISTÁN, 2000; CIAVATTA, 2005), e a relação entre poder, ideologia e discurso pedagógico no currículo. Apresento a argumentação de Lopes e Bernstein sobre a recontextualização e o discurso pedagógico no qual o currículo se configura. Apresento também o estado do conhecimento da Educação Profissional integrada à EJA, assente na pesquisa realizada em vários artigos sobre a temática, para identificar as naturezas de integração presentes em cada publicação encontrada. Procuro identificar essas naturezas de integração e a relação delas com a perspectiva adotada em minha pesquisa, sob a construção coletiva de currículos integrados por mim desenvolvidos. Finalizo destacando o papel da gestão escolar e dos professores na construção do currículo integrado e sistematizando o capítulo, com base em definições e sentidos da integração.
O Capítulo 5 apresenta O real concreto/vivido com os resultados alcançados
da pesquisa-ação marxista desenvolvida. Apresento a experiência da criação e implantação do curso técnico em Administração – Proeja –, no Instituto Federal de Brasília – campus Gama –, como base material de minha pesquisa no período de 2016 a 2018. Destaco também nesse capítulo as conquistas oriundas com o exercício do currículo integrado, detalhando as contradições do processo. Para cada objetivo da tese me reporto ao movimento práxico vivenciado por professores, gestores e educandos e educandas, no sentido de registrar todos os aspectos alcançados nesse movimento. A colcha vai crescendo, quando cada retalho chega, ou seja, cada situação vivida se fixa no retalho antigo ou na prática anterior, passando a se constituir enquanto colcha e contribuindo com suas cores e detalhes, ou também enquanto reflexões que aprimoram e fortalecem o coletivo.
No último capítulo, falo das considerações finais da minha pesquisa e minha proposta/inconclusão/conclusão como práxis da minha vida, e, como tal, em permanente acontecimento e vida.
Submeto-a agora ao leitor para que possa vivê-la e minimizar suas incompletudes.
1
QUAL A MINHA RELAÇÃO COM O OBJETO PESQUISADO?
Ensinar não é transferir conhecimentos.
– Paulo Freire
Demorei muito para entender que ensinar não é transferir conhecimentos. Só depois de um período de magistério, com estudantes da Educação Infantil e de 1ª a 4ª série, nos meus primeiros anos de carreira, parei para pensar no que estava fazendo e que eu não estava gostando dos meus próprios resultados. Na alfabetização, com o método silábico, seguindo toda aquela sequência repetidamente, não alcançava todos os meus estudantes. Isso começou a me incomodar. O que eu estava fazendo de errado? As mudanças no magistério na década de 1980 fervilhavam na minha mente, e isso me interessava, acabando eu por buscar respostas no novo contexto. Ainda não sabia filtrar tantas informações, mas era entusiasmada e sempre pronta para novidades. Este sempre foi o meu perfil: aberta ao novo e tenaz naquilo que acho certo!
Sou formada em Pedagogia e atuei na formação técnica de professores no Ensino Médio, de 1992 a 2000. Minha aproximação com o meu objeto se origina em 2008, após a conclusão do meu mestrado em Engenharia de Mídias para a Educação. Fui convidada pela gestão da Escola Técnica de Ceilândia, em Brasília, para atuar na implementação dos cursos técnicos em Informática e em Administração integrados à EJA, na modalidade a distância, da Rede e-Tec Brasil⁷. Foi a partir dessa aproximação com esses cursos que me envolvi em buscar compreender como concretizar a integração entre a Educação Profissional e a Educação de Jovens e Adultos.
Como designer educacional e coordenadora pedagógica desses cursos da citada instituição, e sendo pedagoga num ambiente predominantemente tecnicista, inquietava-me bastante o plano do curso integrado aprovado pelo Conselho de Educação do Distrito Federal, em novembro de 2009. O plano de curso aprovado não tinha nada que concretizasse a integração, sendo um curso com as duas ofertas (propedêutica e profissional) justapostas, sem nenhuma articulação e integração de fato. Ao perceber isso, procurei estudar sobre o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos⁸ (Proeja) e as possibilidades existentes no documento oficial que me ajudassem a encontrar uma organização pedagógica que integrasse as duas áreas de formação. Na verdade, tudo nesse período era muito novo para mim e para as pessoas que estavam à frente da instituição e do curso! Muito pouco se conhecia sobre o Proeja, e as poucas experiências pedagógicas existentes para análise, no âmbito federal, nem sempre eram bem-sucedidas, como no nosso próprio exemplo.
Elaborei uma proposta de organização pedagógica dos cursos onde criava mecanismos de integração e uma organização curricular por meio de dimensões formadoras, buscando integrar os conhecimentos de forma horizontal e vertical, criando eixos e projetos. Passamos a reunir todos os professores, para elaboração do material pedagógico próprio dos cursos. O resultado foi a implantação dessa proposta inovadora por um ano (2009) e interrompida por falta de amparo legal, pois não tinha sido prevista/elaborada inicialmente nos planos de curso que já tinham sido aprovados. Os professores e a gestão da escola não quiseram manter essa organização, em função do não escrito. Como consegui perceber avanços que não foram consolidados, fiquei contrariada. A partir daí, em espaços de atuação, oportunidades de escrita e em eventos específicos, passo a defender uma organização pedagógica mais integrada desde sua concepção inicial do curso, envolvendo o coletivo de professores e gestores na condução dessa organização.
Em 2009, atuo como professora no curso de especialização do Proeja, pelo Instituto Federal de Brasília, ministrando duas disciplinas: Concepções Curriculares da Educação Profissional, e Práticas Curriculares. Os discentes eram oriundos do IFB e da Secretaria de Estado de Educação do DF. Também atuei como professora do curso de especialização em Educação na Diversidade e Cidadania, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Faculdade de Educação/UnB, na primeira (2009-2010), segunda (2013-2014) e terceira edição (2014-2015), respectivamente.
Vivo a experiência do Proeja-Transiarte⁹ (2008-2012), em que atuava na Escola Técnica de Ceilândia (Educação Profissional) numa articulação com outra instituição: Centro de Ensino Médio 03 (educação propedêutica), desde 2007, na perspectiva de implantar uma oferta de integração da Educação Profissional com a EJA na modalidade presencial. O desafio de aproximar a linguagem da Transiarte com a Educação Profissional (EP) é o que me instiga a buscar soluções sobre os obstáculos existentes, como a fragmentação do conhecimento e as possíveis formas de resolvê-los, como a construção coletiva de projetos integradores, para a implantação de um curso integrado.
Após a experiência de coordenação pedagógica dos cursos técnicos integrados na Escola Técnica de Ceilândia¹⁰, passei a ser gestora dessa instituição por um ano e nove meses (fevereiro/2011–setembro/2012), sendo convidada a fazer parte do Grupo de Pesquisa sobre o Currículo Referência da Capes, sob organização da UFSC, da Rede e-Tec Brasil. Nesse espaço de pesquisa passei a coordenar, conjuntamente com Laffin e Pereira, o subgrupo do Proeja, e desenvolvemos um relatório sobre o estado da arte dos cursos