Toda comida tem uma história
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Toda comida tem uma história - Joana Monteleone
Copyright © 2016 Joana Monteleone
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Editores: Raquel Menezes e Luis Maffei
Capa: Danielly de Jesus Teles
Imagem da capa: A grande cozinha do Royal Brighton Pavilon.
Projeto gráfico e diagramação: Danielly de Jesus Teles
Revisão e preparação: Alexandra Colontini e Haroldo Ceravolo Sereza
Produção de ebook: S2 Books
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Monteleone, Joana
Toda comida tem uma história : e outros ensaios da gastronomia / Joana Monteleone. – Rio de Janeiro : Oficina Raquel, 2017.
162 p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-9500-010-0
1. Gastronomia – Ensaios 2. História 3. Alimentos – Ensaios 4. Culinária – História I. Título
17-0936 CDD: 641.01309
Índices para catálogo sistemático:
1. Gastronomia : História : Ensaios
Para minha avó Lourdes
o
Menu ou Sumário
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Prefácio
Entradas
As lentilhas da rainha Hatchepsut
O pão nosso de cada dia
A importância cultural do queijo Minas
Sobre o azeite e as azeitonas
A incrível história da sopa de tartaruga servida em São Paulo em 1878
Pratos principais
Toda comida tem história
O caderno de receitas de Leonardo da Vinci
O sushi e a cidade
Os banquetes de Asterix e Obelix
Hemingway e o alho-poró
O gás de cozinha e a revolução na Gastronomia
Depois do Descobrimento
O picadinho paulista e os bacharéis de Direito
Sobremesas
Açúcar e industrialização
Confeitarias: uma nova sociabilidade urbana
Antonin Carême, arquiteto do açúcar
O chocolate e o dia do débarquement
As maçãs de Cézanne
Um cheesecake de 250 anos
O sorvete antes da geladeira: uma paixão carioca
O Papa e o bolo Pachalis
Manjar branco, uma história portuguesa
Bebidas
Por uma história da cachaça
Os alemães e cerveja brasileira
A importância econômica da cerveja
O café de Balzac
Bibliografia
o
Prefácio
Escrevi esses textos há muitos anos, quase uma década já. Foi um momento importante na minha vida, quando deixava de ser jornalista e começava a vida de pesquisadora acadêmica e editora na Alameda. Minha filha Helena tinha uns quatro anos, e meu caçula Francisco acabara de nascer. Os textos saíram em forma de uma coluna mensal na revista História Viva. Convidada pela editora Graziela Beting, topei na hora o desafio. Com muitos anos de jornalismo, sonhava em fazer uma pesquisa aprofundada sobre história e comida. Havia passado anos a colecionar os mais variados tipos de livros sobre o assunto – de livros de receitas antigos a livros curiosos sobre o tema. Montei uma razoável biblioteca de títulos queridos, que até hoje estão comigo.
Os ensaios foram escritos numa espécie de transe, já que as horas de sono eram poucas e as de trabalho para montar a editora e estudar eram muitas. Eu tinha total liberdade para escolher os temas – e tentava variar bastante os assuntos e as épocas. Olhando retrospectivamente, eu possuía uma clara preferência pelo século XIX. Também não por acaso, o século XIX foi o tempo do meu mestrado, Sabores Urbanos: alimentação, sociabilidade e consumo (São Paulo, 1828-1910). Ainda que fossem textos pequenos, escrevi sobre vários assuntos que gostava e não pude aproveitar para a dissertação, que sempre tem um caráter mais formal e temática restrita.
Sendo assim, nesse pequeno volume estão arrolados um texto sobre um livro querido de Balzac, o Tratado dos excitantes modernos, em que pude contar um pouco da paixão de um dos meus escritores preferidos pelo café e de como este ato influenciou sua literatura. Escrevi também sobre o famoso cozinheiro Antonin Cârame, o grande cozinheiro de reis na Europa do século XIX. Também coloquei paixões infantis no livro, como o texto sobre Asterix e Obelix e as orgias gastronômicas que ocorriam em suas aventuras. Alguns dos textos também foram versões bem iniciais sobre assuntos depois retomei na dissertação, como a cerveja, o sorvete e a sopa de tartaruga. Cada documento novo que julgava importante me animava a escrever. Afinal, desde muito cedo escrever foi uma forma de colocar as ideias no lugar.
Os textos, contudo, não têm pretensão acadêmica. Não têm, portanto, notas de rodapé ou citações complexas. São pequenas anotações e curiosidades, pensadas para continuar a ter esse formato. Acabei, nesta edição, por organizar uma pequena bibliografia, muito por causa dos meus anos como pesquisadora, mas também em respeito aos leitores que por ventura tenham curiosidade de seguir essas pistas.
Fugi da tentação de escrever novos ensaios, sobretudo para não escancarar a mudança por que passei nessa última década. Explico: quando preparei esses vinte e poucos textos, era ainda muito jornalista. Já havia sido contaminada pelo vírus
do rigor acadêmico, mas ele ainda não provocara minha completa mutação – sentia-me livre para redigir um tanto despretensiosamente. Hoje, se fosse voltar a textos semelhantes, passaria meses procurando uma referência, um documento a mais, um autor importante. Cada ensaio teria mais de 15 páginas de discussão, e não a brevidade e a velocidade de uma leitura feita, essencialmente, para abrir o apetite dos leitores.
Mas, mesmo assim, queria deixar registrados alguns temas que ainda me perseguem em sonhos. Queria ter escrito sobre a coleção de livros de receita de uma das filhas de Jorge Street, que por uma dessas voltas do destino veio parar em minhas mãos, dos quindins da Bahia, da fabricação de licores, do livro das noivas da Julia Lopes de Almeida. Talvez ainda o faça no futuro.
Depois de tantos anos com as colunas guardadas num arquivo perdido em meio a tantos outros, passei uma tarde a relê-los. Modestamente, achei os textos leves e agradáveis. O Haroldo Ceravolo Sereza também leu e achou que valia a pena organizá-los e publicá-los. Na verdade, a ideia de transformar as colunas em um livro foi dele. Eu havia acabado de editar os Sabores Urbanos e estava animada com o assunto. Odiaria tê-los perdido numa troca qualquer de computador.
Então, aqui apresento esses breves ensaios sobre história e gastronomia. Não chegam a ser um banquete, mas não fazem feio, diriam os portugueses, como um pequeno almoço.
Gostaria de agradecer especialmente a Raquel Menezes, que topou o desafio de editar uma editora. O processo de edição nunca é fácil, mas a sensibilidade e a delicadeza da Raquel me deixaram confiante e animada.
Entradas
o
As lentilhas
da rainha Hatchepsut
A múmia da mulher mais poderosa a governar o Egito Antigo, Hatchepsut, foi identificada há pouco tempo pelo maior arqueólogo do país, Zahi Hawass. Hatchepsut viveu há cerca de 3,5 mil anos atrás, era filha de Tutmés I e da rainha Ahmose, e casou-se com o meio-irmão Tutmés II, como era costume em seu país. Quando o marido morreu, o herdeiro oficial, Tutmés III, ainda era criança. Desta maneira, Hatchepsut assumiu o poder – e governou por cerca de 20 anos, num dos mais longos e pacíficos reinados da história dos faraós.
Hatchepsut gostava de comer – a múmia encontrada no Vale de Deir el-Bahari era obesa e suas representações também a mostram desta maneira. Mas, falar da comida no Egito