Um mundo melhor
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Sobre este e-book
Cristina Caldas
Cristina Caldas nasceu na pequena cidade de Álvaro de Carvalho, cresceu na Capital de São Paulo e se mudou para o Rio de Janeiro no início de 1999Onde reside atualmente.Trabalha na área da saúde.Nas horas vagas Não abre mão de uma boa leitura e de apreciar a natureza.
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Um mundo melhor - Cristina Caldas
Nota: Todos os personagens que fazem parte dessa obra são fictícios.
Copyright© 2021 by Cristina Caldas
Direitos em Língua Portuguesa reservados à autora através da
LITTERIS® EDITORA.
ISBN: 978-65-5573-029-6 (versão digital)
ISBN: 978-65-5573-030-2 (versão impressa)
Arte Final de Capa: Teresa Akil
Revisão: José Mauro de Freitas
Editoração: Litteris Editores
Editoria: Artur Rodrigues
Deucimar Cevolela
Conversão: Cevolela Editions
CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
LITTERIS® EDITORA
CNPJ 32.067.910/0001-88 - Insc. Estadual 83.581.948
Av. Marechal Floriano, 143 sala 805 - Centro
20080-005 - Rio de Janeiro - RJ
Tel: (21)2223-0030/ 2263-3141
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www.litteris.com.br /www.litteriseditora.com.br /www.livrarialitteris.com.br
Dedico esta obra aos amigos, Luciano Cruz, Karla Alves, Débora,
Rodrigo, Denner, Priscila, Paola, Bruno, Bruna e Nete Freitas.
In memoriam de Marilene Frade, escritora e amiga.
Maria dos Reis de Jesus Souza Silva e Túlio.
Prólogo
O preconceito de um pai, o amor de um outro, a fé e a luta de quem os criou, transformaram a vida de Augusto e José, em uma verdadeira via-crúcis.
"Tô morrendo, Ciço.
Vou despachar Zé com dona Carmem.
Crie ele, bote na escola, faz ser trabalhador."
A voz do reitor, num discurso acalorado, ressaltando o valor da educação, vibrava na penumbra do teatro lotado de familiares e amigos dos formandos.
Alinhados à direita da mesa dos docentes, jovens, elegantes em suas becas, aguardavam o grande momento. O perfume das flores que ornavam o palco se espalhava pelo ar. Emocionado, Cícero forçava a vista cansada para enxergar José entre os colegas de turma.
Lembranças de um passado, não muito distante, lampejavam em sua mente desde o início da cerimônia.
"Prezado irmão, as notícias não são boas, Severino e dona Chica morreram. Disseram que a mulher, enlouquecida pela fome, ateou fogo na casa. Aqui, continua tudo igual, açude seco, criança morrendo e miséria por todo lado. Em Cariri, a situação é tão feia, mas tão feia, que não se avista um único pé de mandacaru! Lagarto, bacurau e saruê devem estar extintos no sertão.
Como último recurso, o povo mandou pro bucho. Ouvi dizer que o prefeito, com medo do filho adoecer, despachou o bichinho pra bem longe daqui. No sertão, nada muda, até as promessas dos políticos são as mesmas."
Nervoso, ele se mexeu na cadeira ao notar os olhos de José cravados em Augusto, sentado ao lado. O perigo rondando, tirando o sossego numa hora tão imprópria, trazendo consigo faíscas da longa jornada, e, por que não dizer, o maior desafio de sua vida.
Os sacos de cimento nas costas, morro acima, ladeira abaixo. O corpo vergado com o peso da caixa de sorvetes nos fins de semana ensolarados. O deslumbramento de José ao ver o mar pela primeira vez:
"Painho tinha razão, é grande por demais!
São seus netos?
. Essa pergunta o deixava embaraçado. Não. São meus calanguinhos. Vieram da Paraíba para estudar.
Agora não. Agora, podia falar com orgulho: São meus filhos! Eu os criei. E ninguém pode tirar isso de mim!
Quantas noites perdera o sono preocupado com as contas, com a comida, com os cadernos...
Porém, se morresse naquele momento, morreria feliz.
Eram homens feitos. Melhor dizer, pessoas de bem.
Quinze anos haviam se passado, as pernas não eram fortes como antes, a força dos braços já não era a mesma, mas ainda era capaz de recordar, com precisão, o dia em que os recebera. Fazia um calor infernal no Rio de Janeiro. Rodoviária lotada. Em meio ao mundaréu de gente, encontrou dona Carmem, lenço na cabeça, filho nos braços, com os pirralhos grudados na saia.
– A senhora tem certeza que Severino mandou entregar os dois? – Oxente! É claro que tenho! Ele me fez jurar que entregava os bichinhos pro senhor. Os documentos tão aí, na mala.
As imagens das crianças surgiram tão nítidas que o fez estremecer levemente.
José era o típico menino da caatinga: pernas finas, barriga grande.
Augusto, não. Os olhos negros de José transmitiam força; os azuis de Guto, tristeza sem fim.
– Qual é o nome dessa princesinha? Pois é, desde pequeno confunde a gente.
– É macho – disse José.
– O quê?!
– É macho.
– Oh, desculpe aí, cabeludinho. – O danadinho grudou em seu pescoço e só soltou ao chegar a casa.
Talvez o instinto paterno tenha sido despertado naquele instante, ou, com o susto, ao lhe tirar a camisa. Quem o surrou fez questão de não ser esquecido.
Morava de aluguel num cortiço no centro da cidade e mal sustentava a si mesmo; não tinha como criar uma criança, quanto mais duas.
Porém, jamais diria não ao único irmão de Sebastiana.
Severino era homem bom. Largou a mulher prenhe e foi ajudá-lo a cuidar da esposa que agonizava no hospital de Campina Grande; até o enterro ele pagou. A doença havia consumido o pouco que tinham. Vá pra longe, comece outra vida
, foram suas últimas palavras.
Céu de brigadeiro, Carcará circulando no alto, corrupião cantando no umbuzeiro e eu me sacolejando no pau de arara.
A bagagem cabia no bolso: um naco de rapadura e um talho de jabá.
Ah, Sebastiana... Eu fiz o que você me pediu, mas a saudade veio junto. Eh, velho Ciço
(era assim que o chamavam), tá ficando mole
, pensou.
Embora tivessem a mesma idade, Augusto era alto comparado a José. Pele clarinha, tão clara quanto a neve. Cabelo lisinho, nariz arrebitado. Zé entrou embaixo do chuveiro com roupa e tudo, encantado com a abundância de água. Tirá-lo de lá deu um trabalhão.
Guto foi direto para a cama. Não falava, não chorava. Mal se mexia. Tentou fazê-lo comer, tomar banho; tudo que o danadinho fazia era enlaçar seu pescoço. No dia seguinte desmaiou em seus braços.
Tempo difícil. Achou que iria enlouquecer. O pobrezinho passou dias no hospital. Enquanto velava-o à beira do leito, a palavra devolução
ocorreu-lhe.
O medo de alguém quebrar as costelas dele outra vez fez a ideia desaparecer tão rápido quanto surgiu. A vontade de protegê-lo foi maior que o bom senso e a razão.
Bastou abrir a porta com Guto escanchado no cangote, para Zé agarrar suas pernas dizendo que os pais tinham morrido. Esse fora o motivo de escrever a Cosme. Ia pedir também informações sobre Guto.
Deslizava a caneta sobre o papel quando o branquelo sorriu. Bastou.
Dobrou a carta, enfiou no envelope. O cunhado era homem de brio, tinha as mãos calejadas pelo cabo da enxada. Mal sabia ler e escrever, contudo sua palavra valia mais que documento; se mandou entregar, estava em entregue.
– Carece ler não! Sei que morreram! – foi o que dissera quando Cosme lhe respondeu.
– Como você sabe?
– Sabendo.
Assim era José: direto, igual Severino.
Passou a primeira semana acabrunhado.
Atribuiu isso ao choque cultural. Ele também estranhara muita coisa ao desembarcar na Cidade Maravilhosa. Maravilhosa para os ricos.
Pobre passa aperto em qualquer lugar.
Nos primeiros dias, acordava desejando sentir o cheiro da terra, a comida feita no fogão a lenha, todas as coisas boas e simples da vida no campo. Para quem troca os espinhos da caatinga pelo verde das montanhas que abraça a cidade de edifícios altos e se vê diante da imensidão de um mar azul, é como mergulhar num mundo novo.
Passado o período de adaptação, soltou a língua. Guto só abriu a boca muito tempo depois; pensaram até que fosse mudo.
Eram duas horas da tarde de um dia nebuloso; não se enxergava nem um pedacinho do Cristo Redentor; a neblina cobria tudo lá no alto.
Ele lavava a louça do almoço com o garoto grudado nele. Zé cochilava todo encolhidinho no meio das cobertas. O rádio começou tocar uma música suave. Atraído pelo som mágico do piano, pediu para aumentar o volume. Ao ouvir sua voz, José saltou da cama, ficou encarando o menino, aguardando uma explicação ou algo parecido.
Tinha o disco de vinil do artista, perdido em algum lugar no meio da bagunça. Levaram três horas para achar o tesouro.
A terapia de procura daqui, procura acolá surtiu efeito imediato; na manhã seguinte acordou estranhando tudo.
Mesa arrumada, não mais com os copos de plástico, mas, sim, com xícaras de porcelana, encontradas no meio das tralhas, jarra de cristal com água e uma pequena cesta de palha que aguardava o pão. Havia caixotes de madeira, dispostos simetricamente para serem usados, na falta de cadeiras.
Mal abrira os olhos, o pestinha já tava pendurado em seu pescoço. – Bota a música, pai.
E é com essa música na vitrolinha que os acorda até hoje. Nunca conseguiu se entender com o stop, pause e play dos aparelhos modernos; era só ligar a vitrola, botar o braço agulhado sobre o disco e pronto.
Claro, os nomes dos legítimos pais constavam na certidão de nascimento; temeu que batessem à porta reclamando o filho. Guto nunca se referiu a eles, sequer pronunciava seus nomes; ao ser questionado, respondia: Cícero da Silva.
Isso devia dar nó na cabeça de todo mundo.
Augusto Gutemberg chamava-o de pai na frente de qualquer um, sem qualquer constrangimento.
O tempo passou tão depressa. Parece que foi ontem que os encontrei exauridos da viagem.
Viraram a minha vida pelo avesso. E me fizeram pai, quando eu devia ser avô. Precisei voltar a trabalhar. Precisava botar comida na mesa e pagar o muquiço que os dois transformaram em lar.
A sensação de entrar na casa errada, ao voltar da labuta, era frequente. Augusto selecionava e vendia tudo o que julgava não ser útil. O muquiço foi ficando maior.
Era habilidoso, transformou os caixotes de madeira em pufes, com estofamento e forração. Cortina velha virava toalha de mesa e porta-travesseiro. Nem minhas ferramentas foram poupadas. Martelo, serrote e colher de pedreiro, após serem lavadas, eram penduradas aos pregos fixados milimetricamente na lateral da janela. O guarda-roupa quebrado desapareceu. Roupas sujas ninguém via mais. Estavam limpas, dobradas, no gaveteiro. E ai de quem as misturasse!
Os dois não se assemelhavam em nada, isso ficou mais explícito no início das