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Che Bandoneón: Retrato do gênio do tango
Che Bandoneón: Retrato do gênio do tango
Che Bandoneón: Retrato do gênio do tango
E-book74 páginas1 hora

Che Bandoneón: Retrato do gênio do tango

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Sobre este e-book

Biografia romanceada do músico argentino Astor Piazzolla (1921-1992), o reinventor do tango, que aparece sob o nome Ángel Pianese neste livro em que o autor usa técnicas de ficção mescladas ao jornalismo literário.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jun. de 2021
ISBN9786586396126
Che Bandoneón: Retrato do gênio do tango

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    Che Bandoneón - Renato Modernell

    Gird - Renato Modernell

    Sumário

    Capa

    Che Bandoneon

    Sobre o Autor

    Créditos

    Landmarks

    Capa

    Table of Contents

    Title Page

    Body Matter

    Copyright Page

    Mare Magnum - Renato Modernell

    Para Luis Reyes Gil.

    La memoria guardará lo que valga la pena.

    La memoria sabe de mi más que yo

    y ella no pierde lo que merece ser salvado.

    Eduardo Galeano

    Dias y noches de amor y de guerra

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    Mar del Plata, o ponto de partida.

    Depois que o tempo passa, não custa ser sincero: até hoje não sei se eu queria mesmo aquele filho. Verónica me dizia: < Roberto, pensa bem. Ela cortava outra fatia da torta de maçã e dizia de novo: < Um filho não é como uma motocicleta. Pensa bem.

    Eu era piloto e mecânico de motocicletas. Naquela época, Mar del Plata era calma e luminosa como todos os lugares que nos viram mais jovens. Se não nos sobrava dinheiro, tampouco nos faltou um bom vinho em cima da mesa. Minha oficina era pequena, mas tinha uma freguesia fiel. Quando Verónica disse que estava grávida, lembro bem, peguei a moto e saí para dar umas voltas pelos arredores da cidade.

    Nessa tarde tive muita azia. No porto, acabei fazendo uma coisa que sempre me parecera infantil e provinciana: acenei para um enorme transatlântico branco ou amarelo creme que saía em direção ao Atlântico Norte. Do convés, três ou quatro passageiros sacudiram os lenços. Antes de ligar o motor da moto, estacionada à sombra de um plátano, olhei para a cidade e vi que ela também era bonita, como o oceano. Eu realmente não sabia se queria aquele filho que já estava dentro de Verónica. Peguei a moto e tomei o caminho da oficina, do outro lado do porto. Talvez tivesse meus trinta e poucos anos, acho que já usava bigode. Uns trinta e dois, se tanto.

    Nesse dia, não havia muito o que fazer na oficina. Paco desmontara o carburador da moto do Doutor Medina, as peças já estavam de molho no querosene. Ficamos o resto da tarde discutindo boxe e ao anoitecer fomos tomar graspa no armazém da esquina. Quando me despedi dele, cheguei a esquentar a moto, mas logo me dei conta de que não queria ir para casa.

    Voltei à oficina, liguei o rádio e fiquei até mais de meia-noite terminando uma estatueta do General San Martín que meu sogro me havia encomendado. Nem percebi a fome, atento aos tangos. Percebi apenas que naquela noite um outro Roberto Pianese como que se desgarrava daquele corpo antigo que eu havia pilotado até ali, com tantos sonhos de sair mundo afora. Quando cheguei em casa Verónica estava dormindo.

    Evitei esbofeteá-la. Afaguei seus cabelos, com carinho, beijei sua testa e depois, alisando o ventre, tive a nítida impressão de ouvir um corajoso e frágil coração batendo lá dentro, mas seria impossível. Beijei de novo o rosto de Verónica e fui até a cozinha. Havia um resto de macarrão no fundo da panela.

    Enquanto o relógio de parede repetia um tique-taque seco, comi pensando no meu sogro, que mastigava a massa contando casos da Toscana e esguichando molho de tomate na família inteira, pelo canto da boca. Não sei por que pensei nele. Acho que porque ele jamais voltaria à Toscana, depois da trombose. Arrotei, peguei um palito e abri a janela da cozinha. Me senti muito sozinho nessa noite de verão. O céu de Mar del Plata estava carregado de luzes.

    Dois meses depois, Verónica começou a ter muito apetite e sonolência. O médico disse que era normal.

    No dia 11 de março de 1921 ainda desembarcavam levas de italianos na Argentina. Aquela gente fugia de um continente devastado pela guerra e pelo desânimo. A América era a Terra Prometida. Trinta anos antes, havia surgido o tango. Mistura de habanera com ritmos andaluzes, proliferou em San Telmo, Barracas e sobretudo na Boca, os bairros baixos de Buenos Aires. O espírito portenho requeria uma música fatalista, sensual e debochada. Há cidades que secretam música, essa misteriosa proteína.

    Na década de 1920, o tango atravessava sua terceira fase, a era Gardel. A primeira fora a das coplas, cantadas por trovadores anônimos; a segunda, instrumental. Até que surgiu Carlitos Gardel, com uma pinta no rosto, cabelos empastados de brilhantina e uma voz pungente e densa. O tango estava no terceiro sono, o mais profundo de todos.

    Não sei se nasci em março de 1921, conforme lavrado em livros, ou se no quilômetro mais remoto que minha memória alcança: aquele violento cheiro de clorofórmio das várias operações seguidas que me salvaram uma perna da paralisia. Acho uma insolência afirmarem que meu minuto zero da existência foi ao sair das mucosas escuras de Verónica para a placenta ensolarada e mediterrânea de Mar del Plata, balneário que recebia tango através da longa estrada que chegava da capital.

    Havia centenas de cartórios de registro civil pela Argentina afora. Num deles escreveram: Ángel Pianese, sexo masculino, nascido em 11

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