Céu ausente
De Gustavo Rios
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Céu ausente - Gustavo Rios
Ainda hoje lembro o medo, a voz de nosso pai ao despertar: éramos três a machucar a terra antes do Sol. Como não desejar outra vida? Logo eu que sempre fui o avesso, a agonia que brotava na insônia, o casulo.
Repetíamos o dia anterior no seguinte. O pouco para nos manter em pé, levantar da cama, lavar o rosto e seguir — e meus braços vacilavam, não tinham a mesma fibra. Por isso, todas as tardes fugia: a pocilga, um pouco do mel para a alma; vocês boiavam na obrigação da sesta enquanto isso.
Nunca imaginei que alguém veria. Muito menos nossa mãe.
Foi a última coisa que ela enxergou antes do breu que a seguiu. Até o fim. Carregava nossas roupas a caminho do varal, a sesta não a havia alcançado. Seus olhos eram a própria pele; cada poro, som ou movimento; cada toque explodindo em sua mente, a imagem mais pura: era eu, a pocilga. Era eu e a porca.
Depois, o escuro, nossa mãe e suas retinas inúteis: cega.
A partir dali, somente ela saberia a escrita do vento no molde das pedras, nas árvores, no coração de seus filhos.
Parti, era noite. A casa quieta depois do choro e da surra. Sangrava.
***
Conheço bem o caminho que o trouxe, irmão. E não foi apenas a porca, esse obscuro deleite. Nem os livros que um dia encontramos numa caixa e que eu insistia em decifrar antes que a chama do dia se apagasse. Tinha muito mais em mim. Não foi somente o deleite, repito. Foi necessidade: eu não cabia mais naquele mundo.
Por isso, ao chegar aqui, tentei reproduzir o sonho. Pedaços sem forma, cacos, ideias vagas. Nada da certeza que o sangue empresta aos desejos e à carne: era muito mais. Buscava as cores que nunca tinha visto sem o peso de minhas raízes.
Foi uma difícil caminhada: viemos eu e o cão, a caixa com os livros. Veio a porca que animaria meus dias, aqui nesta casa. Principalmente os chuvosos — o fosso negro dos olhinhos, a lisura da papada contra o cinza das tardes: a chuva ainda era bênção, novidade para mim.
Atravessamos as serras; aguentamos o pior. O cão latia e era forte, bastava. Mas não tinha graça.
Por isso foi o primeiro.
Foi numa noite assim que o matei. Os relâmpagos feriam a paisagem. Quase desisti: o céu encoberto, os latidos, o desespero, a fidelidade. Estávamos na nova morada, longe do inferno. Não presta esse cachorro, pensei na hora, apesar de forte e bravo; não presta quem ignora a passagem do tempo, quem não tem malícia (mesmo um animal). Sangrava-o com a faca paterna. Evitava as perguntas: por que não a porca imensa e farta? Por que não os passarinhos capturados no acaso daquela manhã num vislumbre de sol?
Mas sentir era necessário e a porca me distraía. Alegrava-me, ria dela — a vida sempre foi algo além do corpo, desde sempre. Por isso durou mais, a porcona!
Com ela havia alegria e reconciliação. Não era mais a nova terra, os livros inúteis ao sustento, a esteira para o repouso, os passarinhos. Muito menos a ancestral dignidade de bípede: a noite surgia, máscaras ao chão; eu e ela. Sombras cobriam as paredes e o teto. A convulsão das velas distorcia os movimentos já sem o peso da culpa; a alma pedia alimento, eu obedecia. O corpo também: necessário expulsar o pólen.
***
Enquanto o vejo limpar as botinas no chão, penso se você faria diferente. Mas a pergunta se anula nas trevas e no esquecimento, assim como a resposta. Não perdi a razão por capricho: foi necessidade da alma, do corpo, da amplitude dos sonhos. Desde sempre, irmão.
Era como uma semente quase morta em meu peito, desde o nascimento. Crescendo na medida em que as coisas mudavam. Ela se fortalecia, inchando, mais fértil a cada entrega; crescia na labuta, no negrume das unhas cavando esta terra encharcada, estéril como a de nossos pais. Crescia no