Um homem forte do sertão: baseado em uma história real
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Um homem forte do sertão - José Raimundo Macário
Dedicatória
Dedico esse livro a todos os leitores que estão lendo nesse momento, aos vaqueiros de todo o Brasil, a todos da família Macário, às cidades de Euclides da Cunha, Canudos e Monte Santo. A todos os filhos de Mariano Macário. Aos amigos que me apoiaram, às vezes sem acreditar que seria possível. À Maria José de Jonas, Raimundo de Zé Artur, Alfredo Cardoso, Josefa Cardoso, Egídio Ferreira, em especial à Tia Zefinha de Mané de Zuza, Tio João, tinha Neném, minha mãe Janira e meu pai Raimundo pela importância de relatar os fatos acontecidos. Aos meus irmãos, a minha amiga incentivadora Lucilene Ornellas, a todo o povo do Rosário, Raso e Rio do Suturno, distrito de Canudos – Ba.
Prefácio
Essa é uma história real de um homem que nasceu e viveu entre os séculos XIX e XX em Canudos, no sertão da Bahia. Mariano Macário, filho de José Macário e Luiza de Jesus, começou a trabalhar para um grande coronel da região. Aprendeu primeiro a labutar com a criação de cabras, depois foi contratado para cuidar de gado. Com todos os obstáculos sociais e estruturais da época, criou 12 filhos, casou-se com uma linda mulher de olhos azuis, Brasilina, filha de Inocência.
Da terra improdutiva fez brotar esperança e alimentos para todo seu povo, criou animais de várias raças, construiu um Cemitério no povoado, casa de farinha e cacimbas em suas terras. Defendia sua família, era analfabeto, queria o melhor para todos os seus filhos, na fazenda contratou professores particulares e todos aprenderam a ler e escrever. A distância da sua fazenda para Vila do Cumbe, atual Euclides da Cunha, BA, são aproximadamente 46 quilômetros, ia para a feira comprar mantimentos andando ou de animal. Não havia veículos automotores na região, tinha influência com os grandes fazendeiros e comerciantes da cidade, era respeitado e procurado para passar sua experiência. Na caatinga do sertão conhecia de tudo, da geografia do local às plantas medicinais, rezava contra bicheira em animais, amansava boi selvagem no mato e expulsava invasores das suas terras.
Toda história contada se passou no sertão de Euclides da Cunha, Canudos e Monte Santo. Na época Euclides e Canudos eram povoados de Monte Santo, Euclides foi emancipado em 1938 e Canudos em 1985. As cidades são históricas, a guerra de Canudos aconteceu quando Mariano era jovem e teve irmãos e tios participando da batalha. Canudos ficava no distrito onde caiu o famoso meteorito de Bendegó. Euclides, antiga Vila do Cumbe, que antes de vila era a fazenda do major Antonino, possuía nessa época uma grande concentração de índios Caimbés, na fazenda Massacará, recebeu o nome para homenagear o carioca escritor da guerra de Canudos Euclides da Cunha. Monte Santo, uma cidade de peregrinos, em cima de uma grande serra com 1969 metros de subida, construíram no topo a capela principal e no caminho 25 capelas pequenas, todos os anos tem romaria: vários pagadores de promessas sobem em momento de muita Fé.
Além de relatarmos o progresso das ações de Mariano na sua fazenda, por lá passou o perigoso Lampião, o rei do cangaço, que com seus homens invadiram a sede da Fazenda Bonfim. Mas, lá, ele não fez vítima, veio fazer depois quando mandou matar João Devagar, o irmão da esposa de Mariano.
Mariano Macário era filho de José Macário e Luiza de Jesus, seus irmãos eram conhecidos como: Zezinho Macário, Antonio Macário, Lúcia, Porfiria, Chico Macário e Anjo Bola, do lado da sua esposa Brasilina, filha de José Gomes e Inocência. Tinha como irmãos: Cipriano, Isabel, Vicente de que pá, João Devagar, José Gomes e Francisca, a Família de Brasilina era oriunda do povoado dos Buracos, hoje denominado como São João da Fortaleza distrito de Cícero Dantas – BA.
O começo
Século XIX
— Bom dia, seu moço, estou à procura de trabalho, sou vaqueiro, mas também trabalho na roça, cavo cacimba, faço cerca e limpo o mato, venho andando, procurando trabalho para fazer.
— Bom dia. — respondeu o homem branco e alto que estava no alpendre da casa, era um fazendeiro da região, se chamava coronel Salustiano, olhava fixo para o rapaz de pele escura com porte físico e alto, aparentando 18 anos, deu um passo para frente e completou:
— Tudo bem? Como se chama?
— Mariano Macário, sou do Angico, pra lá do Rosário, (povoado de Canudos – Ba) o senhor tem algum trabalho na sua fazenda para mim? Posso tapar buracos nas cercas e cuido de animais.
— Ali fica o chiqueiro das cabras. — Salustiano apontava para seu lado esquerdo — Pode ir na cacimba pegar água e dê aos cabritos, estão com sede, o sol está quente demais.
Começava o trabalho de Mariano na Fazenda de Seu Salustiano, seria o vaqueiro da criação de cabras. O jovem ganhou respeito porque era muito trabalhador, por cerca de 2 anos foi o responsável do manejo das cabras. O trabalho era pesado de segunda até metade do dia de sábado. Nas noites de sábado gostava de ir ao povoado do Rosário, que ficava a 2 léguas do seu trabalho diário, sempre montado em um burro disponibilizado pelo fazendeiro. Chegava no final da tarde, em uma bodega já estavam vários vaqueiros da região, alguns encourados com perneira, gibão e chapéu de couro. Mariano estava alinhado e com roupas simples, era vaidoso e tinha planos maiores do que simplesmente a socialização com amigos e as pingas.
— Boa tarde. — Disse Mariano descendo do seu burro.
— Venha aqui homem e peça uma pinga para beber com nós. — era seu irmão Antônio Macário que foi ajudar amarrar o burro, na verdade, ele foi apreciar o animal, era realmente um belo asinino.
— Onde conseguiu esse burro, meu irmão? — perguntou Antônio.
— Não é meu, é do fazendeiro pra quem estou trabalhando.
Os dois irmãos seguiram em direção ao balcão da bodega e pediram duas cachaças quentes, após o dono colocar a medida de 3 dedos para cada um, viraram os copos em uma ação sincronizada até a volta dos copos vazios para o balcão.
— Ahhhh… — foi o som que fez Mariano quando terminou de beber, e depois completou — Essa é das boas, coloca outra pra gente.
Sentado à mesa com mais 3 vaqueiros estavam outro irmão de Mariano e Antônio, o agricultor Zezinho Macário, estava justamente negociando compra de bode para levar para Juazeiro.
— Comprando muito bode, Zezinho? — olhando para seu irmão, Mariano perguntou e foi logo oferecendo.
— Vou te vender uns lá da fazenda, vou falar com meu patrão Salustiano.
— Sim, eu compro, fale com ele e me diga o dia para ir lá ver os bichos. — Zezinho respondeu, ele era muito ativo.
Ao anoitecer os homens continuaram bebendo e dançando forró com as meninas do povoado, era um arrasta-pé que durava até a madrugada. Não tinham nenhuma preocupação, visto que no outro dia era descanso, a maior parte deles não arredava uma palha em dias de domingos, passavam o dia todo deitado no mato curando a ressaca.
As irmãs Lúcia e Porfíria, preocupadas com os irmãos, foram até o bar chamá-los para dormir.
— Vamos, Mariano e Zezinho, vamos dormir na casa de Antônio, ele já foi e mandou vir buscar vocês.
O arrasta-pé estava bom demais, os irmãos respeitavam as irmãs.
— Vamos, vamos. — Gritou Porfíria.
— Espere, espere, tenho que levar o burro. — disse Mariano.
— Será possível isso, e você deixou o animal amarrado esse tempo todo, Mariano! — com as mãos na cintura, indagou a irmã Lúcia.
— Estou levando e ele tem o dia todo amanhã para comer, só volto para a fazenda na segunda bem cedo.
Seguiram os 4 irmãos para a casa de Antônio que sempre dava hospedagem para todos, no domingo ainda fizeram uma farra, Antônio tinha matado um bode e deixou a buchada para servir nesse dia. Na segunda seguiram todos para suas casas. Mariano saiu às 4h da manhã em direção ao seu trabalho no Tanque Novo, as meninas saíram mais tarde.
Chegada de Brasilina ao Povoado do Rosário
A velha Inocência mãe de Brasilina morava no povoado dos buracos, era uma boa rezadeira da região, mãe de 3 meninas e 4 meninos, depois de alguns anos o povoado recebeu outro nome, São João da Fortaleza, distrito de Cícero Dantas – Ba.
Inocência decidiu pegar o mesmo caminho dos peregrinos de Antônio Conselheiro que no século XIX foram em busca da terra prometida para a cidade de Belo Monte (Canudos Velho) já tinha acabado a guerra de Canudos (1896 – 1897), porém, os parentes continuavam nas regiões próximas a Belo Monte. Havia uma trilha por dentro da caatinga, Inocência levou consigo as filhas Francisca, Isabel e Brasilina, os meninos por terem alguma ocupação em fazendas da região ficaram. A princípio ficaram com parentes no povoado dos Buracos, e só foram meses depois. As mulheres saíram em um dia de quinta-feira logo após o café da manhã. Inocência levava um facão na mão e na outra um saco com mantimentos, as meninas carregavam sacos feitos de panos pela matriarca. Nos sacos tinha roupas, pequenas ferramentas, além de licuri (fruta de coqueiro) água, farinha e rapadura. Andaram quatro léguas e meia até o município de Massacará, (hoje distrito de Euclides da Cunha – BA), lá pediram estadia em uma fazenda que tinha grande criação de cabras. Ao anoitecer, as meninas Brasilina e Francisca ficaram admiradas com a quantidade de animais que chegavam ao chiqueiro.
— Meninas, meninas. — de uma janela na sala da sede da fazenda, Inocência chamava as filhas.
— Brasilina, vamos, mãe está chamando.
— Espere, Francisca, eu quero ver os cabritos.
— Venham meninas, vamos jantar. — mais uma vez Inocência gritava as filhas para que entrassem na casa, elas precisavam se alimentar de verdade, os licuris que comiam na estrada não matavam a fome delas.
— Será possível uma coisa dessa, deixar de jantar para ver os cabritos? — Falou a mãe das meninas.
— Deixa elas, mulher. — a voz vinha de uma senhora sentada na porta da cozinha com um cachimbo na boca. Era uma distração naquele tempo fumar e observar a fumaça que às vezes saia do cachimbo com desenho de animais.
Inocência preocupada com o outro dia falou.
— Amanhã a gente tem que ir cedo.
Nesse momento as meninas entraram correndo e sentaram no banco grande que estava na sala. Juntamente com a outra irmã, Isabel. Preferiu ficar perto da mãe o tempo todo, porém, a imagem dos cabritos não saia da mente de Brasilina, que de vez em vez levantava o tronco para observar pela janela. Após o jantar todas foram dormir e acordaram no outro dia ainda escuro com a voz da mãe.
— Vamos, acordem, precisamos partir, temos que aproveitar o sol.
Inocência acordava as filhas ao amanhecer, o galo nem tinha cantado, mas já era hora de se arrumar e partir em direção a Canudos, as meninas foram ao quintal da casa e lavaram os rostos em uma bacia com água. A velha dona da casa já tinha preparado o café, as meninas sentaram no banco e se deliciaram com um maravilhoso queijo de leite de cabra, comiam e repetiam. Na saída a velha falou:
— Esperem um pouco. — andou até um sobrado do lado da cozinha e pegou três queijos que estavam descansando em uma tábua pendurada perto do telhado, que para entrar no sobrado tinha que se abaixar de tão baixo que era. A velha voltou para sala e disse:
– É para as meninas. — estendendo a mão e entregando os queijos para Inocência e completou.
— É um de cada.
— Elas não estão doidas para comer um queijo grande desse sozinhas. Falando e andando, Inocência pegou o queijo e colocou na sacola que levava e agradeceu a velha.
– Obrigado, dona, que Deus lhe pague. — essa frase no sertão é muito bem-vinda, o nome de Deus é santo pela região.
Ao sair da fazenda passaram pela vila Massacará e em poucos metros encontraram alguns índios caimbés. Pela feição de todos, não se sabia quem estava mais assustado, os índios ou as filhas de Inocência. Ela continuava com seu facão na mão, sempre dizia para as filhas que era para se proteger de raposa azeda ou cobras venenosas, a caatinga realmente tinha seus perigos.
Continuaram andando e avistaram outros índios embaixo de um umbuzeiro, todos sentados. Eram quatro homens e duas meninas, Brasilina observava com os olhos fixados nas jovens índias e uma das mãos agarrada no braço de sua Mãe.
— Vamos, arrastem esses pés, meninas, que moleza é essa? Precisamos chegar no Caimbé! — disse a mãe.
Inocência estava firme no seu propósito, sabia que para onde ia teria mais sorte do que na região dos Buracos.
Novamente precisaram pedir estadia, dessa vez em uma casa de taipa que ficava a 100 metros da estrada feita pelos peregrinos.
— Boa tarde, moço.