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Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos
Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos
Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos
E-book227 páginas1 hora

Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos

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Sobre este e-book

Prefaciado pela poeta e ensaísta portuguesa Maria Estela Guedes, o livro Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos reúne artigos de diversos estudiosos do autor, abordando aspectos distintos de sua produção ficcional. Trata-se de textos que discutem desde a questão da memória e da ciência até aspectos relacionados ao papel da mulher ou à língua portuguesa em seus contos e romances. Como afirma uma das articulistas (Ana Maria Haddad Baptista): "Mia Couto, acima de qualquer coisa, é um grande narrador. Em todas as suas obras, quer conceituais, quer ficcionais (contos e romances) predomina a narração. O autor africano via de regra conta histórias. O diferencial, sob nosso ponto de vista, é que suas histórias não são meros casos! As suas histórias, fundamentalmente, possuem profundidade, tanto quanto os rios evocados pelo autor. Remetem os leitores a desdobramentos subjetivos inescapáveis. Não há como ler Mia Couto sem se voltar para nossas próprias existências. Não há como ler Mia Couto sem pensarmos em nossas vidas! Teimosamente nossa memória acompanha a memória de suas personagens". A importância da obra de Mia Couto, no presente momento, é inquestionável, o que explica, em parte, o alcance internacional de sua ficção, o que eleva a própria língua portuguesa – e, consequentemente, a literatura moçambicana – a um elevado grau de reconhecimento e distinção. A leitura do livro Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos se faz necessária não apenas a especialistas e estudiosos da área de Letras e de Teoria Literária, mas a todos aqueles que querem conhecer e se aprofundar um pouco mais nos meandros narrativos e discursivos de um dos mais celebrados autores africanos de língua portuguesa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de mar. de 2019
ISBN9788594850768
Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos

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    Mia Couto - Márcia Fusaro

    Sumário

    Capa

    Conselho Editorial:

    Prefácio: Travessia do bom selvagem pela selva surrealista

    Por Maria Estela Guedes

    O romance Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra e a moçambicanidade literária em Mia Couto

    Thiago Lauriti

    Mia couto e a obra Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

    A moçambicanidade literária em Mia Couto

    A identidade africana expressa pelas forças da natureza e pelo tempo, em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

    Considerações finais

    Referências

    Mia Couto: Tempo-Memória-Rio

    Ana Maria Haddad Baptista

    Introdução

    Dos rios

    Tempo-memória-rio

    1. Tempo-memória-rio: presente

    2. Tempo-memória-rio: passado

    3. Tempo-memória-rio: futuro

    Considerações finais

    Referências

    Entre o sonho e a morte: desvelamentos, revelações e contaminações na narrativa ficcional de Mia Couto

    Manuel Tavares

    Introdução

    O sertão e a savana: influências e confluências

    O pós-colonial: a busca de uma identidade entrelaçada entre o passado e o presente

    Desvelamento e revelação

    Entre o sonho e a morte: a reinvenção do real

    Notas inconclusivas

    Referências bibliográficas

    A mulher nos contos de Mia Couto: uma leitura pós-colonial

    Márcia Moreira Pereira

    A mulher e os estudos pós-coloniais

    A mulher nos contos de mia couto

    Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Literatura e Ciência em Mia Couto

    Márcia Fusaro

    Introdução

    Mia Couto: cientista-escritor ou escritor-cientista?

    Literatura e ciência: linguagens e con(di)vergências

    Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Os sentidos e os não sentidos da Língua Portuguesa: questões de língua e linguagem nos contos de Mia Couto

    Maurício Silva

    Introdução

    Língua e linguagem no contexto do pós-colonialismo

    Língua e linguagem nos contos de Mia Couto

    1. Língua

    2. Linguagem

    Considerações finais

    Referências bibliográficas

    Terra sonâmbula: Mia Couto e o galinheiro da história

    Sueli Saraiva

    Uma nação à beira da praia

    Narrativas dípticas

    Considerações finais

    Referências Bibliográficas

    Bio-bibliografia dos autores

    Maria Estela Guedes

    Thiago Lauriti

    Ana Maria Haddad Baptista

    Manuel Tavares

    Márcia Moreira

    Márcia Fusaro

    Maurício Silva

    Sueli Saraiva

    Maurício Silva
    Márcia Fusaro
    Organizadores

    Mia Couto:

    uma literatura entre palavras e encantamentos

    São Paulo | Brasil | Fevereiro 2019 – Ebook

    1ª Edição

    Big Time Editora Ltda.

    Rua Planta da Sorte, 68 – Itaquera

    São Paulo – SP – CEP 08235-010

    Fones: (11) 2286-0088 | (11) 2053-2578

    Email: editorial@bigtimeeditora.com.br

    Site: bigtimeeditora.com.br

    Blog: bigtimeeditora.blogspot.com

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    Nota: Dado ao caráter interdisciplinar da coletânea, os textos publicados respeitam as normas e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor.

    Conselho Editorial:

    Ana Maria Haddad Baptista (Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

    Catarina Justus Fischer (Doutora em História da Ciência/PUC-SP)

    Lucia Santaella (Doutora em Teoria Literária/PUC-SP)

    Marcela Millana (Doutora em Educação/Universidade de Roma III/Itália)

    Márcia Fusaro (Doutora em Comunicação e Semiótica/PUC-SP)

    Vanessa Beatriz Bortulucce (Doutora em História Social/UNICAMP)

    Ubiratan D’Ambrosio (Doutor em Matemática/USP)

    Ficha Catalográfica

    SILVA, Maurício; FUSARO, Márcia. Mia Couto: uma literatura entre palavras e encantamentos. 152 pp. – São Paulo: BT Acadêmica, 2019.

    ISBN 978-85-9485-076-8 | 1. Educação 2. Estudos Literários 3. Literatura Africana I. Título

    Produção Editorial

    Projeto gráfico: Big Time Editora

    Diagramação: Marcello Mendonça Cavalheiro

    Capa: Antonio Marcos Cavalheiro

    Revisão: Autores

    Palavras valem a pena se nos esperam encantamentos.

    Mia Couto

    Prefácio: Travessia do bom selvagem pela selva surrealista

    Por Maria Estela Guedes

    Nos tempos românticos do bom selvagem, um indígena americano ou asiático visitava a metrópole europeia para lançar uma mirada crítica à civilização. Ou então um representante da superior civilização coligia exaustivas informações in loco acerca do modo de vida dos selvagens, a que o riscador acrescentava coloridas aquarelas que mostravam roupas ou corpo despido, penteados, armas e alfaias; intitulavam-se memórias e itinerários filosóficos estes inventários em que ainda se anotavam veículos de transporte terrestre e de navegação, fábricas, tinturas, combustíveis, materiais explosivos, plantas medicinais e diversas outras boticas. Não esqueçamos os mapas, a navegabilidade dos rios, a fundura dos ancoradouros, a temperatura dos ares nem a altitude dos plainos e dos picos. Gente superiormente civilizada, que ia abrindo estradas à medida das passadas, segundo o ancestral modelo dos romanos, e colecionando folhas, frutos, rochas e animais, para prova de que o território se encontrava sob o domínio do conhecimento científico. Recordemos exploradores como Serpa Pinto que, para a cabal travessia dos desertos, rios, rápidos, cataratas, matos e florestas do continente negro, importaram de Inglaterra os finíssimos serviços de chá.

    Olhares um pouco às avessas foram os dos dois persas em tournée europeia com extasiada permanência em Paris, tecendo comparações ingenuamente mordazes – isto através do olhar do filósofo, claro, o Montesquieu das Lettres persanes que permitiu o infeliz desenlace de uma Roxane, entre mais quatro esposas legítimas abandonadas, ela que não só era a favorita do espécime exótico em devaneio parisiense como dos vários eunucos encarregados de guardar o harém na Pérsia.

    Idênticos choques culturais e civilizacionais apresentam-se igualmente quando enfrentamos os caminhos de um livro, muito mais desafiadores então quando se trata de uma obra já florestal em número de títulos e em diversidade de géneros, na maior parte mais complexos do que a norma, por se tratar de híbridos: contos, romances, crónicas, teatro, poesia, e textos de encanto, lindamente ilustrados, para uma infância cujos limites etários não é oportuno discutir aqui, bastando anotar que pode ser a nossa, atual, neste redundante agora… Obra de Mia Couto, escusado referir.

    Na nossa assembleia de ex-bons-selvagens na totalidade com a minha única exceção (a menos que remontemos a tempos célticos, godos, ou mesmo àqueles em que frequentava a escola de ferir o xisto e o granito para nele deixar os pictogramas patentes hoje na Canada do Inferno e noutros recintos paleográficos de Foz Côa, datados alguns de há vinte e cinco e trinta mil anos), nesta assembleia de ex-bons-selvagens, dizia – Mia Couto e exegetas brasileiros, que espreitais à porta da sua morança africana – qual seria agora o olhar do filósofo, representante da ex-potência civilizadora? À parte a língua, que é a mesma, em distintas tonalidades, o que parece entre nós traço de união é o dos afetivos -ex… O dos afetos, melhor dizendo. Estamos todos presos a uma terra-mãe que pode ser a do outro, nô djunta mon, como se diria em Bissau, para uma festinha de familiaridade.

    Pesa-me na mochila mais a cultura anglo-americana, veiculada pelos meios de comunicação de massa, do que aquela que exerci sobre vós outrora – tão ligeira que nem a língua deixei em África, e menos ainda na Ásia, segundo parece. Se ficou no Brasil é porque, antes de a lá deixar, já lá estava, à semelhança de um qualquer fenómeno de infestação devido à introdução quiçá ilegítima de espécies exóticas. Exotismo e endotismo, eis dois temas que valia a pena rever na literatura, não porém à luz das letras, sim à de conceitos biológicos que nos falam, por exemplo, das viagens das plantas e dos animais. Vejamos: errará muito o persa em Maputo se, face às mais comuns árvores de fruto moçambicanas, descobrir que algumas são persas, e asiáticas e brasileiras na generalidade as mais substanciais? E agora? Que diz o indígena? O filósofo é capaz de conceder em que a coisa já passou à categoria de ex-ótica, pois, o que diz respeito ao Homem, estamos cansados de o saber, precisa de ser encarado como cultural, de selvagem ou natural nada tem.

    Voltemos à língua, a perguntar se é exótica ou se já terá sido naturalizada. A minha superior civilização terá imposto em Moçambique a língua portuguesa? Rezava o Regulamento do Colégio e Liceu Honório Barreto, em Bissau, e eu o atesto como ex-aluna, que era proibido falar crioulo nas aulas. Tudo bem, meus senhores: nem crioulo nem papel, nem balanta, nem fula, nem mandinga, só o portuguesinho da praxe. E então? Quantos dos meus colegas ficaram, com a proibição das suas línguas maternas, meus irmãos na partilha da minha? Alguns dez por cento, não é verdade? Mia Couto, em Moçambique, faz parte dos mesmos dez por cento, devendo por isso considerar-se exótico, uma figura minoritária, excecional, no mapa das línguas mais faladas no seu país.

    Não impus a minha língua, apesar da legislação em contrário. África, no caso a Guiné(-Bissau), é que me seduziu a mim com o seu crioulo leve e kriol fundo, mais os papiares de indecifrável origem linguística, similares aos que se patenteiam nas obras do autor moçambicano. O exercício de decifrar é lento e gostoso, mas pouca diferença faz o código – se língua das aves, como tanto cimentou Richard Khaitzine em relação aos surrealistas, se o galaico-português da cantiga de Pai Soares de Taveirós, se os tantos papiares das diversas populações do globo, ou se o resultado das suas misturas – e a fusão é uma das grandes artes de Mia Couto, conhecedor da zootecnia, e por isso sábio de que só o híbrido é absolutamente novo, mesmo no caso vertente, em que, do ADN, só participam os carateres linguísticos que o simbolizam.

    Sinto-me o mais possível resultado dessa mistura. Já não sinto o peso dela, quase ignoro a sua presença genética, de tão naturalizada a herança romana e árabe, abismada no âmago da nossa conversa. Porque também vós a partilhais, e em cima dela a herança castelhana. Eis algo cuja abominação causa estranheza, portanto custa a assimilá-lo, mas houve um tempo em que todos – de Bissau a Cabinda, de Moçambique a Timor, de Damão ao Rio de Janeiro – houve esse tempo longo de sessenta anos em que todos fomos espanhóis.

    E, se formos a ver, em matéria de selvagens, com toda a carga surrealista que pessoalmente transporto no currículo, sou bem capaz de o ser mais do que todos vós juntos, aliás sois apenas ex–, ao passo que eu estou ainda no ativo. E com isto, finalmente, cá chegámos à pousada do surrealismo.

    Um filósofo senegalês, Massaer Diallo, na Paris dos anos 80, empreendeu a mesma tarefa dos protagonistas das Lettres persanes: fitou, olhos nos olhos, o ex-civilizador, aquele que quis exterminar os mitos, os ritos, enfim, tudo o que nos selvagens era sinal de inferior, ou tudo o que nos indígenas era sinal de selvajaria, como a crença, a superstição, os mitos, os ritos e as magias, apelando portanto para a necessidade de os salvar, mediante conversão – ao catolicismo, naturalmente. Aproveito para reforçar a hipótese de colonização leve com a pergunta: sendo a primeira ferramenta civilizadora o missionarismo católico (a segunda era a científica, levada a cabo pelos exploradores e naturalistas, e a terceira era a militar), daí decorreu a imposição do catolicismo em África a ponto de ser hoje religião dominante? Predominante talvez nos dez por cento da população que falam português. Convenhamos, entretanto, que algo ainda hoje nos une e religa, passados séculos e décadas sobre o divórcio, mas esse elo cultural nasce no coração, é um sentimento de pertença à terra e à família que fala, mesmo mal, a língua portuguesa.

    No Senegal, como na Guiné-Bissau, o que domina é o Islão. Em Un regard noir, Diallo, o filósofo senegalês, pergunta aos surrealistas, e exatamente aos surrealistas, não a quaisquer outras sumidades étnicas nem culturais, por que motivo tinham ido a África buscar a magia, se em Paris, para quarenta mil médicos, havia trinta mil marabus, videntes e afins, nesses já sobreditos anos de 1980. E não era quem mais facilmente supomos o paciente, sim empresários, intelectuais, políticos, milionários. Sem contar com autores como Mia Couto, que acodem à tradição como surrealistas, para beberem na fonte original e para que não desapareça debaixo das botifarras anglo-americanas; tradição é igual a natividade, identidade, infância, endotismo, se bem que também Herberto Helder, por exemplo, partilhe o marabutismo angolano, de dentro, vivido in loco, ficando eu agora na dúvida sobre se deva interpretar e o quê como tradição ou aventura, sabendo que os dois termos arrancaram a par da inspiração da vanguarda.

    Consta que De Gaulle se fazia acompanhar nas viagens por Madame Soleil, a sua astróloga, e que Miterrand lhe seguiu as pisadas. Em suma, o pensamento selvagem não é específico dos bons selvagens, sim uma estrutura pensante apta para lidar com os aléns, transversal às comunidades, classes e nações, como nos explicou Lévi-Strauss. Não devemos assim ficar inquietos por os ex-civilizadores não terem conseguido impor a mais avassaladora ferramenta civilizacional, a língua, nem exterminado o mais avassalador dos fantasmas contra-civilizacionais, o marabutismo. Marabus senegaleses, idos do Senegal, e marabus falsificados, de extração francesa, cigana, brasileira – que sei eu? – era o que mais havia em Paris nos famosos anos 80, e não vamos responsabilizar por isso nem o maio de 68 nem os ranchos de hippies, que se limitaram a acentuar a questão com angélicas coroas de flores. Hoje como antes e depois, não há moedas de uma só face, quem quer o mythos terá de sofrer com paciência o assédio do logos. Ou vice-versa.

    Não desejava avançar sem duas palavras de comentário a um aspeto selvagem e correligadamente surrealista da obra de Mia Couto, quer ele tenha lido ou não André Breton, quer tenha visto ou não pinturas de Picasso, mais conhecido como cubista, e de Salvador Dali. É o caso algo macabro, de discutível humor negro, do despedaçamento do

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