Educação em tempos desafiadores: transdisciplinaridade, tecnologias e linguagens
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Sobre este e-book
O uso da tecnologia se inseriu mais do que nunca como uma necessidade premente na Educação. Questão de vida ou morte, a exemplo de outras áreas em cenários mundiais. Professores e ambientes escolares, antes ainda resistentes a tais usos, viram-se obrigados, em questão de poucos dias, a rever posturas e paradigmas em nome da saúde também da própria Educação. Essa súbita demanda gerou, evidentemente, repercussões de todos os tipos.
Logo no início da pandemia, pegos de surpresa, muitos professores tentavam se adaptar às novas exigências de uso da tecnologia em formato virtual. Nesse período, não foi incomum vermos docentes transmitindo suas aulas com a câmera do celular ligada diante de lousas onde escreviam com giz. Sinal preocupante, indicador da urgente necessidade de atualização sobre as novas possíveis linguagens proporcionadas pelas tecnologias. Houve também, ressalte-se, aqueles que logo se deram conta da gravidade do quadro e que, preocupados com a saúde da Educação, buscaram proativamente se adaptar à nova situação, ampliando aquilo que, em certos casos, já vinham fazendo anteriormente: utilizar de modo criativo o universo semiótico de novas e potentes linguagens audiovisuais disponíveis à Educação.
Estamos em transição. E a partir dessa pandemia, o que vem sendo chamado de "formato híbrido" (o presencial aliado ao virtual) parece ter grandes chances de permanecer. Negar a necessidade dessas práticas presentes e futuras é, inadvertidamente, contribuir para o adoecimento da Educação e para o aumento do número de alunos desinteressados em aulas e professores que se negam a utilizar o dinamismo das linguagens audiovisuais em que as gerações mais recentes já nasceram imersas.
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Educação em tempos desafiadores - Márcia Fusaro
Educação em tempos desafiadores:
transdisciplinaridade, tecnologias e linguagens
Márcia Fusaro
Organizadora
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CONSELHO EDITORIAL
ANA MARIA HADDAD BAPTISTA
Mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica. Pós-doutoramento em História da Ciência pela Universidade de Lisboa e PUC/SP onde se aposentou. Possui dezenas de livros, incluindo organizações, publicados no Brasil e no estrangeiro. Atualmente é professora e pesquisadora da Universidade Nove de Julho dos programas stricto sensu em Educação e do curso de Letras. Colunista mensal, desde 1998, da revista (impressa) Filosofia (Editora Escala).
MÁRCIA FUSARO
Pós-doutoramento em Artes (UNESP), Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), Mestra em História da Ciência (PUC-SP), Especialista em Língua, Literatura e Semiótica (USJT). Professora e pesquisadora do Programa Stricto Sensu em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE) e da licenciatura em Letras da Universidade Nove de Julho. Líder do grupo de pesquisa Artes Tecnológicas Aplicadas à Educação (UNINOVE/CNPq). Membro dos grupos de pesquisa Performatividades e Pedagogias (UNESP/CNPq), Palavra e Imagem em Pensamento (PUC-SP/CNPq) e do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CICTSUL) da Universidade de Lisboa (2009-2018).
FLAVIA IUSPA
Diretora e professora de programas internacionais e iniciativas do Departamento de Pós-Graduação em Ensino e Aprendizagem da Florida International University (FIU). Doutora em Educação, com foco em currículo e instrução. Possui MBA em Negócios Internacionais e especialização em Educação Internacional e Intercultural pela Florida International University (FIU). Suas áreas de pesquisa incluem: internacionalização de instituições de ensino superior, desenvolvimento de perspectivas globais em professores e alunos (Global Citizenship Education) e política de currículo.
ABREU PRAXE
Poeta angolano, licenciado pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED), Luanda, onde trabalha como professor de literatura. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Membro da União dos Escritores Angolanos. Possui diversas obras publicadas (poesia) em diversos países.
MÔNICA DE ÁVILA TODARO
Graduada em Pedagogia, mestre em Gerontologia e doutora em Educação pela UNICAMP. É professora adjunta do Departamento de Ciência da Educação (DECED) da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Docente do Programa de Mestrado em Educação da UFSJ. Pesquisas nas áreas de Educação e Gerontologia, com ênfase nos seguintes temas: Danças; Corpo e educação; Ludicidade; Alfabetização de Idosos (EJA); Relações Intergeracionais; e práticas educativas. É líder do Núcleo de Estudos sobre Corpo, Cultura, Expressão e Linguagens (NECCEL), da UFSJ. Pós doutorado na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (Each) da Universidade de São Paulo (USP).
Tesseractum Editorial
www.tesseractumeditorial.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Índices para catálogo sistemático:
1. Educação e transdisciplinaridade 370.1
Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427
Coordenação Editorial: Equipe Tesseractum Editorial
Diagramação: Equipe Tesseractum Editorial
Capa: Tammy Guerreiro
Revisão: Autores
Todos os direitos reservados à Editora Tesseractum Editorial
Belo Horizonte – MG
contato@tesseractumeditorial.com.br
www.tesseractumeditorial.com.br
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais.
(Lei 9.610/98).
Sumário
Apresentação
A artesanalidade dos currículos e das culinárias: os saberesfazeres dos praticantes e as políticas educacionais brasileiras - Júlio César Augusto do Valle e Luciana de Oliveira Ferreira
Criação de artefatos lúdicos para crianças portadoras de deficiência visual: uma abordagem semiótica - Juliana Rocha Franco e Higor da Mota Gonçalves
As insólitas máscaras dos agenciamentos pandêmicos - Márcia Fusaro
Por dentro, texto - Paulo Saul Duek
Sou professora, não youtuber!
: excluídos ou autoexcluídos digitais em tempos de pandemia? - Dartagnhan Salustiano Rodrigues
À la Lumière de Barthes: o retorno do morto na educação - Roger Henrique Pozza e Márcia Fusaro
Mulheres nas telas: imagem, gênero e representação - Erika da Silva Santos e Márcia Fusaro
Narciso na educação virtual: o eumismo
refletido - Eva de Magalhães e Márcia Fusaro
A transtechné como mediadora de conhecimento - Moisés Galvão Batista e Márcia Fusaro
Desenhos animados na educação: notícias do mundo analógico para o digital - Priscila Fátima da Silva Fiel e Márcia Fusaro
Ao professor deve ser dado apoio para que ele adote uma
nova atitude e assuma sua responsabilidade perante o futuro.
Isso depende essencialmente de sua própria transformação,
conhecendo-se como um indivíduo e como um ser social,
inserido numa realidade planetária e cósmica.
Ubiratan D´Ambrosio
(Educação para uma Sociedade em Transição)
Apresentação
Este livro está sendo lançado em mais um cenário de grande desafio à Educação. Desde o ano de 2020, temos vivido uma nova e complexa realidade planetária deflagrada pela pandemia gerada pelo coronavírus. Se anteriormente já se viviam incontáveis desafios relacionados a urgentes necessidades de revisão educacional, sobretudo no Brasil, após a pandemia novos alcances de urgência surgiram em outras tantas fronteiras.
O uso da tecnologia se inseriu mais do que nunca como uma necessidade premente na Educação. Questão de vida ou morte, a exemplo de outras áreas em cenários mundiais. Professores e ambientes escolares, antes ainda resistentes a tais usos, viram-se obrigados, em questão de poucos dias, a rever posturas e paradigmas em nome da saúde também da própria Educação. Essa súbita demanda gerou, evidentemente, repercussões de todos os tipos. Uma delas, que se quer aqui destacar, foram os novos e salutares alcances semióticos na Educação. Onde antes se privilegiava a alfabetização verbal, evidentemente ainda fundamental, agora também se abrem novos ambientes virtuais promovedores da alfabetização não verbal. Palavra, imagem, som, enfim, todo um universo de explorações semióticas se mostra com muito mais ênfase na atualidade educacional, e ao alcance de um número considerável de alunos e professores. Aos que ainda, infelizmente, não contam com tais acessos, reivindiquemos tais direitos.
Logo no início da pandemia, pegos de surpresa, muitos professores tentavam se adaptar às novas exigências de uso da tecnologia em formato virtual. Nesse período, não foi incomum vermos docentes transmitindo suas aulas com a câmera do celular ligada diante de lousas onde escreviam com giz. Sinal preocupante, indicador da urgente necessidade de atualização sobre as novas possíveis linguagens proporcionadas pelas tecnologias. Houve também, ressalte-se, aqueles que logo se deram conta da gravidade do quadro e que, preocupados com a saúde da Educação, buscaram proativamente se adaptar à nova situação, ampliando aquilo que, em certos casos, já vinham fazendo anteriormente: utilizar de modo criativo o universo semiótico de novas e potentes linguagens audiovisuais disponíveis à Educação.
Dificuldades existem, sabemos. Falta de recursos. Falta de incentivo e respeito à Educação e aos educadores. Tantos outros exemplos poderiam ser aqui lembrados. Foquemos, no entanto, na vida e na saúde do que pode ser feito, considerando-se o que temos ao nosso alcance. Uma mudança de postura dos professores ainda resistentes aos usos das novas tecnologias já seria um ótimo e salutar início de projeto educacional. Professores que dizem não serem youtubers
, ou que encaram com rancor as novas demandas de trabalho virtual, precisam se dar conta de que os tempos são outros, acompanhados por todo um novo cenário de demandas atualizadoras na Educação. Estamos em transição. E a partir dessa pandemia, o que vem sendo chamado de formato híbrido
(o presencial aliado ao virtual) parece ter grandes chances de permanecer. Negar a necessidade dessas práticas presentes e futuras é, inadvertidamente, contribuir para o adoecimento da Educação e para o aumento do número de alunos desinteressados em aulas e professores que se negam a utilizar o dinamismo das linguagens audiovisuais em que as gerações mais recentes já nasceram imersas.
Manter a paixão pelo ensino, apesar das dificuldades. Apesar de tudo. Fazer-se respeitar como profissional de uma Educação em transição, mas que precisa resistir e viver. Inclusive para ter força de continuar a lutar por seus mais do que merecidos direitos. Não deixemos que o vírus do desalento educacional nos atinja. Se antes ele já era nocivo à saúde da Educação, agora pode mesmo se tornar letal. Lembremos que a saúde planetária, no amplo sentido do termo, depende, fundamentalmente, de pessoas bem formadas por professores cientes das necessidades de seu tempo. Apesar das dificuldades. Apesar de tudo.
Em face do trágico cenário da pandemia, iniciado em 2020, saudemos, carinhosamente, a lembrança dos que se foram e celebremos suas memórias respeitando nossas próprias vidas e o fato de ainda podermos estar aqui, fazendo nossa parte pela Educação que queremos ver no mundo.
Meu profundo agradecimento a cada um dos autores que colaboraram para esta coletânea. Que essa bem-vinda parceria seja aqui representada como nossa própria celebração particular às nossas vidas e às nossas maneiras de valorizar a Educação. Que os alcances de nossas reflexões aqui apresentadas promovam outros tantos salutares encontros felizes.
Márcia Fusaro
A artesanalidade dos currículos e das culinárias: os saberesfazeres dos praticantes e as políticas educacionais brasileiras*
Júlio César Augusto do Valle¹
Luciana de Oliveira Ferreira²
Boa cozinheira precisa de receita?
(…) Ao longo dos anos, sempre estando na cozinha, envolta de temperos e condimentos fui me aperfeiçoando e criando minhas próprias receitas, assim a meu ver, cada pessoa tem o seu próprio talento e o seu desenvolvimento em suas próprias habilidades, sendo assim, não precisa de receita
.
Rosemeire Aparecida da Silva Couto
O filme Tempos Modernos (Modern Times), dirigido, em 1936, pelo britânico Charles Chaplin (1889-1977), constituiu uma crítica caricatural e consistente ao mundo moderno, industrializado, central na construção do novo
paradigma. Relacionando a vida e o trabalho à linha de montagem fabril, Chaplin denuncia a alienação do trabalho, característica basilar do capitalismo, alvo de inúmeras críticas advindas de estudos marxistas.
Mais profundamente, contudo, o diretor e protagonista de seu filme denuncia a fragmentação como fundamento do saber-fazer moderno. As lógicas estruturantes de toda a epistemologia moderna e de todo o trabalho moderno se fundam, portanto, na constituição de grandes rupturas, todas maniqueístas, que se tornam as premissas do novo paradigma, decorrentes da instituição da racionalidade europeia como padrão cognitivo. O homem moderno representa, a partir do olhar de Chaplin, um homem fragmentado, incapaz, sobretudo, de relacionar – e, então, mensurar – sua ação aos impactos dela em seu contexto. Poderíamos dizer, então, que se trata de um homem fragmentado entre o fabril e o artesanal, tomados como sentidos opostos de desenvolvimento dentro da concepção que passa a vigorar na modernidade.
Os currículos e suas políticas, durante muitos anos e ainda hoje, reproduzem esquizofrenicamente essas marcas da modernidade, gestados por uma lógica fragmentária, aprofundam-na por sua incapacidade de superar as marcas contextuais de sua elaboração. Destarte, observamos reproduzidas também no currículo a dicotomia construída pela modernidade entre o fabril e o artesanal de tal modo que a qualidade dos currículos passa a ser mensurada, inclusive, por uma suposta capacidade de adaptação aos mais variados contextos, traduzida por sua abrangência. Opõe-se, por exemplo, no contexto brasileiro, a possibilidade de que escolas construam seus caminhos no currículo à implementação
de uma Base Nacional Comum Curricular. O fabril, de larga escala, universalizado e homogêneo, em oposição ao artesanal, local, heterogêneo, construído de maneira efetivamente coletiva.
A partir dessa perspectiva, caracterizamos como artesanal o currículo em que é reconhecido o direito fundamental dos atores locais, especialmente professores, alunos e comunidade escolar de participar de sua construção – um currículo construído a várias mãos. Interessa-nos, neste texto, evidenciar a artesanalidade do currículo, condição que também existe no cozinhar da cozinheira, além de mostrar sobre como essa artesanalidade tem sido mobilizada no contexto de políticas curriculares. Diante dos abismos que nos defrontam, muitos deles agravados pela Pandemia do coronavírus, outros inéditos, articulamos à compreensão da artesanalidade do currículo nas políticas as possibilidades inauguradas com a tecnologia de que – ainda nem todas e todos – dispomos.
E como as cozinheiras aprendem a cozinhar?
"As cozinheiras bem-sucedidas aprenderam a fazer cozinhar e fazer suas receitas com suas avos ou suas mães, e assim com o tempo se tornaram boas cozinheiras testando