Com vista para o mar

De Dayane Lima Machado

(...)
Mergulharia naquela forma corpórea
azul e salgada.
Nadaria a favor da correnteza
até o triângulo daquela bermuda.
E deixaria as caravelas
– até então perdidas –
navegarem pelos meus
canais.
Eu me perderia naqueles lábios subaquáticos.
Eu submergiria com água nos pulmões.
Eu quebraria extasiada naquelas costas.
Eu viraria espuma pacífica.
(...)
Talvez as gotículas que as ondas espalham pelo ar na ilha tenham mágica. Ou fazem doer. É disto que o Com vista para o mar se trata: de poemas que vão além do corpo físico e do mar. Passam pela marola, onde se iniciam as ondas sentimentais. Pelo salitre, que faz arder as narinas e entranhas. Passa pela ressaca marítima, moral e solitária. Por fim, os poemas e o mar se dissolvem na beira (a)mar.

• Idioma: Português
• Editora: Viseu
• Data de lançamento: 29 de ago. de 2022
• ISBN: 9786525424507

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Marola

1

O tempo é um sopro.

É um piscar de olhos.

Um estalar de dedos.

É poeira cósmica.

O tempo é centi, mili

micro, nano.

É uma gota no oceano

e um pingo da tempestade.

O tempo é uma brisa de primavera

enquanto passa um furacão.

É uma pitangueira no verão

e um limoeiro.

Trivial e clichê.

2

O tempo é a boca que sopra.

É a pálpebra do olho esquerdo.

É a mão direita,

palmas e dedos.

O tempo é o universo inteiro:

sistemas solares, meteoritos e galáxias.

O tempo é um átomo.

É o salitre do Oceano Índico.

O tempo é uma tempestade.

É o Katrina, no meio da primavera.

O tempo é o único fruto

de uma árvore centenária.

Monumental e complexo.

3

O tempo é um hálito mentolado

do sopro de minha boca.

É o neon, na visão

dos meus olhos

pela madrugada.

É o veludo do meu vestido preto

no toque das minhas mãos.

O tempo é a constelação

de peixes e a de escorpião.

É a matéria orgânica

que marca as horas no meu relógio.

O tempo é um mergulho de olho aberto

no meio de uma onda.

Um mundo azul, salgado e lindo nas córneas.

É o cheiro de terra

nos primeiros segundos de chuva torrencial.

O tempo é o vento

que lambe meus cabelos.

É um flamboyant de flores rosas

e raízes profundas rachando as calçadas.

O tempo está parado,

e eu atravessando por ele.

Desperta e iludida.

Receita vital

Camadas de vida,

como um filme do Tarantino, eu acho.

Ou uma lasanha.

Uma puta lasanha de frango!

Temos uma vida na sala de estar.

Às vezes uma vida meio zoombie

Em que ficamos atônitos assistindo

programas sobre ataques de tubarões

a surfistas.

Tem uma vida no quarto.

Uma vida completa.

Cheia de conforto, segurança,

identidade e bens materiais.

Ah, prazeres!

A vida no quarto é cheia deles.

Diferente da vida sacana

que acontece das 9h às 18h

de segunda à sexta.

Sic, não consigo divagar sobre essa.

Tem aquela vida densa

que temos em família,

e tem aquela espontânea

que temos entre amigos.

Todos sabemos: não é a mesma vida.

A mesma pessoa sim, mas a vida muda.

Tem a vida na academia: esportiva,

suada, sexy e lycra.

E tem a vida no shopping: escadas rolantes,