O Arrebol
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O Arrebol - Rodrigo Fontanelli
O
Arrebol
A história de um amor
na adolescência.
RODRIGO FONTANELLI
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica feita pelo autor
F679o Fontanelli, Rodrigo, 1976 –
O Arrebol – A história de um amor na adolescência/ Rodrigo Fontanelli.
Mairinque (SP):
Edição do autor, 2018.
1.
Relacionamentos na adolescência – Ficção. 2. Adolescência. 3.
Década de 1990. I. Título
CDD B869.93 CDU 82.3
143.3(81)
Copyright © 2018 Rodrigo Fontanelli
Todos os direitos reservados.
ISBN: 9781981063185
ISBN-13: 9781981063185
2
ÍNDICE
1- 1987 ............................................................ 9
2- Garoto ........................................................ 16
3- Menina ....................................................... 20
4- Crescendo .................................................... 22
5- Moço moleque .............................................. 25
6- Reencontro .................................................. 33
7- Nosso anti-herói ........................................... 36
8- Uma história de casório .................................. 42
9- Chocolate instantâneo .................................... 46
10- Um pedido de namoro ................................... 49
11- Logo após ................................................... 53
12- Dia seguinte ............................................... 55
13- Reencontro e desencontro .............................. 56
14- Segue o jogo ............................................... 60
3
15- Bailinhos .................................................... 62
16- Bete Balanço e Jimmy Cliff ............................ 66
17- Seguindo o coração ....................................... 69
18- Acho que gosto dele ...................................... 71
19- Yasmin, eu te amo! ..................................... 74
20- Um irmão mais velho ................................... 78
21- Bola pra frente ............................................ 81
22- Day after .................................................. 85
23- Confesso a Deus que pequei muitas vezes... ....... 90
24- Segredos? .................................................. 94
25- Romântico ................................................. 96
26- É a gente que escolhe ou é o destino? ............. 99
27- Um rebelde em mim ................................... 102
28- Al di lá del bene più prezioso, ci sei tu ........... 107
29- Bilhar ....................................................... 110
30- Cinzento ................................................... 113
31- Nota final .................................................. 115
32- O vencedor leva tudo ................................... 118
33- Depois da tempestade .................................. 121
34- Duas histórias ............................................ 123
35- Viação Cometa ........................................... 127
36- Internet ................................................... 130
37- Desencontros ............................................. 133
38- Cai o pano ................................................ 134
39- Féretro .................................................... 139
40- Na calça e outros detalhes ............................ 141
Sobre o autor .................................................143
Este livro é uma obra de ficção, mas se passa em um lugar real (São Roque-SP). Alguns nomes de localidades e comércios foram propositadamente modificados.
O ARREBOL
A todos aqueles que se lembram com doçura da adolescência e que aprenderam que viver vale a pena.
E à minha mãe, Inez, com quem eu amava passear de mãos dadas quando era pequeno.
7
RODRIGO FONTANELLI
8
O ARREBOL
1- 1987
No sofá grande de courvin marrom da sala estava a pequena Yasmin sentada. Era uma tarde de outono com sol, céu limpo e vento. Ela vestia sua bela blusinha branca, bordada, da qual nunca me esqueci, com babadinhos na gola, saia marrom bem comportada (abaixo dos joelhos), meias brancas e sapatos pretos de verniz, cujas solas tocavam o tapete da sala. Parecia, sim, uma boneca de louça, com seus cabelos castanhos claros que chegavam ao meio das costas, e a inconfundível franja aparada logo acima das sobrancelhas, cuidadosamente penteada. Seus olhos, também castanhos, mesmo brilhantes estavam parados e atônitos, fixos no grande relógio redondo de madeira que ficava dependurado na parede azul da sala.
Movendo-se com regularidade, o relógio fazia ruídos baixos e cadenciados, um morteiro plact-plact
que rivalizava e teimava com ritmo do coraçãozinho dorido de Yasmin.
Suas mãozinhas brancas e limpas, com unhas aparadas e sem esmalte, estavam sobrepostas em seu colo, mas ela não sentia. Yasmin não sentia nada. Não sentia nem o tempo, embora o relógio velho insistisse com aquele barulho dos ponteiros. Seus olhos, agora secos e um pouco avermelhados indicavam que já havia chorado bastante. Ela olhava, mas não via os segundos passando no relógio.
A casa, localizada em um bairro pobre de uma cidadezinha do interior paulista, era simples e alugada. Sem garagem. Só um corredor que dava acesso à porta da sala, que era alcançado após passar por um gasto portão de madeira de pouco mais de um metro. Da calçada se levantava a parede do quarto da frente e sua grande janela de madeira. A pintura estava desbotada. Da calçada para dentro, os cômodos se arranjavam deste jeito: a sala ficava atrás do quarto, e depois dela a cozinha, mais um quarto e um banheiro lá no fundo, cuja janela dava para o quintal.
9
RODRIGO FONTANELLI
No quintal, silenciosa testemunha da quietude daquela tarde, estava o bem cuidado cachorro Califa, quase imóvel, sequer lembrava o costumeiro brincalhão e amigo de todas as horas: escondido e amuado embaixo do tanque, o cruzamento acidental de labrador com vira-latas parecia mais uma filhote assustado. Como todo bom cachorro, ele já havia percebido que as coisas não andavam bem na casa de sua menina. Califa sabia. Todo o rico quintal sabia – os besouros, formigas, tatus-bola, minhocas e as abundantes joaninhas haviam sumido num testemunho de que a natureza sabia que uma ausência se fizera naquela casa. Uma ausência que calava fundo em Yasmin.
A casa toda estava quieta, não havia conversas. As pessoas não interagiam. Yasmin parecia sozinha, e talvez estivesse. Sua sensação era de solidão. Estaria sozinha daquele momento em diante.
A menina, que na flor de seus nove anos apresentava bochechas deliciosamente rosadas e narizinho naturalmente empinado, decoradas por lábios que pareciam ter sido desenhados pela fina ponta do lápis de um consagrado artista, sentia-se morta. Uma parte de Yasmin, uma preciosa parte de sua alma lhe havia sido subtraída. Ela sentia, mas não percebia seu coração batendo.
O motivo de seu sofrimento começara dois anos antes, pouco mais ou pouco menos. Ela era apenas uma menina brincando com suas bonecas no chão da sala, no mesmo tapete em que agora repousavam as solas de seus sapatos, quando viu o corpulento Gérson, seu pai, coçando a cabeça onde uns poucos fios restavam, meio nervoso, meio agitado. O motivo era a sequência interminável de dores de estômago de dona Jane, mãe de Yasmin. Nada dava jeito, parecia mesmo grave. Jane havia vomitado muito nos últimos dias.
A família de Gérson não tinha dinheiro para o tratamento e isso empurrava dona Jane para a morosidade dos hospitais públicos. Ela até passou por alguns especialistas, em consultas que demoravam tempo demais para se concretizarem. Sem ter a quem recorrer, o jeito era esperar.
10
O ARREBOL
E esperando o tempo passou. O que parecia ser gastrite, avançou.
Dona Jane começou a vomitar sangue e não demorou (isso não demorou!) para que não mais conseguisse colocar algo com proveito no agredido estomago. A bela filha de holandeses, de quem Yasmin tinha puxado os olhos redondos, a boca desenhada e o tom róseo da bochechas, rápido perdeu peso, fazendo ficarem saltados os ossos da face e provocando a queda de seus lisos cabelos castanhos.
Num momento de desespero, seu Gérson implorou por atendimento na Santa Casa da cidadezinha. Mas quando o diagnóstico, enfim, chegou, era tarde: um agressivo câncer de estômago já estava em estágio final.
Yasmin viu sua mãe na cama por muitos dias, meses na verdade, sofrendo e vomitando. Mas a valente Jane não desanimava. Não deixava transparecer que estava indo embora desta vida. Ela até, ás vezes, sorria como quem acreditasse que o socorro chegaria de algum lugar inesperado, quem sabe sobrenatural. Ainda assim ela procurava animar a pequena Yasmin e o ainda menor Renê, de cinco anos, seu caçula.
Não poucas das frases da mãe começavam com palavras como
quando eu me levantar daqui...
e acabavam com uma promessa. Mas quando ela olhava para sua bonequinha, tão bem arrumada, com a franjinha penteada e um laço no cabelo, seus olhos marejavam num instante. Sentia um nó na garganta ao imaginar a belíssima moça que Yasmin se tornaria. Desejava estar presente quando isso acontecesse para poder aconselhá-la e protegê-la. Jane estaria lá? Quem cuidaria daquela belezinha? Yasmin, desde seu primeiro instante de lucidez, havia sido a melhor amiga de Jane.
Jane definhava. Houve um certo número de internações e altas.
Outro número, um tanto maior, de corridas ao pronto-socorro em busca de alívio.
Até que houve mais uma internação às pressas. E horas depois, dona Jane foi mandada de volta pra casa. Gérson suava de nervoso. Os filhos mais velhos, de outro casamento, foram chegando. Entre convulsões e espasmos, dona Jane delirava, não falava mais com coerência. O Padre foi solicitado.
11
RODRIGO FONTANELLI
Ele chegou e tentou o diálogo, sem sucesso. Dona Jane não respondia mais.
Não conseguia processar as perguntas e respondê-las. Sem alternativa, o sacerdote deu, então, sua última unção, proferindo as palavras de maneira calma e em voz baixa, e ficou segurando as mãos geladas, mas ainda vivas da devota.
Yasmin viu tudo como se tivesse sido atingida por um raio. Sua mãe era sua grande amiga, e mesmo com os afazeres domésticos sempre guardava um tempo para brincar e para ajudar a filha no dever de casa. Foi com a mãe que aprendeu a brincar de casinha, e, no momento seguinte, já estava fazendo algumas coisas de verdade, como lavar os copos ou varrer.
Dona Jane ensinou à Yasmin sua atividade predileta: desenhar e pintar. E
como elas faziam bem isso juntas!
Durante a época que sua mãe esteve de cama Yasmin tentou seguir fazendo as coisas sem ela. As fazia para ela. Tentava viver como se tudo estivesse normal: ia para escola, fazia tarefas, brincava. Ajudava o pai arrumar a casa.
Ela se lembra do desmaio que levou à última internação. Lembra-se também da ambulância trazendo a mãe de volta à noitinha. Ela se trancou no quarto, achando suas poucas bonecas e o fogãozinho sem graça, deitou na cama e chorou baixinho, molhando o travesseiro. Ela estava assustada, com medo. Ninguém lhe falara nada, mas ela tinha percebido. Pelo menos achava que tinha. Orou um pouquinho e uma tímida calma lhe tocou a alma.
Renê dormia no cantinho, pois as crianças não participavam das conversas.
O fiel Califa havia sumido.
Yasmin tomou coragem (ou teria agido por impulso?) e, num salto, levantou-se, saindo do quarto em seguida, ganhando a sala. Apoiando as mãozinhas delicadas na parede, alcançou a porta do quarto da mãe e, iluminada pela luz amarela, conseguiu vê-la, sobre a cama, sem, contudo, ver o rosto. O pai e o padre estavam ao lado da cama, o ar estava esfumaçado e cheirava cigarro.
Yasmin viu, lamentavelmente, o último espasmo agonizante da mãe.
Já passava de meia-noite e ela não sabia quanto tempo passara. Em seguida 12
O ARREBOL
o corpo de dona Jane enfim se soltou como se relaxasse ou se aliviasse do tétrico sofrimento. A respiração parou e o pulso, que já não podia ser sentido há algum tempo, cessou pela vez derradeira. O pai caiu de joelhos e o padre, enfim, fez outra oração inaudível, encerrando com o sinal da cruz e um beijo no crucifixo que trazia.
Na sala, os irmãos mais velhos se abraçaram e choraram. Dona Dora, a única vizinha presente não conteve as lágrimas. Yasmin, sozinha chorou escorada na parede fria, sem nenhum abraço, e talvez ninguém tenha notado. Entre todos, apenas dona Jane não sofria. Afinal, já havia sofrido demais.
A bonequinha não se lembra dos