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Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos
Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos
Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos
E-book550 páginas10 horas

Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos

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Sobre este e-book

No convento de São Bento, no Rio de Janeiro, frei Saturnino senta-se a escrever as suas memórias, depois de uma vida de incontinência e libertinagem, mas também de uma grande paixão, que acabará por ser a sua desgraça e o levará a regressar humildemente às suas origens.
Uma tradução adaptada de um original francês, que se constitui numa obra nova, ou hipotexto, Saturnino, porteiro dos frades bentos foi publicado em 1842 e foi um enorme sucesso comercial no campo da “literatura para homens”, tanto em Portugal como no Brasil. Segundo os autores da Introdução, “mesmo que limitado pela imaginação erótica [heterossexual]”, é uma obra “importante para a literatura LGBTQ brasileira e portuguesa pelo pioneirismo na narração de encontros e práticas eróticas que, supostamente, não deveriam aparecer na literatura. Por conta disso, acreditamos que homens que desejavam outros homens e mulheres que desejavam outras mulheres encontraram nesta obra algum lugar de reconhecimento e prazer, o que talvez ajude a explicar o seu sucesso.”

IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de abr. de 2021
ISBN9781005593018
Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos
Autor

Anonimo

Hay diferentes hipótesis sobre su autoría. Probablemente el autor fue simpatizante de las ideas erasmistas. Esto motivó que la Inquisición la prohibiera y que, más tarde, permitiera su publicación, una vez expurgada. La obra no volvió a ser publicada íntegramente hasta el siglo XIX.

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    Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos - Anonimo

    Saturnino

    Porteiro dos Frades Bentos

    Introdução por:

    Helder Thiago Maia, Mário Lugarinho, João Máximo e Fernando Curopos.

    Edição integral, revista e anotada.

    INDEX ebooks

    2021

    Ficha técnica

    Título: Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos

    Original: Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos. Na impressão do anónimo brasileiro, 1842.

    Estampas: selecionadas de Histoire de dom B... portier des chartreux (1741 e 1748).

    Capa: adaptação de uma ilustração da edição original.

    Introdução: Helder Thiago Maia, Mário Lugarinho, João Máximo e Fernando Curopos.

    Revisão: João Máximo, Luís Chainho e Patrícia Relvas

    Data de publicação: 26 de abril de 2021

    Edição 1.00 de 26 de abril de 2021

    Copyright © João Máximo e Luís Chainho, 2021

    Todos os direitos reservados.

    Esta publicação não poderá ser reproduzida nem transmitida, parcial ou totalmente, de nenhuma forma e por nenhuns meios, eletrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, digitalização, gravação ou qualquer outro suporte de informação ou sistema de reprodução, sem o consentimento escrito prévio dos editores, exceto no caso de citações breves para inclusão em artigos críticos ou estudos.

    INDEX ebooks

    www.indexebooks.com

    indexebooks.com@gmail.com

    www.facebook.com/indexebooks

    Lisboa, Portugal

    ISBN: 978-1005593018 (ebook)

    Introdução

    Porteiro dos Frades Bentos (1842):

    entre tradução e transposição

    Helder Thiago Maia¹

    Mário Lugarinho²

    João Máximo³

    Fernando Curopos

    A Histoire de Dom B... portier des Chartreux⁵ foi publicada anonimamente em França, em janeiro de 1741,⁶ sendo a sua autoria atribuída ao advogado e escritor Jean-Charles Gervaise de Latouche.⁷ Um dos personagens do romance, o Padre Casimiro, foi inspirado no abade Desfontaines,⁸ que foi processado, preso e quase queimado na praça de Grève por sodomia.⁹ De acordo com os estudiosos da literatura erótica ocidental, a Historie de Dom B... portier des Chartreux é uma das obras fulcrais da literatura libertina do século XVIII¹⁰ e uma das mais originais.¹¹

    Apesar das perseguições intentadas pelo regime monárquico de Luís XV, o interesse pela obra fez com que uma segunda edição fosse impressa menos de seis meses depois da primeira.¹² Desde então o romance tem sido recorrentemente reeditado, reescrito e republicado. Patrick Kearney,¹³ por exemplo, catalogou cinquenta e cinco edições da obra, das quais dezassete com o título Histoire de Dom B... portier des Chartreux, sete com Histoire de Gouberom, portier des chartreux, três com Histoire de Saturnin, cinco com Mémoires de Saturnin e vinte e três sob o título Le Portier des chartreux.¹⁴

    O sucesso das aventuras sexuais e picarescas de Saturnino deu azo à imaginação dos autores licenciosos coevos, numa espécie de fan fiction avant la lettre. A referência a Dom Bougre ou a Saturnino é uma constante nas obras licenciosas posteriores, e o seu nome passou a ser um chamativo quando inserido no título de uma obra, abrindo um horizonte de expectativa quanto ao seu teor e prometendo desde logo ao leitor o prazer da leitura. Veja-se o caso de La Tourière des carmélites, servant de pendant au P. des C. (1745), Les Mémoires de Suzon, sœur de D. Bougre, portier des Chartreux, écrits par elle-même (1778), L’Histoire de Marguerite, fille de Suzon, nièce de D. B. (1784), Dom Bougre aux État-Généraux ou les Doléances du portier des chartreux (1789), Le Nouveau dom Bougre à l’Assemblée Nationale ou l’abbé Maury au bordel (1790) e Aux Bougres (1790).¹⁵

    Como veremos, Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) insere-se em pleno nesta descendência textual, sendo um caso invulgar por se tratar de um romance escrito em português e ambientado no Brasil.

    Os frontispícios das diferentes edições do romance continham sempre, pelo menos até finais do século XIX, informações paratextuais falsas, que satirizavam tanto a Igreja católica quanto a monarquia francesa (nas primeiras edições), uma vez que a identificação dos autores, editores ou livreiros poderia levar à prisão. Por exemplo, como destacam Charlotte Galves e Márcia Abreu,¹⁶ a primeira edição trazia no frontispício a informação de que a obra fora publicada em Rome, chez Philotanus, associando ironicamente a sede da Igreja católica e as forças do mal à publicação (cf. Imagem n.º 1). Neste caso, o nome foi escolhido a preceito. Com efeito, embora Philotanus conste do rol dos demónios,¹⁷ o leitor menos familiarizado com a demonologia ficará sobretudo aliciado pelo rebuscado trocadilho, Philo ânus, a condizer com o Bougre (sodomita) do título. Neste mesmo sentido, uma outra edição informava que Essa edição foi revista, corrigida & aumentada sob a supervisão do Santo Papa,¹⁸ enquanto outra continha uma épître dédicatoire à Marie Antoinette.¹⁹,²⁰

    Imagem n.º 1.  Capa de Histoire de Dom B... portier des Chartreux (1741).

    Saturnino, porteiro dos frades bentos, de 1842, que poderá ler a seguir com atualização e revisão ortográfica,²¹ é a primeira versão impressa em língua portuguesa de Histoire de Dom B... portier des Chartreux, sendo que, como outras do género, poderá ter circulado antes em versão manuscrita o que, aliás, poderia dilucidar o facto de o texto português apresentar alguns cortes e de certas cenas ficarem reduzidas ao miolo narrativo. Lembremos, à guisa de exemplo, que o outro grande sucesso da literatura libertina francesa coeva, Thérèse philosophe (Jean-Baptiste Boyer d’Argens, 1748), circulou em versão manuscrita durante muitos anos, antes de ser impressa, no primeiro quartel de Oitocentos.²²

    No entanto, entendemos que esta edição não é simplesmente uma tradução ou uma cópia do original francês; pelo contrário, as alterações, omissões e acréscimos efetuados a Histoire de Dom B…, portier des chartreux, assim como as novas gravuras produzidas para a edição, parecem produzir um livro novo que, obviamente, pode ser lido comparativamente com as edições francesas, mas que também pode ser compreendido como obra literária portuguesa e/ou brasileira.

    Neste caso, podemos entender este romance como sendo, no mínimo, uma obra transnacional e, seguindo a categoria de Gérard Genette, como uma transposição, ou seja, uma imitação séria²³ de um texto do cânone licencioso francês em português. Esta transposição não é um caso isolado, já que outros sucessos da literatura erótica e pornográfica francesa também foram transpostos, como O Capítulo Geral dos Franciscanos (Alexis Piron, Le Chapitre général des cordeliers, 1796), O Exame de Juliana (Louis Protat, L’examen de Flora, 1846), Um verão em Sintra (Correspondência de duas elegantes)²⁴ ([Gustave Droz], Un été à la campagne: correspondance de deux jeunes parisiennes, 1868), para só citar alguns.

    Apesar de o enredo se passar no Rio de Janeiro, com descrições geográficas escassas mas precisas, e de o autor ser provavelmente um brasileiro, conforme hipótese de Galves e Abreu²⁵ a partir do estudo da ortografia, pontuação e sintaxe do texto, que aponta para o uso do possessivo e para a colocação dos clíticos, característicos da escrita literária brasileira da época, não encontrámos registos sobre a circulação desta edição no Brasil. Embora o frontispício da obra indique que foi publicada Na impressão do anonimo brazileiro (cf. imagem n.º 2) – como vimos a falsidade das informações é comum nas obras que narram a vida de Saturnino –, o livro deve ter sido editado clandestinamente em Portugal, em conjunto com outras obras libertinas de sucesso, entre as quais Teresa Filósofa (Boyer d’Argens, Thérèse philosophe, 1748) e A Cortina Corrida (Mirabeau, Le Rideau levé ou l’éducation de Laure, 1786).

    Imagem n.º  2. Capa de Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842).

    Ademais, o livro não consta em nenhuma biblioteca pública brasileira e, até à data, só conseguimos identificar dois exemplares, ambos em instituições portuguesas: na Biblioteca Nacional de Portugal e na da Sociedade Martins Sarmento, sediada em Guimarães.

    Por tudo isto, é provável que esta edição, que supomos ser a primeira, tenha circulado apenas em Portugal, tenha sido editada por um português e tenha sido escrita por um brasileiro ou por um torna-viagem, hipótese que escapou a Galves e Abreu, como escapou também o facto de o lexema bunda só aparecer uma vez no texto, onde os cus predominam, não só a nível linguístico mas também literalmente. O termo já aparecia na literatura fescenina escrita no Brasil – pelo menos desde Gregório de Matos – mas não era de todo utilizado em Portugal. É, pelo que sabemos, a primeira ocorrência de bunda num texto licencioso português. Logo, o tradutor deve ter tido uma ligação com o Brasil, daí o lapso.

    Neste sentido, vale lembrar que Coimbra continuava a ser um polo de formação para uma certa elite brasileira e que a edição de 1786, com o título Le Portier des chartreux, conquanto constasse do rol das obras proibidas pela inquisição portuguesa,²⁶ circulou no meio académico coimbrão entre 1788 e 1795.²⁷ Portanto, não é de todo impossível que a obra também tenha circulado entre os estudantes brasileiros a viverem em Portugal, antes e depois da independência do Brasil.

    Ademais, corroborando a tese de Galves e Abreu, Alessandra El Far²⁸ indica que até 1870 os textos pornográficos em circulação no Brasil eram principalmente importados de Portugal, passando a ser produzidos, editados e publicados no Brasil a partir de 1880.

    As duas primeiras edições de Saturnino, porteiro dos frades bentos circularam em Portugal e só a terceira, com data de 1875, parece ter chegado ao Brasil.²⁹ No entanto, a obra que terá aportado primeiro ao Brasil parece ter sido a edição francesa de 1787, Mémoires de Saturnin, écrits par lui-même, editada em dois volumes, com 23 gravuras, 24 contando a do frontispício, tal como parecem sugerir os dados paratextuais e o título do anúncio ao livro publicado no Diário de Pernambuco, a 4 de setembro de 1845:

    Acabam de chegar de Paris as muito interessantes Memórias de Saturnino ornadas com 24 curiosas e mui bem feitas estampas, em dois volumes.³⁰

    Note-se que dois meses depois, o jornal Diário Novo, também de Pernambuco, indicava:

    Ainda se acha à venda um pequeno número das Memórias de Saturnino: em Olinda e no Recife.³¹

    Pelos vistos, se atentarmos ao adjetivo pequeno, o romance, que continuava a ser impresso à socapa, em várias cidades francesas, por causa da censura, deve ter esgotado pouco tempo depois de ter sido importado clandestinamente.³²

    Encontramos uma outra versão da história de Saturnino no Brasil, o livro Memórias do Frei Saturnino, que se tornou bastante popular e foi anunciado em jornais até, pelo menos, 1906.³³ Com efeito, em 1875, o Boletim do Grande Oriente Unido, ao denunciar os desmandos dos padres Guilherme Vand Sand e Antonio Arrumar, no interior do Ceará, afirma que ambos:

    Fallam a língua portugueza de um modo a arripiar cabellos, empregando termos proprios das memorias de frei Saturnino ou Thereza a philosopha, e isso acompanhado dos gestos mais obscenos.³⁴

    El Far afirma que Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) e Memórias do Frei Saturnino (s/d) seriam o mesmo livro com títulos diferentes, sendo o último vendido a partir de 1897. No entanto, apesar de não termos conseguido acesso completo à edição Memórias do Frei Saturnino, a comparação entre as gravuras dos dois livros indica que se trata de duas versões diferentes, o que confirma a hipótese de Fernando Curopos e contraria a de El Far.³⁵ A partir da análise das gravuras dos dois livros, podemos dizer que Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) é uma transposição de Histoire de dom B... portier des chartreux (1741), enquanto Memórias do Frei Saturnino (s/d) será uma tradução de Mémoires de Saturnin, écrits par lui-même (1787), constituindo-se, portanto, como obras diferentes.

    Em 1890, ou pouco antes, saiu uma nova edição, com seis estampas, como indicado no catálogo Bibliotheca curiosa apenso ao romance lesboerótico Duas amigas…Romance sensual (1891):³⁶

    Saturnino ou o porteiro dos frades bentos. É obra considerada clássica, no género; esgotadas todas as edições fez-se uma outra, a fim de não ficar no esquecimento uma das melhores na especialidade. – Um volume, com 6 estampas.³⁷

    No Brasil, circularam ainda duas outras edições: As proesas de D. Frei Saturnino, vendida desde 1889,³⁸ e, mais recentemente, As Memórias Eróticas de Frei Saturnino, de 1977, vendida pela editora Gama (cf. imagem n.º 3).

    Imagem n.º  3. Capa de As Memórias Eróticas de Frei Saturnino (1977).

    Os anúncios em jornais indicam que a história de Saturnino já circulava no Brasil, seja em edição francesa seja em edição portuguesa, pelo menos desde 1845, data da primeira referência à venda do romance encontrada em fontes brasileiras. As diferentes edições da história de Saturnino foram sempre acompanhadas de grande êxito comercial. Em França, não só é um dos mais populares romances anticlericais do século XVIII, mas é também o mais frequentemente reimpresso,³⁹ tendo circulado inclusive no Palácio de Versalhes, entre a filha e a governanta de Luís XV.⁴⁰ No Brasil, além de aparecerem frequentes anúncios de venda da obra, especialmente entre 1886 e 1897, também surgiram anúncios de compra, em 1947.⁴¹

    O subversivo romance, que acumula alegremente todas as transgressões literárias, intelectuais e morais⁴² é um sucesso editorial logo à partida, o que provoca o aparecimento da obra em outros textos literários, já que todos os que se interessaram pela atualidade das ideias do seu tempo o leram⁴³. Nesse sentido, por exemplo, há referências a Saturnino em Teresa Filósofa (1748), obra erótica francesa de grande circulação e reimpressão, onde o livro é oferecido não só a Teresa, numa tentativa (bem sucedida) de quebrar sua resistência à penetração, mas também à Sra. C., que clama pela presença do amante após ler o livro, como mostra El Far.⁴⁴ Saturnino aparece também no poema satírico A hóstia de ouro (1869), do português José Simão Dias,⁴⁵ num folhetim brasileiro de título e autor desconhecidos, em 1875,⁴⁶ e em Jacob e Dulce – scenas da vida indiana (1896), do goês Francisco João da Costa,⁴⁷ o que indica que a obra teve uma receção alargada.

    O sucesso de vendas das diferentes edições terá estado na origem da perseguição a que foram sujeitas. Em França, por exemplo, logo após a publicação, foram condenados à prisão e ao exílio supostos autores, ilustradores, editores, livreiros e até leitores,⁴⁸,⁴⁹ incluindo funcionários de Luís XV⁵⁰,⁵¹ e padres carmelitas,⁵² o que não impediu que o romance continuasse a circular, embora fosse um dos livros mais apreendidos à época.⁵³

    Em Portugal, o livro foi denunciado à Inquisição em 1810, o que colocou, sem grande sucesso, a polícia e os organismos de censura no encalço da obra.⁵⁴ No Brasil, a censura no século XIX, conforme El Far,⁵⁵ era mais uma questão moral do que legal, sem grandes consequências para a circulação da obra. No século XX, no entanto, conforme noticiado pela Gazeta de Notícias, em 13 de março de 1946, o alemão Valter Menzl foi preso e processado porque a sua livraria vendia livros obscenos, como afirmava o título da notícia O alemão negociava com livros imorais.⁵⁶ Entre os livros apreendidos pela Delegacia de Costumes e Diversões, através do delegado Carlos Toledo, estavam Memórias do Frei Saturnino, História da Prostituição, Gula da Vida Íntima, Sereias de Copacabana, Almas Desnudas e Como Conquistei Vocês.⁵⁷

    Apesar das perseguições e da grande dificuldade para se encontrar o livro atualmente, tanto no Brasil como em Portugal, dificuldade que esta nova edição da INDEX permitirá resolver, os acervos particulares, assim como as Coleções Inferno⁵⁸ das bibliotecas públicas, garantiram a sobrevivência de alguns, poucos, exemplares. De entre os acervos particulares, cabe destacar o de Frei João, que, no longínquo ano de 1883, guardava publicações pornográficas no convento de Santo António, com o único fim de as preservar devido à sua importância histórica. Ainda que incompreendido e chamado de devasso, torpe e crápula, o bravo Frei João protegeu obras como Os Serões do Convento, A Martinhada e Frei Saturnino, fazendo desses livros, segundo as más línguas, as suas obras de cabeceira e a sua bíblia.⁵⁹

    Para a edição de Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) foram produzidas dezasseis gravuras originais, inspiradas nas estampas publicadas em duas das primeiras edições francesas: a de 1741, a edição prínceps e a mais rara de todas, o que sugere que esta edição circulou também em Portugal, e a edição de 1748, dada a lume em Frankfurt, na Alemanha. Neste sentido, as gravuras, tal como o próprio texto, são uma transposição, deixando claro que existia, no Portugal coevo, não só uma produção de literatura licenciosa de que Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) é um dos frutos, mas também uma incipiente produção de arte licenciosa.

    Comparando entre si as quatro edições francesas do romance, anteriores à primeira edição em português, Histoire de dom B... portier des chartreux (1741, 1748 e 1777) e Mémoires de Saturnin, écrits par lui-même (1787), e as duas edições em português, Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) e Memórias do Frei Saturnino (s/d), podemos afirmar que cada uma delas produziu visualmente um conjunto diferente de gravuras, que não coincidem necessariamente em termos de quantidade nem de cenas recriadas visualmente. Além disso, há publicações onde as imagens estão incorporadas no texto escrito, enquanto noutras a iconografia é remetida para anexo.

    Infelizmente, na única cópia digital localizada de Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842), pertencente à Biblioteca Nacional de Portugal, as gravuras são de péssima qualidade. Por conta do que ficou dito, decidimos ilustrar esta nova edição com as gravuras das edições francesas de 1741 ou 1748, com as quais constatamos uma maior similaridade das cenas narradas visualmente (cf. imagem n.º 4), tanto na organização dos personagens como no cenário escolhido, prometendo uma reedição para quando tivermos acesso às gravuras originais em formato digital de boa qualidade.

    Imagem n.º  4. Gravuras das edições de 1842 (edição portuguesa), 1741, 1748 e 1787 (edições francesas) respetivamente.

    Conquanto as ilustrações desta obra sirvam sobretudo para complementar o sentido da narrativa verbal, recriando visualmente o texto escrito, não deixam de redobrar o prazer do texto (Barthes), sendo,

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