Janela de Instantes
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Sobre este e-book
Silvia Maria de Araújo
Sou Silvia Maria de Araújo, curitibana nata, Silvia simples sem y nem acento, como me intitulo. Socióloga por formação, fui professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná. Reuni o Mestrado em História Social (UFPR), o Doutorado em Ciências da Comunicação (USP) e o Pós-Doutorado em Sociologia do Trabalho (Universidade Estatal de Milão) para compreender a realidade brasileira tão desigual. O gosto pela ciência e o magistério levaram-me a escrever livros didáticos de Sociologia para estudantes e professores, trabalhando em equipe. Reflito sobre as dimensões da vida, por isso o livro Projeto de Vida foi publicado em coautoria pela Editora Paulinas. Sempre passeei pela literatura, o que me distinguiu assumir uma cadeira na Academia Feminina de Letras do Paraná e ser uma das autoras do livro Para Filosofar, contemplado com o Prêmio Jabuti em 2001. Exploro alguns talentos que me trazem alegria, como produzir landscapes em patchwork quiltados à mão, de paisagens do Paraná. O que s
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Janela de Instantes - Silvia Maria de Araújo
Rio de Janeiro, 2019
Copyright© 2019 by Silvia Maria de Araújo
Direitos em Língua Portuguesa reservados à autora através da
QUÁRTICA® EDITORA.
ISBN: 978-65-990610-7-3 (2020)
ISBN: 978-85-7801-531-2 (versão impressa)
Imagem de Capa: Pixabay
Arte Final de Capa: Teresa Akil
Editoração: Quártica Editora
Conversão: Cevolela Editions
logoQuarticaQUÁRTICA® EDITORA
CNPJ 32.067.910/0001-88 - Insc. Estadual 83.581.948
Av. Marechal Floriano, 143 sala 805 - Centro
20080-005 - Rio de Janeiro - RJ
Tel: (21)2223-0030/ 2263-3141
E-mail: litteris@litteris.com.br
www.litteris.com.br
www.litteriseditora.com.br
www.livrarialitteris.com.br
Sumário
Capa
Prefácio
Apresentação
MANIA, MISTÉRIO OU MALÍCIA?
Sexto sentido
Dimensões histriônicas
Prazer em conhecê-la
Atraso e troca truncada
A madrinha poderosa
Tração nas quatro rodas
E viva Santo Antônio!
Quem pode, pode
UM TEMPO...SEMPRE É TEMPO
O cordão dos puxa-saco
Na medida certa
O terror mora no vizinho
Do chá ao cafezinho
Me engana que eu gosto
Professores sempre
Ele não entendeu nada
Chaves e outros esquecidos
Cortando o mal pela raiz
SAÍDAS INSÓLIDAS
Resposta imediata
A noiva inovou
O último sorriso
Bye bye, Alice
Uma ajuda à altura
Os tempos mudaram, o samba não?
Homem que é homem
Autocensura
Documento secreto
Boa ação escoteira
Teste à Pova de Dor
Pretensamente Sem Preconceito
Sobre a Autora
Trago no meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando.
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
Antonio Caeiro/ Fernando Pessoa
JANELAS DE INSTANTES
Não posso dizer que vivi. Como a qualquer pessoa, as situações cotidianas, insignificantes e anônimas, me envolvem e às vezes ganham colorido à parte, momentos pontuados pelo inesperado, alguns carregados de humor em sua dramaticidade. Deles, tiro ensinamentos como o macerado da erva para a produção do chá – a substância que fica. Na contestação à rotina, o imprevisto se firma e, de repente, ele é a permanência.
Reúno histórias de constrangimento, decepção, surpresa ou expansão da criança que habita em nós, num esforço de rir das próprias desgraças. A sequência desses mosaicos, prosaicos e divertidos, não importa, por serem pontas desfiadas nas meadas da vida. Se não aconteceram comigo, são histórias reais isentas de invenção ou gabolice, ainda que acrescidas de um ponto por quem conta contos.
Os causos guardam fidelidade ao seu significado e despertam registros escondidos. A leitura produz elos de um dejà vu, identificação espontânea do tipo histórias como essas também vivi
, seja por Mania, malícia ou mistério
em Um tempo... sempre é tempo
de acontecimentos assim, alguns com Saídas insólitas
.
Nesse espaço de incompletude e diálogo, as surpresas crônicas criam um élan de cumplicidade com o leitor, escavando reminiscências a partir de personagens particulares e genéricos. Todos são pegos em circunstâncias díspares e de mesma entonação, a repetir a vida que nunca se repete. Essa leveza nos põe à janela por alguns instantes.
Silvia Maria de Araújo
Primavera de 2019
1SEXTO SENTIDO
Eles se dispunham a ganhar dinheiro respirando ar puro.
Eram quatro sócios de um negócio inédito para todos. Ser proprietário de terras, no fundo, é um desejo atávico das pessoas, graças a uma atração da volta às origens no sentido de criar raízes. O velho sonho de pisar no que é seu – o imbatível instinto de propriedade – é uma condição de berço para poucos e de pesado investimento para outros. Essa é uma empreitada difícil de realizar quando se é citadino, espécime do asfalto, comum em escritórios, empilhada em apartamentos, criada entre almofadas e baforadas de cigarros, no sobe e desce de elevadores, digerindo notícias rápidas e goles de cafezinho ou dirigindo parado em congestionamentos de estradas.
Os quatro sócios estavam exultantes. Depois de trabalhar anos a fio como técnicos em serviço de conhecimento técnico-administrativo, analistas de projetos de desenvolvimento e responsáveis por programas de política governamental, eles conquistavam, enfim, o direito de serem donos do próprio negócio! Nada tão grande a ponto de fazê-los mudar de vida, mas ambicioso o bastante para abrigar o sonho de cada um. De longe não seriam latifundiários, mas apenas proprietários rurais. Aquelas terras ao pé da serra prometiam a alternativa de ganho complementar ou, ao menos, a chance de contemplar a exuberância da mata despencando morro abaixo. Quem sabe, pisando em terra firme, eles chegariam a realizar algo concreto e invejável: ser um farmer brasileiro, talvez! Trocando em miúdos, eles se dispunham a ganhar dinheiro respirando ar puro.
Reuniões se sucederam para tomar as decisões do que fazer com as terras que já chamavam de fazenda. Nenhum deles trazia no sangue o cheirinho de um sítio, nem estava afeiçoado à mata nem ao mato. O desafio era colocar em prática a eficácia de uma gestão fundiária compartida portando no coração o desejo de ser patrão. Seriam fazendeiros emancipados num empreendimento rural garantido. Fazia-se imperioso aproveitar o potencial do lugar: planejar o cultivo, adensar o palmital, plantar espécies da região, acostumar-se à nova terminologia do negócio para além do escritório, deixando a imaginação penetrar no bolso e dosar o que era possível. Até um viveiro de camarões foi pensado para ocupar os domínios próximos ao mar e chegar depois à mesa dos bacanas. Logo um caseiro se fez necessário (lá vem despesa!), e um racional esquema de rodízio entre os sócios foi montado: acompanhar as tarefas do empregado, pagar as contas e vigiar periodicamente o local.
Quase de imediato descobriram que ter terra
dá trabalho, demanda esforço, mesmo sem pôr a mão na enxada. Em cascata, vieram impostos a pagar, taxas e sobretaxas cobradas com prazo, multas acumuladas, além das despesas de manutenção do imóvel e a preocupação crescendo como qualquer bem de capital. Aliás, terra é capital, basta trabalhá-la. Longe da vista dos donos, aquele imóvel requeria tempo e preparo físico nas viagens constantes, trilhas a percorrer, vistoria de território e ensaios de produção, calçando botas para se precaver contra mordidas de cobra e outros bichos.