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O Perfume do Chianti: História de uma família
O Perfume do Chianti: História de uma família
O Perfume do Chianti: História de uma família
E-book277 páginas4 horas

O Perfume do Chianti: História de uma família

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Sobre este e-book

Os vinhos se confundem com a trajetória da tradicional família Antinori, que há 26 gerações e mais de 625 anos produz um dos tintos mais elegantes de toda a história, o Chianti. Os detalhes da receita de qualidade alcançada durante uma vida de encontros, experiências e vitórias são contados com entusiasmo e paixão na biografia O perfume do Chianti. Narrado em primeira pessoa pelo atual patriarca, Piero Antinori, o livro faz do vinho o protagonista de uma história capaz de definir e caracterizar ambientes e pessoas. Tudo isso encenado em uma das mais inspiradoras paisagens italianas, a Toscana.
A narrativa centra-se, em especial, no período de 1966, quando Piero Antinori tomou as rédeas da casa de vinho do mesmo nome, até a época mais recente, com a nova geração dos Antinori e cuja empresa está sob administração das filhas Albiera, Allegra e Alessia. Sob o comando de Piero, uma série de investimentos foram feitos em outras áreas altamente adequadas à produção de vinhos de qualidade, que promovessem novos terroirs que são ricos em vitivinicultura potencial.
Exigente e inovador, Antinori quis perseguir, a partir dos anos 70, o vinho "perfeito" de um vermelho mais elegante do que nunca, de alguma forma uma tentativa de restaurar a imponência do Chianti, que já estava em decadência – e cuja aceleração ocorreu, em parte, pela plantação desordenada e improvisada de videiras em áreas impróprias para a plantação de uvas, a partir dos anos 60. Esse vinho era o Tignanello – feito com 90% de uva Sangiovese e 10% Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Também é dos Antiori o Solaia, tinto que foi considerado pela revista especializada Wine Spectator o melhor vinho do mundo.
Hoje a marca tem estabelecido uma reputação de excelência e arrojo e tem assinado alguns dos vinhos mais aclamados e inovadores do século XX. Piero Antinori mostra que sabe o que faz e que seu empenho se reflete em suas criaturas, sete rótulos, alguns famosos, alguns inéditos, marcando uma história.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de nov. de 2012
ISBN9788581221625
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    O Perfume do Chianti - Piero Antinori

    começar.

    I – MONTENISA BRUT ROSÉ

    Semeando o futuro

    Se eu tivesse de apresentar as minhas filhas com um vinho, escolheria um Montenisa. Um espumante. Um Franciacorta Brut Rosé, talvez, das últimas safras.

    Albiera, Allegra, Alessia são a moderna alma internacional da Marchesi Antinori. Criadas nos antigos aposentos do palácio Antinori (onde fica o seu escritório), têm uma vida pontilhada de aviões, trens e feiras internacionais. A mais velha, Albiera, nossa vice-presidente, muitas vezes está na Ásia. Cabeça do marketing Antinori, apaixonada por arquitetura, criou e continua a cuidar do nosso hotel-fazenda em Fonte de’ Medici, está assistindo ao nascimento das novas adegas de Bargino, na comarca de San Casciano Val di Pesa, e venceu o desafio de ser presidente – mulher e florentina – de uma tradicional firma vinícola piemontesa, a Prunotto.

    – Quando cheguei – confessou – ainda estava com menos de trinta anos, não conhecia a uva Nebbiolo, e o enólogo tinha de traduzir para mim o dialeto dos nossos viticultores!

    Allegra, alma das nossas relações-públicas, cultora da boa cozinha, entre outras coisas exportou as Pequenas Adegas Antinori para Viena, Moscou e Zurique.

    Alessia, a caçula, que no entender dos meus amigos é a cara do vovô Niccolò, devora livros de vinicultura desde menina. É a nossa enóloga, e o Montenisa, em nível produtivo, é uma sua criatura, que ela acompanhou por longos anos. Mas também se encarrega da exportação para os Estados Unidos e os mercados emergentes. E em 2003 foi presidente da organização Premium Familiae Vini, as Nações Unidas das famílias históricas do vinho. Uma grande honra.

    Hoje em dia as revistas italianas de enologia, e não só elas, gostam de entrevistá-las, amiúde até mais do que a mim. Uma de cada vez ou todas as três juntas. Seus rostos e suas vozes de sotaque toscano ricocheteiam em mil filmes de divulgação, em mil línguas diferentes, enquanto apresentam uma garrafa ou vindimam numa das nossas vinhas toscanas ou californianas. E no começo de 2011 o semanário estadunidense Newsweek as incluiu entre as quinze mulheres-ícone do made in Italy, não conhecidas somente por aparecer na TV ou por saber preparar um bom jantar.

    Pensando nelas, cada garrafa de Montenisa é assinada com um tríplice A que se enrosca no rótulo claro, para celebrar o trabalho de equipe destas três vinhateiras. As mulheres dos três A têm o mesmo sobrenome, mas aptidões e caracteres diferentes. Allegra, entusiasta e extrovertida. Alessia, comunicativa e decidida. Albiera a bancar a moderadora entre as duas, como é de esperar de uma boa irmã mais velha. As duas mais velhas tiveram uma educação um tanto rígida, entre babás e rigorosos horários para sair à noite. A mais nova recebeu um pouco mais de liberdade (os tempos mudam): cursou a universidade, começou a viajar mais cedo. Cada uma tem a sua própria história, mas, juntas, encontraram uma maneira toda feminina de acabar com as divergências e abrir espaço para a sua contribuição pessoal. Foram elas que imaginaram, produziram por conta própria e apresentaram ao mercado este novo vinho, um Franciacorta intenso e complexo, com uma bonita história por contar. Afinal, por trás de todo grande vinho há muita coisa por dizer. Todo vinho tem a sua história, escreveu certa vez Veronelli.

    A propriedade, cujo nome lembra o monte consagrado a Baco, fica no coração da Franciacorta, ao sul do lago de Iseo. Trabalhar entre aquelas fileiras, para nós, significava muitas coisas. Havia a incógnita de exportar a nossa história secular para longe do seu berço na Toscana. E também havia o incentivo de retomar aquela espécie de epopeia que foi o relacionamento entre os espumantes e os Antinori. Tecnicamente, precisamos lembrar que, geralmente, as nossas uvas toscanas não possuem as características necessárias para produzir vinhos espumantes de alta qualidade. E, além do mais, nada está mais longe do perlage, as bolhinhas, do que a imagem e o espírito dos vinhos toscanos tradicionais, que são uma tribo feita de substâncias e personalidade, com os pés bem plantados no chão e poucas concessões às frivolidades borbulhantes. Uma firma que, no entanto, quer crescer e perdurar no tempo precisa sempre enveredar por novos caminhos e superar velhas fronteiras.

    O primeiro a aventurar-se numa versão toscana dos míticos champanhes, vinhos da alegria e dos palácios reais, foi Piero Antinori, o meu avô, numa época em que a indústria vinícola italiana ainda estava em sua pré-história. Viajando pelos mais lindos vinhedos da França em busca de inspiração, levara consigo umas garrafas do melhor branco de Cigliano, uma das nossas primeiras fazendas toscanas. No Marne, em Épernay, a capital dos champanhes, os bruxos das bolinhas do Instituto enológico experimentaram-no. Pois é, porque ali, descobriu meu avô, já havia aquelas escolas enológicas que na Itália da época ninguém tinha sequer imaginado. Afinal a sentença foi que, sim, de qualquer maneira, até que se poderia tentar alguma coisa. Nasceu assim o primeiro Gran Spumante Marchese Antinori. Era 1904. No nosso país fomos os segundos a experimentar o método champenois, depois dos Ferrari, a família italiana do espumante por excelência. Tratava-se, então, de umas poucas centenas de caixas. Que logo nos deram, no entanto, muitas gratas satisfações, bem como grandes dores de cabeça.

    O Champanhe do Chianti – a nossa zona de origem, naquele tempo já famosa pelos tintos – não demorou a chegar ao cardápio dos restaurantes mais renomados, bem como à carta dos vinhos dos banquetes do palácio do Quirinal, onde os reis da Itália brindavam. Também chegaram os elogios de Giacomo Puccini, o grande músico, que em 1914 – é uma carta até hoje zelosamente guardada numa gaveta da escrivaninha do meu pai – pedia informações acerca daquele frisante – para finos cavalheiros. Cordon Rouge, como era chamado naquele tempo. Mas, uma vez que o espumante nunca deixa de ser um espírito caprichoso, também houve aquela manhã de uns poucos anos depois, quando cerca de sete mil garrafas explodiram num prazo de poucas horas retumbando sob os arcos das adegas de San Casciano. Pareceu a explosão de uma rajada de metralhadora pesada. Tudo devido a um erro de dosagem por parte do técnico francês que a minha família tinha chamado para a tarefa (e que não demorou a ser mandado de volta para casa): para enfrentar o tiroteio, foi preciso proteger o rosto com máscaras de esgrimista.

    O suposto mago dos champanhas, que ostentava o reboante nome de Charlemagne, tinha evidentemente errado alguma coisa entre o tirage, o remuage e o dégorgement, as então bastante misteriosas fases de fermentação que levavam àquele vinho tão particular. Alguém disse, na época, que estava simplesmente com saudade dos barris das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, onde ele lutara como combatente do exército transalpino. De qualquer maneira, meu pai quase teve de brigar com meu avô para seguir adiante por aquele caminho perigoso. E para fazer sobreviver os nossos vinhos fermentados teve de pedir um empréstimo bancário, pedir mais dinheiro a uma parenta, deslocar a produção para outra adega, em San Martino alla Palma, e mandar vir da França um novo técnico. O nome deste era Granvalet e, ao contrário do seu conterrâneo antecessor, demonstrou o seu valor. Nós, os Antinori, dificilmente nos rendemos. E das nossas adegas também continuaram a sair vinhos borbulhantes. Para encerrar esta fase pioneira e gasosa, só quero salientar que sempre ficamos no pequeno número de produtores de espumante italianos de qualidade. E em 1975 lá estávamos nós, entre as dez firmas que fundaram o Instituto Espumante Clássico – método champenois.

    Novos tempos, por outro lado, requerem novos parâmetros de qualidade do vinho. No fim da década de 1990, com as minhas filhas, começamos a procurar uma terra onde se pudesse trabalhar com um espumante capaz de celebrar dignamente os nossos cem anos de borbulhas. Encontramo-la neste cantinho mágico da Lombardia, entre o lago e a montanha. É uma vinha fechada por um pomar, um velho muro, com uma pequena aldeia e umas pequenas ermidas medievais por perto, e uma vila do século XV: uma visão que nos deixou emocionados. Sempre acreditei que, de alguma forma, o bom vinicultor e a sua vinha se reconhecem. E constatei que os melhores vinhos sempre nascem em paisagens harmoniosas, ricas de história e personalidade, cuja beleza, por inefáveis caminhos, acaba revivendo no copo. Neste caso, então, falamos de terreno prestigioso. A terra do espumante, na imagem que dela temos, é justamente isto.

    Para operarmos da melhor forma possível nesta área, tão diferente da nossa por tradição e cultura do vinho, em 1999 decidimos nos aliar a uma nobre e antiga família de Brescia: os condes Maggi. Pessoas ecléticas. O primeiro dono daquele terreno, Aymo, amava na mesma medida espumantes e motores. E foi um dos fundadores das Mil Milhas, estafante maratona automobilística que se corria a partir da década de 1920 nas estradas estatais.[1] Atualmente Alessia mantém um excelente relacionamento com a nova geração da família. Os grandes vinhos sempre nascem de uma rede de contatos, alianças, amizades. Fundamental, ainda mais quando se fazem enxertos e se vindima longe da Praça Antinori. Os Maggi, portanto, continuam a ser os donos da propriedade; nós tivemos carta branca para relançar a produção. Albiera, Allegra e Alessia verificaram a vocação da terra, plantaram novas vinhas, ajeitaram a adega. E ficaram esperando.

    Um vinho das irmãs Antinori. Para entender o que isto significa para mim, é preciso lembrar que, ainda no começo dos anos 1980, esta virada parecia improvável e distante. Era um momento delicado e precário. A minha irmã Ilaria e o meu irmão Lodovico haviam decidido sair da firma. Ela não estava interessada no mundo do vinho, ele tencionava dedicar-se a seus planos pessoais. Liquidar dois dos principais herdeiros deixara a marca Antinori numa situação de repentina fragilidade financeira. Mas além da sensação de um fim iminente e irrecuperável para aquele longo ciclo histórico, também nascia em mim um sentimento muito mais íntimo e pessoal.

    Hoje estou convencido de que homens e mulheres têm as mesmas qualidades e potencialidades, até no mundo da viticultura. Nos vinhedos italianos, com efeito, está acontecendo uma verdadeira revolução rosa. Penso em Gaia Gaja, filha de Angelo (ele também gostou de brincar com os nomes de batismo!), que já há algum tempo trabalha com sucesso na grande casa dos tintos piemonteses. Na Sicília, em Francesca Planeta ou em José[2] Rallo, da família Donnafugata, já na segunda geração de vinhos decididamente femininos. E ainda nas irmãs Lungarotti na Úmbria. Em Elisabetta Foradori no Trentino e em tantas outras apaixonadas e extremamente competentes produtoras. Bem como na própria Associação das Mulheres do Vinho, que reúne muitas delas. Acredito que muito em breve na Itália também as mulheres ocuparão o espaço que bem merecem na sociedade e no empresariado. Com ou sem cotas rosa.

    Devo admitir que trinta anos atrás, no entanto, não podia francamente imaginá-las, a estas meninas Antinori, numa vida entre vinhas e adegas, ou tratando de uvas e de preços com os nossos representantes nos quatro cantos do mundo. É preciso pensar que o nosso cosmopolita e requintado ambiente de vinhateiros – um círculo um tanto fechado de pessoas do ramo, que vivem apaixonadamente do vinho e pelo vinho – nem sempre foi tão aberto às novidades. No que concerne ao conteúdo do tonel, mas também a respeito de tudo aquilo que está por trás e em volta. Acreditem, pois eu bem sei disto.

    Tentei, é claro, procurar precedentes nas memórias familiares a que meu pai vinha dedicando os últimos anos da sua vida (livro mais tarde editado em Florença, em 1990, por Paolo Sacchi). Pois bem, pelo menos uma mulher determinante para o destino da casa existira. Era 1385, o nosso ano fundamental. É um ano em que o melhor vinho do mundo já se faz, há muito tempo, na região francesa de Bordéus. Na futura Napa Valley americana, por sua vez, ainda andam à solta os índios Wappos, ignorando a videira silvestre que vinga por todos os lados. Em Florença, Albiera di Geri degli Agli é a mãe de Giovanni da Pietro Antinori, que pode ser considerado o primeiro businessman da estirpe. Giovanni já foi soldado e diplomata e, enquanto o irmão Lodovico leva adiante o comércio da seda, procura agora novos caminhos. "Por que não se filia à corporação dos vinattieri?, parece que sugeriu a mãe. Foi assim que tudo começou: com a entrada na Associação florentina da uva, cujo brasão é o cálice em campo branco que ainda se vê numa parede do térreo do palácio Antinori. Vinattiere" é, propriamente, a palavra antiga e toscana que indica quem vende vinho e depois, em sentido mais lato, quem o produz, isto é, o vinheiro ou vinhateiro. Quanto a nós, como já devem ter percebido, ainda gostamos de usá-la, com alguma ironia, para indicar aquele que se dedica ao vinho em todos os seus aspectos, e que de vinho vive.

    Talvez tenha sido, de qualquer maneira, por algum palpite meu, que em 1966, 581 anos depois, chamei de Albiera a minha primeira herdeira. Um antigo nome de família para a primeira filhinha do vigésimo sétimo rebento da árvore Antinori. Ter recuperado, depois de tantos séculos, aquele nome incomum, e talvez todos aqueles As que enfileirei com os nomes das minhas outras filhas – que afinal de contas eram o A de Antinori, a primeira entre todas as letras – parecia querer dar um empurrão no destino. O meu próprio pai, por outro lado, decidira que os seus dois varões levassem o nome dos fundadores, aqueles irmãos Piero e Lodovico que em meados do século XIX inscreveram as suas adegas na Ordem dos empresários vinicultores e que, em 1895, haviam criado com o irmão adquirido Guglielmo Guerrini a sociedade das Adegas dos Marqueses Piero e Lodovico Antinori: explicando que fizera isto justamente porque vislumbrara para a sua dinastia e o seu vinho um futuro brilhante. Ainda que, como escreveu mais tarde, na época a empresa não possuía vinhas nem, muito menos, fazendas.

    Naqueles anos 1980, que agora parecem tão distantes, a minha conclusão só podia ser, no entanto, uma. Depois de ter tido três filhas, depois de ter assistido ao afastamento dos meus irmãos, receava que o relacionamento família-firma pudesse afrouxar-se. Depois de seiscentos anos. Fim da dinastia que ao longo dos séculos tinha resistido a crises econômicas e derrotas políticas, a intrigas palacianas e parasitos da videira. Fim do crescimento da nossa árvore genealógica, que de um quadro pendurado no segundo andar do palácio Antinori sempre nos lembra quem somos e de onde viemos. Uma árvore que em meio milênio se tornou uma espécie de floresta. Não haveria outra geração de Antinori tomando conta das minhas vinhas e dos meus vinhos. Fim de papo.

    Foi por isso tudo que, pela primeira vez em 26 gerações de Antinori cantineiros, em 1984 decidi abrir a firma a um sócio externo, a alguém que não era da família. As Adegas Antinori já não eram só nossas.

    A escolha, dolorosamente ponderada durante longas noites insones, caiu sobre um grupo inglês que já nos representava nos Estados Unidos e na Inglaterra: a Whitbread.

    Multinacional da cerveja, de hotéis e restaurantes, havia sido fundada por Samuel Whitbread em 1742 (comparada conosco, uma marca adolescente!). Tinham começado com cerveja e licores, mas já fazia algum tempo que estavam pensando em aumentar os investimentos no setor do vinho. Ligar-me a eles parecia, na época, uma excelente maneira de garantir de alguma forma a continuidade operativa da firma e recuperar a solidez financeira. Chegamos a um acordo. Os jornais toscanos levantaram-se contra a invasão do forasteiro. Gerações de Antinori retratados de armadura, peruca ou redingote nas paredes do palácio Antinori olhavam enviesado para o bisneto que estava rachando a herança. Nunca teriam feito uma coisa dessas, eles, que durante séculos tinham incluído em todo testamento o fideicomisso, um instrumento que confiava toda propriedade, indivisível e de forma indissolúvel, à linha masculina da casa.

    Durou oito longos anos, durante os quais, como veremos mais adiante, duas maneiras completamente diferentes de conceber o que era uma firma vinícola, o que era lucro, o que era o tempo se chocaram de forma inconciliável e com recíproca frustração. Ficou logo claro que a convivência forçada estava ficando justa demais tanto para mim quanto para eles. Afinal, já vi muitos outros grandes grupos entrar no setor do vinho e depois sair. Quando tudo acabou, os ingleses da Whitbread também decidiram nunca mais meter-se em vinhedos e tonéis de mosto fermentando.

    A minha maneira de ver as coisas sofreu o seu primeiro choque em 1985. Ano de ótima vindima para os tintos da Toscana. Eu era presidente da Federvini, a associação nacional da nossa categoria. Com outros representantes das mais tradicionais famílias do vinho, havíamos planejado uma viagem promocional aos Estados Unidos e Canadá. Albiera, que acabava de completar 19 anos e concluíra o curso secundário no liceu clássico de Florença, me acompanharia. As suas experiências com a uva podiam ser contadas nos dedos de uma mão. Lembro um jantar no começo do verão, em Florença, alguns meses antes da partida; fazia um calor insuportável, e ela se mostrava meio desnorteada.

    – Parece-me que está com poucas ideias, e além do mais confusas – disse a ela. – Que tal fazer a vindima no Castello? Aí poderia acompanhar a fermentação do Cerbaro, controlar as barricas. Vai sentir o ambiente, vai descobrir se fica à vontade…

    Estava me referindo à nossa propriedade na Úmbria, o Castello della Sala. O nosso reino dos vinhos brancos. A fermentação – momento em que as uvas vindimadas e prensadas são deixadas nos tonéis para transformar em álcool os seus açúcares – era em particular a que tinha a ver com o Cervaro della Sala, um branco de concepção original que, justamente naqueles meses, saía de uma longa e complexa gestação. A técnica de maceração a frio, incomum para os brancos italianos, era um dos pontos cruciais para a produção do novo vinho. Outro aspecto interessante era a passagem pelas barricas, barris de 225-230 litros, que considerávamos fundamentais para levar aos mais altos níveis aquele vinho. O enólogo e os cantineiros, naquela fase, precisam acompanhar a evolução do vinho com provas periódicas. E, a certa altura, antes do engarrafamento, é necessário transferir o vinho para uma segunda série de pequenas pipas, para que no processo sejam eliminados todos os resíduos sólidos e o Cervaro possa chegar puro às garrafas. Eu estava propondo à minha filha, em resumo, um mergulho no coração do laboratório vinícola Antinori. Num dos principais sancta sanctorum dos meus enólogos. Talvez Albiera tenha ficado um tanto pasmada e lisonjeada. Ficou curiosa. Testou o ambiente. E começou a pensar no assunto.

    A viagem aos Estados Unidos na primavera de 1986 tinha nascido como uma espécie de passeio-prêmio depois do diploma do clássico. E naquele primeiro tour de force enológico, ao qual nenhum de nós dois dava, àquela altura, nenhuma particular importância, o papel dela devia ser o de espectadora do trabalho de relações-públicas do pai. Mas então estoura, na Itália, o escândalo do metanol, uma história feia de vinhos adulterados, surgida no Piemonte e logo alastrada até envolver todo o nosso sistema vinícola. Foi provavelmente o ponto mais baixo de todos os tempos para a imagem do nosso vinho. O que depois levou a repensar todos os mecanismos de produção, controle e certificação.

    Em resumo, a situação forçou-me a partir apressadamente de volta à Itália, ainda mais porque, justamente, eu era o presidente da Federvini, àquela altura no olho do furacão. Meio a contragosto, levando em conta que um Antinori devia estar presente, não tive outra escolha a não ser deixar a minha filha mais velha, que acabava de chegar à maioridade, como representante da firma. Uma grande responsabilidade, e numa hora bastante difícil para a nossa marca e para toda a Itália do vinho.

    Aconteceu, portanto, que naquela viagem a observadora se tornou protagonista. Uma preciosa ocasião para crescer, graças também a dois pequenos lances de sorte. O primeiro foi que, diante de uma plateia de jornalistas e apreciadores americanos, teve de falar do Tignanello (um dos raros vinhos de que sabia alguma coisa, admitiu depois). O outro, que os meus amigos vinicultores mais calejados cuidaram de ampará-la. Quando, com ela no palco, um espectador começou a vociferar contra os italianos que botam etanol em tudo, meia delegação, sob o comando de Italo Folonari, das adegas Ruffino, levantou-se em defesa da mais jovem do grupo. Que descobriu então o que significa ser parte da grande família italiana do vinho.

    Em setembro, voltando a acompanhar a colheita da uva em Guado al Tasso, Albiera fechou o círculo do seu primeiro ano como viticultora. Descobriu os tempos do vinho, procedimentos velhos de séculos e novas técnicas que estávamos experimentando. Compreendeu que o vinho é um ser vivo, e que no seu ciclo não há absolutamente nada de repetitivo. Que uma vinha cresce, se torna adolescente, adulta, madura, idosa, de forma que nenhuma vindima é igual a outra. Muito tempo depois, numa entrevista, explicou que foi justamente naquele ano que intuíra pela primeira vez o que havia atrás daquela uva engarrafada pela qual tanto se esforçavam, estudando, debatendo e viajando, os homens adultos do palácio Antinori. Fui fisgada por este mundo, gosta de dizer. Resumindo numa frase, havia sido capturada pelo vinho e pela marca Antinori.

    A grande surpresa foi esta: descobrir que o futuro da firma estava justamente dentro do palácio Antinori. Que dava para aprender o vinho, desde que houvesse paixão. Que uma Antinori mulher podia ter o mesmo amor por este trabalho, podia sentir igualmente forte o liame com ele, com a terra e com a tradição. Não uma Antinori, aliás, mas três. Pois ficou logo evidente que Albiera tinha dado a partida a uma reação em cadeia. As duas

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