A Cultura Alimentar e a Merenda Escolar em Torno do Geopark Araripe
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Sobre este e-book
Os trabalhos partem da pesquisa qualitativa e apoiam-se em práticas alimentares de diferentes atores produzidos a partir da interação social nas escolas, nas comunidades, nos sítios, nos mercados públicos, entre outros, para dialogar com os desa?os da Educação Alimentar e Nutricional na transversalidade dos temas no currículo da educação básica. Assim, direcionamos o livro à comunidade escolar.
Algumas questões impulsionaram a obra, a saber: 1) a cultura alimentar; 2) a Educação Alimentar Nutricional (EAN); e 3) o sentido de regionalização alimentar que, em tese, agrega o princípio de valorização do sistema alimentar no currículo.
Em síntese: do desconhecimento da cultura alimentar, dúvidas de educadores e do entendimento de regionalização da alimentação escolar no currículo, indagamos: quais práticas, hábitos e saberes alimentares dos moradores dos Geossítios Colina do Horto (Juazeiro do Norte) e Batateiras (Crato) permitem dialogar com a EAN/Pnae nos Temas Contemporâneos Transversais /Base Nacional Comum Curricular?
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A Cultura Alimentar e a Merenda Escolar em Torno do Geopark Araripe - Ariza Maria Rocha
I Parte
Esclarecimentos iniciais
Nesta parte, elucidamos alguns pontos na intenção de [...] situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido
(MORIN 2001, p. 7)¹ para, assim, na parte seguinte, conhecermos a cultura alimentar nos Geossítios da Colina do Horto (Juazeiro do Norte) e Batateiras/Fundão (Crato), que compõem o Geopark Araripe Mundial da Unesco.
¹ MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3. ed. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2001.
1
INTRODUÇÃO
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA...
PANDEMIA, KIT DE MERENDA ESCOLAR... E O CURRÍCULO?
Ariza Maria Rocha
Dominike da Cruz Silva e Lima
Giliard Lacerda Costa
Bianca Almeida de Oliveira
José Mateus Carvalho Silva
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
(Carlos Drummond de Andrade, 1928)
Na simplicidade do poema de Drummond, está a profundidade da rotina refletindo as preocupações, as necessidades e os desafios na singularidade da pedra
encontrada no meio do caminho
, e aqui fazemos uma analogia das muitas dificuldades no contexto da pandemia mundial da covid-19, especificamente na merenda escolar. Nesse cenário, indagamos: quais os desafios enfrentados para garantir o direito à alimentação escolar no contexto pandêmico do novo coronavírus?
A partir dessa questão inicial, outras emergiram, ao longo desta obra, e cada texto aborda um aspecto da complexidade que envolve a alimentação escolar e a cultura alimentar. Aqui, inicialmente, temos o objetivo de apresentar os desafios da alimentação escolar, nos municípios do Crato e Juazeiro do Norte, no período pandêmico do novo coronavírus (2020-2021). Para tanto, realizamos uma pesquisa dividida nas seguintes etapas:
Levantamento de dados nas secretarias de educação dos referidos municípios e consulta de documentos referentes à merenda escolar, como a Tabela de Gênero da Agricultura Familiar. Utilizamos, também, documentos de domínios públicos, a exemplo das páginas on-line das prefeituras municipais de Juazeiro do Norte e Crato, o Portal FNDE/Pnae, o censo escolar (INEP, 2019) e o acompanhamento de periódicos via Google a respeito da distribuição de kit da merenda escolar.
Pesquisa exploratória com emprego de observação participante e entrevista semiestrutura com os responsáveis de discentes (5), merendeiras (2) e servidores públicos (2) das referidas instituições. Para tanto, apresentamos o Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (n.º 4.498.867), Termo de Anuência e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido — TCLE) com a preservação do anonimato dos sujeitos da pesquisa. Realizamos, também, o registro fotográfico de kits da merenda escolar.
Por fim, dividimos o capítulo em duas seções, a saber: 1) O Pnae e os municípios de Crato e Juazeiro do Norte: breves apontamentos
e 2) A merenda escolar no contexto da imprevisibilidade da covid-19
.
O PNAE e os Municípios de Crato e Juazeiro do Norte: Breves apontamentos
A alimentação não se restringe à ingestão de nutrientes, e sua relação extrapola as tênues fronteiras das ciências, dos saberes e das questões que expressam a multidisciplinaridade e o pluridimensional da alimentação relacionada às questões socioeconômicas, ambientais, culturais e a políticas.
Em relação ao aspecto político, destacamos a alimentação na pauta de órgãos, instituições e ações, como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU); a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); a Estratégia Global para a Promoção da Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde (WHO), entre outras que alargam o debate da alimentação na dimensão da saúde coletiva ao âmbito do direito, da justiça e da equidade social.
Nesse debate, destacamos o programa público, na alimentação escolar, que desde 1955 atua na educação brasileira. Atualmente, com 67 anos, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é considerado o programa social de caráter público mais duradouro no Brasil (BRASIL, 2009).
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), é o responsável pelo gerenciamento do Pnae cujo objetivo é [...] contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos
(BRASIL, 2020, s/p).
Esclarecemos que, segundo o Art. VI da Resolução/CD/FNDE n.º 38, de 16, de julho de 2009 (BRASIL, 2009), os órgãos executores do Pnae são: Governo Federal, por meio do FNDE, Entidades Executoras (EEx), Unidade Executora (UEx) e o Conselho de Alimentação Escolar (CAE), além de instituições apoiadoras. Esses possuem o compromisso com o atendimento aos princípios do Pnae, que são: universalidade, equidade, sustentabilidade, continuidade, respeito aos hábitos alimentares e às práticas tradicionais, responsabilidade de educação alimentar e nutricional e participação da comunidade.
Assim, a responsabilidade do governo federal é repassar os recursos financeiros, por meio do FNDE, de acordo com os dados do último censo escolar em 10 parcelas mensais (fevereiro a novembro), por meio de conta aberta pelo FNDE em agência do Banco do Brasil e indicação da UEx, na cobertura de, no mínimo, 800 horas/aula distribuídas no mínimo de 200 dias letivos para a aquisição de gêneros alimentícios, exclusivamente na oferta da Alimentação Escolar (AE) aos discentes matriculados em toda a educação básica das redes estadual, distrital, municipal e federal, em suma, escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias conveniadas com o poder público.
Na tarefa pela AE, o MEC e o Ministério da Saúde introduziram o Programa Saúde na Escola, em 2009, no intuito de
[...] propor ações educativas que perpassem pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional (PROENÇA, 2011, p. 21).
Nessa ação, a escola é o locus para a promoção da alimentação saudável fundamentado no Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e na Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), considerando o respeito às etapas do sistema alimentar, às interações e aos significados que compõem o comportamento alimentar (BRASIL, 2012, p. 23). Ou seja, dialogando com as culturas, as tradições e os hábitos alimentares do local por meio da regionalização do cardápio com gêneros alimentícios comprados dos pequenos produtores/agricultura familiar.
Mas qual é a abrangência desse programa na alimentação na educação básica brasileira? Vejamos os dados físicos e financeiros compreendendo os anos de 1995 a 2020 disponíveis no Portal do FNDE/Pnae.
Quadro 1 – Dados físicos e financeiros do Pnae, entre os exercícios de 1995 e 2020
Fonte: adaptado do portal do FNDE
O Quadro 1 expõe o número de alunos da educação básica das redes estadual, distrital, municipal e da rede federal atendidos pelo Pnae, ou seja, 961,7 (milhões) estudantes atendidos da educação básica das redes estadual, distrital e municipal, com o valor repassado de R$ 55,765.000,00 (bilhões) e 3.179.064,00 (milhões) de alunos atendidos da rede federal com o valor repassado de R$ 109.568.166,2 (bilhões). Ressaltamos que tais dados estão disponíveis no portal do FNDE, de 1995 a 2008 coletados pelo Sistema de Auxílio Educacional (SAE), e, de 2009 a 2020, pelo Sistema Integrado de Gestão da Alimentação Escolar (Sigae).
Salientamos que os alunos do Programa Mais Educação, somente a partir de 2009, passaram a receber a merenda escolar dada a universalização do Pnae. Em relação à rede federal, os dados foram coletados pelo Sigae, e o repasse dos recursos financeiros atende à autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2008).
Em relação ao controle, ao monitoramento e à fiscalização, destacamos o Tribunal de Contas da União (TCU). Mencionamos, ainda, o papel do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal, Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI), Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), Sistema de Monitoramento do Pnae (SIM Pnae), Portal do FNDE, mídia/rede sociais, Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec) e Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SIGPC). A orientação de todo o processo está explanada em recurso didático (cartilhas, manuais, vídeos, tutoriais etc.) e operacionalização técnica (normas, relatórios, aplicativos, ferramentas de acompanhamento e fiscalização).
Outros atores sociais também contribuem com os canais de comunicação em prol da qualidade da alimentação escolar, como a promoção do diálogo técnico, científico e gestão operacional pelo Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição (Cecane) e o fortalecimento da execução do Pnae pela Rede Brasileira de Alimentação e Nutrição do Escolar (Rebrae).
Tamanha interlocução tem o desafio de superar as dificuldades da alimentação escolar brasileira, entre elas o combate aos desvios, às corrupções e às ocorrências de: irregularidades em contratos de merenda escolar, superfaturamento e uso de notas frias
na compra de gêneros alimentícios, desvios de recursos públicos, crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, compra de voto, fraudes em licitações, oferecimento de propinas, propostas de financiamento em troca da terceirização da merenda escolar envolvendo empresários, lobistas, servidores públicos, políticos, prefeitos e ex-prefeitos, sem esquecer casos de políticos que, mesmo cassados pela corrupção e desvio, continuam recebendo a previdência parlamentar. Enfim, esses e outros casos têm configurado uma luta contra a máfia da merenda escolar
que revela a extensão da corrupção brasileira.
À guisa de exemplo, vejamos o quadro referente ao número de matrícula 2019 dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato, no Ceará.
Quadro 2 – Número de matrícula 2019 dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato – CE