Raul Caldeira: o pioneiro da gestão de pessoal
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Sobre este e-book
Raul Caldeira não resistia a um bom desafio. Tinha apenas 28 anos quando, a convite de Jorge de Mello, foi dirigir, em 1955, o departamento de pessoal do Barreiro, o pulmão da CUF. Mostrou a determinação e resiliência que tinha adquirido como ginasta, tendo participado nos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952.
Em 1969, foi desafiado a fazer a fusão do Totta-Aliança com o Lisboa & Açores em apenas três meses. Com o 25 de Abril, a sua vida mudou drasticamente: no mesmo ano em que morrem dois dos seus nove filhos, foi saneado do banco.
Reintegrado um ano mais tarde, recusou-se a voltar. Fundou a sua empresa de consultoria de gestão e foi convidado a dar aulas em várias universidades. Mas a sua ligação à família Mello não ficou por aqui…
Raul Caldeira queria ser médico de pessoas, mas, como costumava dizer, foi médico de empresas. Frontal e directo, era também um excelente contador de histórias, muitas delas relatadas neste livro, na primeira pessoa.
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Raul Caldeira - Myriam Gaspar
Raul Caldeira – O Pioneiro da Gestão de Pessoal
Título: Raul Caldeira: O Pioneiro da Gestão de Pessoal
Autora: Myriam Gaspar
© Fundação Amélia de Mello, 2022
Reservados todos os direitos
A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.
Revisão: Inês Figueiras
Design: Ilídio J.B. Vasco
Isbn: 978-989-702-817-5
Guerra e Paz, Editores, Lda
R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.
1150-105 Lisboa
Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489
E-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt
www.guerraepaz.pt
«Histórias de Liderança» e alguns ensinamentos para o futuro
A gestão é normalmente abordada como uma prática, uma actividade, uma técnica, mas é também o domínio profissional a que se dedicam milhares de pessoas, mulheres e homens, que, dia após dia, procuram criar, desenvolver e melhorar as organizações em que trabalham, em contextos de organizações alargadas ou até de dimensão reduzida. Sendo inúmeros os livros de gestão publicados todos os anos, raros são os que se dedicam às biografias daqueles cujas vidas fazem mover as organizações das sociedades modernas.
Os problemas e paradoxos com que os gestores se confrontam hoje são, na sua essência, os mesmos com que cada um de nós se confronta diariamente: questões e dúvidas «permanentes» que, em sentido geral, se repetem ao longo dos tempos.
A colecção «Histórias de Liderança» tem por missão ajudar a compreender o percurso das organizações e da sua gestão em Portugal através das histórias de vida de alguns dos seus gestores.
A nossa ambição é podermos receber também os contributos de pessoas que se destacaram nos seus sectores de actividade, numa abordagem de um gestor em sentido amplo.
Aproveitando a ligação natural da Fundação Amélia de Mello à extensa e muito rica actividade do antigo Grupo CUF, optou-se, numa fase inicial do projecto, por ir buscar exemplos de gestores que se destacaram, de forma relevante, nessas empresas. Esta opção pode ser considerada, sem grande dificuldade, um corolário da expressão «Tradição do Futuro», que passou a fazer parte integrante do léxico do antigo Grupo CUF e que, resumidamente, significa apontar caminhos para o futuro a partir dos exemplos de excelência do passado.
Numa outra perspectiva, a colecção «Histórias de Liderança» centra-se nos gestores, mas não esquece que as boas organizações são o resultado da colaboração de muitos outros, maioritariamente anónimos. E tem o duplo propósito de ajudar a preservar a memória empresarial de Portugal com base em experiências vividas, mas não fixadas como hagiografias, por um lado, e de contribuir para melhor compreendermos o passado, de modo a facilitar as escolhas para o futuro, por outro lado.
Por último, importa explicar que a lógica subjacente às primeiras escolhas dos biografados se baseou na circunstância de ser possível ter depoimentos de viva voz, sem que isso invalide a nossa intenção de partilhar também histórias de vida exemplares de alguns gestores já falecidos.
A colecção «Histórias de Liderança» é dinamizada pelo Centro da Memória Empresarial da Nova School of Business and Economics, com o apoio da Fundação Amélia de Mello.
A minha vida não é uma vida. São várias vidas.
Raul Caldeira
Índice
Prefácio
INTRODUÇÃO
Capítulo I
Adulto à força
Capítulo II
O Barreiro
Capítulo III
De regresso a Lisboa
Capítulo IV
A fusão
Capítulo V
O saneamento
Capítulo VI
A vocação de ensinar
Capítulo VII
De volta ao Grupo Mello
Capítulo VIII
Um líder nato
Capítulo IX
Ensinamentos para o futuro
Ponto final.
A gestão como gestão de pessoas
Notas
ANEXOS
Cronologia
O modelo C de gestão desenvolvido por Raul Caldeira
Centenário CUF, elementos – sínteses, CUF, 1965
Estatísticas de pessoal, Raul Caldeira, Indústria n.º 6, 1961
Relações de trabalho e comunicação na empresa
Relações humanas no trabalho (Notas de um estágio em França), Raul Caldeira, Indústria n.º 2, 1960
Alguns dados estatísticos, 50 anos da CUF no Barreiro
Prefácio
Conheci o Dr. Raul Caldeira no início dos anos 90, quando foi apoiar a equipa responsável pelo desenvolvimento da área financeira do Grupo José de Mello. Era um conjunto de pessoas muito heterogéneo e muito motivado, liderado pelo Vasco de Mello, com alguns jovens, onde me incluía, e onde se destacava o Dr. José Guimarães, que tinha sido administrador do Banco Totta & Açores.
Com o processo de privatizações em curso, o Grupo adquiriu em 1991 a Sociedade Financeira Portuguesa, que transformou em Banco Mello, e em 1992 a Companhia de Seguros Império. Já em 1995, adquire a União de Bancos Portugueses, que integra no Banco Mello.
Foram tempos muito intensos, com objectivos a cumprir muito exigentes, em que tínhamos de responder de forma eficiente e rigorosa num contexto de profunda transformação. Adicionalmente, era necessário que as equipas que estávamos a constituir fossem também capazes de assumir os desafios de transformação num sector muito influenciado por práticas antigas, em que a banca pública era preponderante, num contexto de rápido crescimento e mudança nos mercados financeiros nacionais e internacionais.
É por isso com o maior gosto que acedo a escrever este prefácio numa obra que agora é lançada e integrada na iniciativa editorial «Histórias de Liderança», que resulta de uma parceria entre a Fundação Amélia de Mello e a Nova SBE, em que tem papel de destaque na respectiva execução do projecto o Professor Miguel Pina e Cunha.
A presente obra tem natureza biográfica, fazendo um magnífico retrato da vida e obra do Dr. Raul Caldeira, seja no Grupo CUF, seja mais tarde, quando teve de alterar a sua vida profissional decorrente do seu saneamento do Banco Totta & Açores, após as nacionalizações de 1975.
Neste contexto, gostaria de salientar o papel que desempenhou na transformação da área dos recursos humanos no conglomerado CUF, quando aceitou ser o director de pessoal das fábricas do pólo industrial do Barreiro, ou quando, no início dos anos 70 do século passado, foi nomeado pelo Senhor José Manuel de Mello para tratar da integração do Banco Totta-Aliança com o Banco Lisboa & Açores.
O Dr. Raul Caldeira impressionava pela elevadíssima preparação que apresentava, em que os conhecimentos e ensinamentos que nos transmitia eram de enorme valia e de aplicação prática imediata. Tinha uma experiência profissional do maior interesse para nós, sempre com uma grande alegria e boa disposição que contagiava toda a nossa equipa.
Lisboa, 23 de Novembro de 2021
Pedro Rocha e Melo
Administrador
José de Mello Capital
INTRODUÇÃO
«O perfeito homem do mundo seria aquele que jamais hesitasse por indecisão e nunca agisse por precipitação.» A frase de Arthur Schopenhauer poderia aplicar-se a Raul Caldeira, sem correr o risco de pecar por exagero. O economista, que, em 1952, em Helsínquia, integrou a primeira equipa portuguesa de ginastas a participar nos Jogos Olímpicos, não é perfeito, nenhum homem o é, mas desde cedo revelou determinação e espírito de liderança. Já era assim na escola e continuou a sê-lo ao longo da sua carreira.
Depois da morte prematura do pai, quando tinha apenas sete anos, assumiu as rédeas da família aos 18 anos, começando a trabalhar na multinacional Mobil enquanto concluía o curso no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Convidado para assumir o cargo de director financeiro desta petrolífera, recusou. O salário era tentador, mas não pretendia fazer contas de somar e de subtrair para os norte-americanos até ao final da vida.
Ser economista na CUF parecia mais interessante. Jorge de Mello tinha, porém, outros planos para Raul Caldeira. Já o tinha visto a dar saltos mortais nos saraus do Coliseu dos Recreios. Precisava de alguém com coragem para pôr ordem no Barreiro, então o maior complexo industrial do país, construído por Alfredo da Silva. Tinha 28 anos quando aceitou o repto de ser o director de pessoal, tendo a seu cargo o destino de mais de dez mil funcionários. Devia ter ficado cinco anos, porque ninguém aguentava mais tempo, assegurava Jorge de Mello, mas acabou por permanecer nove. Nesse período, terminou com as greves e a indisciplina, introduziu a informática, reduziu o fosso entre assalariados e empregados (na altura, a lei fazia distinção), criou a primeira comissão interna de trabalhadores e melhorou substancialmente as obras sociais e as condições de trabalho, aumentando a produtividade e reduzindo os acidentes de trabalho e o analfabetismo. Pelo meio, ainda conseguiu expulsar a PIDE das instalações. Por vontade dele, teria ficado no Barreiro mais tempo. Jorge de Mello, porém, quis promovê-lo. Em 1964, foi para a sede dirigir o gabinete de estudos do grupo.
Em Lisboa, tinha tempo de sobra. Habituado a um ritmo frenético, dedicou-se à formação de gestores nas mais variadas organizações, públicas e privadas, entre elas o Instituto Nacional de Administração e a Associação Industrial Portuguesa, e ao associativismo. Nesse ano, foi eleito presidente da direcção da Federação Portuguesa de Ginástica e membro do plenário do Comité Olímpico. A década de 60 seria também frutífera em viagens. Andou pelo mundo a visitar centros industriais, a assistir a congressos e a participar em seminários.
No final dos anos 60, foi a vez de José Manuel de Mello lhe lançar um desafio: fazer a fusão do Banco Totta-Aliança com o Lisboa & Açores em apenas três meses. Tarefa hercúlea que assumiu com espírito de missão e concretizou com sucesso. A sua actividade associativa prosseguia, entretanto, a bom ritmo. Em 1973, foi eleito presidente da European Association for People Management (EAPM), que tinha ajudado a fundar há cerca de uma década. No congresso anual, realizado na Gulbenkian, lançou a ideia de se criar um organismo mundial, o que viria a acontecer alguns anos mais tarde. Em reconhecimento pelo contributo para o nascimento da World Federation of People Management Associations, recebeu, em 1992, o prémio honorário Georges Petitpas, um dos fundadores desta federação.
O ano de 1974 revelou ser o seu ano horribilis, tanto a nível pessoal como profissional. Dois filhos morreram, num intervalo de alguns meses, e foi saneado do Totta & Açores. Apesar de ter sido reintegrado no ano seguinte com todos os direitos, recusou voltar para o banco, preferindo criar a sua empresa de consultoria. Nos anos seguintes, não teria mãos a medir com tantas solicitações.
A verdadeira vocação de Raul Caldeira era, na realidade, ensinar, o que teve oportunidade de fazer na Universidade Católica Portuguesa, a partir de 1977, como professor convidado. Seguiu-se o MBA na Universidade Nova e na Universidade do Porto. Após vários anos a dar formação e a fazer exames a centenas de alunos, criou um modelo integrado de gestão, que mantém actuais as grandes linhas mestras do management. Aplicou esse modelo no Grupo Mello, no final dos anos 80, quando foi convidado para prestar consultoria a Vasco de Mello, na seguradora Império e nos hospitais CUF. Aos 78 anos, largou tudo de um momento para o outro, para acompanhar a mulher, que estava doente.
Determinado, ousado, destemido, perfeccionista, Raul Caldeira sempre encarou os desafios com espírito de missão. Não foi médico de pessoas, como aspirava, mas médico de empresas, como gostava de salientar. «Fui mais exigente comigo do que os outros foram comigo. Algumas vezes, temos de errar, sob pena de começarmos a pensar que somos perfeitos!»
Se teve o mérito de ter triunfado em tantos domínios e até de concretizar tarefas aparentemente impossíveis, foi graças às pessoas com quem trabalhou, assegura. «Tenho uma grande fé – acredito nas pessoas. E essa é a primeira condição para acreditarem em nós.»
Capítulo I
Adulto à força
Há sempre um lado positivo nas coisas más que nos acontecem na vida.
Raul Caldeira
«Tinha sete anos quando o meu pai morreu. Era um homem saudável, de compleição robusta, mas não resistiu a uma pneumonia, depois de uma estada nas termas de Caldelas.» Este infortúnio mudou radicalmente a vida de Raul Caldeira, de nome completo Raul Júlio de Almeida Pimenta Marques Caldeira. Deixou o Dafundo, onde nascera em 26 de Janeiro de 1927, e foi viver para casa da avó materna, também ela viúva, com a mãe e a irmã, Menicha (Maria Marta). A sua educação estava agora a cargo destas três mulheres.
«Ficar sem pai naquela idade foi tremendo. Mas o facto de ter sido educado por mulheres foi uma sorte. Há sempre um lado positivo nas coisas más que nos acontecem na vida. Nunca senti muito a falta de uma figura paternal.» A irmã, quatro anos mais velha, gostava de o proteger. «Tinha a mania que era a minha segunda mãe. E, de certa forma, foi.» A mãe, ao contrário do pai, austero, era suave. Bem formada e culta, estava sempre bem-disposta. Tinha sentido de humor e dava-se bem com todas as pessoas. «Aprendi muito com ela. Apesar de doce, era disciplinada.»
A avó fazia questão de lhe recordar