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Vale do Ribeira: A Voz e a Vez das Comunidades Negras
Vale do Ribeira: A Voz e a Vez das Comunidades Negras
Vale do Ribeira: A Voz e a Vez das Comunidades Negras
E-book357 páginas4 horas

Vale do Ribeira: A Voz e a Vez das Comunidades Negras

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Sobre este e-book

A obra apresenta a linguagem e o modo de viver rural de descendentes de africanos, moradores em bairros remanescentes de quilombos, distantes cerca de 200 km da capital do estado mais rico do Brasil e que conservam, há mais de dois séculos, um modo de ser e de ver o mundo, de organizar suas lutas e continuar insistentemente resistindo às investidas externas contra os seus territórios, conquistados com o sangue de seus ancestrais.
Por meio de suas vozes, em suas narrativas, reproduzem esse modo de viver que pode ser percebido na ênfase ao contarem seus "causus", quando recorrem a expressões que muitas vezes chamam atenção por fugirem do falar cotidiano do brasileiro, quando os personagens tecem suas tramas na mata, nos rios, nas bifurcações das estradas, fazendo-se ora de expectadores, ora repentinamente tornando-se eles próprios os protagonistas do fato narrado.
O trabalho descreve não só a linguagem em uso, como aspectos históricos e socioculturais dessa região rural, mas também, e a partir deles, contribui para o debate sobre duas questões fundamentais: que tipo de português e de dados históricos se ensinam e/ou se deveriam ensinar nas escolas rurais da região? Em que situação de desvantagem encontram-se os falantes de dialetos estigmatizados no processo de ensino/aprendizagem?
Esta segunda edição é acrescida de dois glossários, o que enriquece a versão: um formado de palavras dicionarizadas, cujos significados divergem dos encontrados nos dicionários consultados; o outro de palavras e expressões que não são dicionarizadas, são próprias da região cujos significados exigiram duas outras viagens na época para que os próprios informantes dessem a sua versão. Interessante como eles se divertiam ao saberem que a autora – "uma professora vinda de tão longe" ¬– não sabia dizer o que significava. Chegavam a chamar os vizinhos para contarem o quanto eram sabidos…
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de ago. de 2021
ISBN9786558202417
Vale do Ribeira: A Voz e a Vez das Comunidades Negras

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    Vale do Ribeira - Mary Francisca do Careno

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    AGRADECIMENTOS

    Esta segunda edição é, com algumas correções e adaptações, o resultado de duas pesquisas: minha tese de doutorado e minha pesquisa de pós-doutorado. Para a primeira, devo agradecer à Fundação para o Desenvolvimento da Unesp – Fundunesp, pelo auxílio financeiro que me propiciou realizar o levantamento de dados no Vale do Ribeira; para a segunda, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, que me deu condições para realizar a pesquisa sobre a influência do crioulo na linguagem do português local. Para ambas, os agradecimentos que também se estendem a(aos):

    Gilda Maria Lins de Araújo (in memoriam), mais que idealizadora obstinada de sonhos, incentivadora e Amiga: pelo companheirismo e pela competência em lutar pelo que acreditava: o outro, independentemente de raça, cor, religião e idade;

    Jovelina Careno e Márcia Careno, mãe e irmã, meus portos seguros, para onde sempre retorno;

    Queridas Maria do Carmo Savietto e, mais recentemente, Iara Lopes Rinaldi (in memoriam) e também Lindomar Melo pela amizade; ao Amauri Vaz de Oliveira, pelo companheirismo, sabedoria e obstinação;

    Querida Sueli Marquesi, que adivinha quando eu mais preciso de ombro;

    Grande Alzira Rufino, mulher negra, guerreira, que com as companheiras, em sua Casa de Cultura da Mulher Negra de Santos, tanto lutou, e ainda luta, pelos direitos do povo negro!;

    Meus grandes e eternos mestres: John A. Holm, Simão Souindoula (in memoriam), Yeda Pessoa de Castro e Maria de Fátima B. Abdalla, pela sabedoria, incentivo constante e confiança;

    Todas as amigas e amigos, pelo muito que me incentivaram a continuar;

    Estudantes de Letras da Unesp - Assis/SP; alunas do Parfor-Unaerp; voluntários do NEIAB, voluntários, professores e alunos da Educafro, companheiros de jornada, curiosos, ativos e persistentes que souberam superar os obstáculos da vida e fizeram deste esforço e dedicação, os contornos dos caminhos da própria existência;

    Meus informantes do Vale, a maioria iletrados, todos geniais que na sua espontaneidade e sabedoria, através de sua visão de mundo, que tanto me ensinaram.

    Minha sincera e eterna gratidão!

    Que se fiquem os manuscritos nos arquivos, não importa; o que, sim, importa, é salvar o que daqui a pouco já não poderá salvar-se. As tradições regionais são testemunhos da história de um país, que devem respeitar-se como qualquer documento histórico de valor.

    (Krüger – Citado em Silva Neto, S. da. Manual de Filologia

    Portuguesa. 3. ed., Rio de Janeiro, Presença, 1977, p. 177-8)

    Até que os leões escrevam suas histórias, os contos de caça glorificarão

    sempre o caçador.

    (Provérbio Africano)

    APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

    Estudos linguísticos que renovam os temas e suas abordagens são sempre contribuições muito importantes para os estudos da linguagem e das línguas. É, portanto, bem-vindo este livro de Mary Francisca do Careno, que tem por tema a linguagem falada em comunidades negras rurais do Vale do Ribeira, região sul do estado de São Paulo.

    A autora apresenta e discute resultados obtidos de uma pesquisa participante, trazendo à luz aspectos históricos, sociais, culturais, antropológicos e linguísticos da língua portuguesa, falada por comunidades negras rurais brasileiras que se mantêm, até o momento, em estado de isolamento geográfico.

    O seu estudo demonstra um compromisso com a história e com os participantes negros dessa história, na busca do universo cultural e ideológico desse grupo. Nesse sentido, atua como a pesquisadora participante que objetiva descobrir o conhecimento coletivo dessas comunidades e as condições de vida de seus membros, situando-os geográfica e historicamente enquanto uma das classes populares brasileiras. Desse ângulo, trata da língua portuguesa, considerando suas manifestações concretas nas formas de vida dos membros de comunidades negras rurais do município de Eldorado Paulista. Ao mesmo tempo, dá, também, outro sentido para a ciência, na medida em que a sua participação está comprometida de algum modo com a causa popular, objetivando a melhoria das condições de vida de classes sociais desprestigiadas ideologicamente pelas classes dominantes.

    Assim, com muita propriedade, ao mesmo tempo que coleta e analisa dados originais, também documenta as tradições regionais e a história de comunidades negras rurais, oferecendo um testemunho da história do nosso país. Desse modo, busca, com a sua investigação, tanto salvar o que está em vias de extinção quanto conscientizar seus habitantes negros de sua própria realidade, despertando-os para que possam amá-la, valorizando-se e descobrindo-se nela e por ela, como afirma a autora.

    Logo, é bem-vindo este livro de Mary Francisca de Careno, constituído de capítulos de sua tese de doutorado, defendida na Unesp – campus de Assis/SP, que considera a língua como veículo de comunicação, informação e expressão de grupos sociais, apresentando, portanto, a língua portuguesa, falada no Brasil, do ponto de vista social.

    Vale lembrar que apesar da relação evidente que existe entre a linguagem e a sociedade, apenas nos últimos 10 anos essa área de pesquisa vem sendo sistematicamente desenvolvida no Brasil. De forma geral, nos diferentes países, houve um momento em que os estudos linguísticos privilegiaram os fatos da língua em relação ao sistema linguístico, em unidisciplinariedade. Mais tarde, verificou-se que os estudos da linguagem e das línguas exigiam interdisciplinariedade e, muitas vezes, multi e transdisciplinariedade.

    Assim, os linguistas que privilegiam o social em seus estudos passam a diferenciar os fatos da língua em relação a seu sistema, desses mesmos fatos em relação à sociedade, abrindo espaço para os estudos sociolinguísticos; o mesmo ocorre com a relação língua e cultura, para os estudos etnolinguísticos.

    Segundo a afirmação da própria autora, o seu estudo não está situado na relação língua e sistema, pois parte de pontos de vista tradicionais da Dialetologia para chegar a outros inovadores da Sociolinguística e da Etnolinguística. Embora as dificuldades encontradas para a realização da pesquisa tivessem sido imensas, devido ao isolamento das comunidades negras rurais tratadas, nada impediu que os objetivos da pesquisadora fossem cumpridos. Consequentemente, os resultados obtidos das análises e discussões de dados originais trazem contribuições para estudiosos de diferentes áreas do saber na área das Ciências Humanas, abrindo novas perspectivas de pesquisa. Logo, seu trabalho merece ser divulgado.

    O princípio norteador deste livro é que as línguas não são homogêneas, pois os dados em que a autora se baseia provam a heterogeneidade. Segundo esse ponto de vista, a variação linguística está inscrita nos usos que são feitos da língua e que, portanto, é necessário assumi-la. Os estudos orientados por essa visão propõem a noção de variedade linguística para as variações que podem ser descritas por princípios de constâncias. Dentre essas variedades, uma das mais conhecidas é a variedade geográfica, tradicionalmente chamada dialeto, norma regional. Os estudos dialetais realizados demonstraram que os usuários de um dialeto podem representar, por razões diversas, um subconjunto de povoação com características sociais específicas dentro da comunidade global. Dessa forma, a variedade geográfica dialetal é enfocada por um subconjunto que é uma variedade social.

    Para que o seu tratamento fosse adequado, sob esse prisma, a autora, nesta publicação, divulga dados que reconstroem a história não documentada ainda sobre as localidades de Abobral, São Pedro, Pedro Cubas e Nhunguara, do município de Eldorado Paulista/SP, no Vale do Ribeira. Com esses dados, busca caracterizar uma variedade social, como um subdialeto dessa região geográfica, considerando a sua relação com as variações linguísticas de suas comunidades negras rurais.

    Nesse sentido, a autora propõe que a principal função das línguas naturais é permitir a comunicação em sociedade e considera que tanto a língua quanto a sociedade são estruturas que mantêm relação entre si, sem haver uma mera recopilação de unidades. Assim, demonstra a sistemática covariação entre a estrutura linguística e as relações interpessoais e assume a existência de uma variedade linguística social para essas comunidades negras rurais que, no momento, são nativas da região geográfica estudada. Para tanto, apresenta essa variedade por variações do ponto de vista geográfico, étnico e histórico, além da adequação dessas variações a determinadas situações, no corpo social.

    Os dados são apresentados por descrições fonéticas, morfossintáticas e lexicais, sendo estas seguidas de explicações de como essa covariação se manifesta e quais circunstâncias a justificam na sua subexistência e coexistência com outras variedades linguísticas. Dessa forma, apresenta uma variedade nativa social, caracterizada na variação pela fala de idosos, sem nível de escolaridade, representantes de classes populares sem poder aquisitivo e que são os guardiões históricos das tradições orais das comunidades negras estudadas.

    Essa descrição é realizada pelo confronto com as variedades linguística oral e escrita do grupo social de alto nível de escolaridade e de alto poder aquisitivo, respectivamente o padrão real oral e o padrão gramatical normativo escrito, buscando a especificidade fonética, vocabular e gramatical das variações estudadas.

    Os resultados obtidos das análises são acompanhados de uma interessante revisão bibliográfica de estudiosos do Português, modalidade brasileira, pela recursividade com filólogos e linguistas que trataram da nossa língua em momentos históricos diferentes, segundo fundamentações teóricas e procedimentos metodológicos distintos, tais como Serafim da Silva Neto, Sílvio Elia, Mattoso Câmara Jr., Amadeu Amaral, Gladstone Chaves de Melo, Mário Marroquim, Leda Bisol e Miriam Lemle. Essa recursividade se fez necessária, pois os estudos orais da língua portuguesa, falada no Brasil, são muito poucos e estão à espera de muitas pesquisas.

    Ao concluir, Mary Francisca do Careno reconhece que a variedade linguística nativa, utilizada pelas classes populares sem nível/com baixo nível de escolaridade e representativas de um grupo socioeconômico desprestigiado, merece igualmente a atenção dos estudiosos da linguagem e das línguas. Assim, lança um desafio para os pesquisadores brasileiros e registra um exemplo de uma belíssima atuação.

    Prof.ª Dr.ª Regina Célia Pagliuchi da Silveira

    Professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

    PUC/SP, agosto de 1995.

    APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO

    Inicio com uma reflexão a partir de minha experiência enquanto pesquisador de um Brasil – Africano, muitas vezes negado e ignorado por historiadores e antropólogos famosos nas ciências brasileiras. Negativas que por vezes podem nos fazer pensar ser impraticável acreditar na possibilidade de redescobrir em profundidade os patrimônios africanos e afrodescendentes contidos na cultura brasileira e a existência de uma obra como a da professora Mary Francisca do Careno demonstra ser possível. Do povo Bantu vieram os primeiros colonizadores africanos do Brasil, oriundos de Angola, Congo e Moçambique. A reza dos tambores Bantu é bem afinada e solene na produção deste trabalho de pesquisa e escrita.

    A tradição ancestral Bantu certamente tem orgulho deste grande livro.

    Externo minha satisfação em discorrer sobre este trabalho que me foi confiado apresentar. Obra que reúne passado e presente de comunidades ancestrais de quilombos do vale do rio Ribeira de Iguape, no estado de São Paulo, alguns com possibilidade de mais de três séculos de existência e de uma matriz cultural Bantu. Trata-se de uma região que conheço em razão dos traços marcantes das descrições que minha mãe fazia por ter sido professora daquela localidade na década de 1940, época em que o governo brasileiro apostou na educação dos imigrantes japoneses e não teve a mínima consideração com os Africanos dos muitos quilombos da região. Também conheço a localidade pelas inúmeras cavernas que lá desenvolveram o ecoturismo local desde 1970, segmento que raramente favoreceu a vida das comunidades de quilombo. Mas o meu interesse foi ainda mais profundo devido à análise dos processos construtivos desenvolvidos por aquelas comunidades de quilombo, ou seja, à excelente carpintaria e marcenaria! Demonstrativos de uma rica cultura tecnológica da madeira, de suas propriedades e métodos de trabalho. Nos trabalhos realizados pela professora Mary Francisca do Careno, encontrei uma riqueza explicativa e elucidativa da formação do patrimônio cultural daquelas populações. Desde a primeira edição, sou leitor e apreciador desta obra de pesquisa interdisciplinar e com muitos focos importantes que conduzem à essência principal, à origem Bantu e à existência de uma língua africana falada num território de comunidades de quilombos na contemporaneidade. Além disso, dentro de um universo econômico adverso à permanência e estabilidade dessas comunidades.

    Este trabalho de pesquisa é um excelente guia de como entender, reconhecer e trabalhar um grande patrimônio cultural de matriz africana.

    Quilombos são instituições históricas das mais complexas e permanentes na história das Américas e do Caribe, visto existirem em todo o continente apesar das diversas denominações: Marrons, Cimarrons, Mocambos e Quilombos, entretanto mantêm a originalidade de reação sistemática ao escravismo criminoso e sempre guardam a reprodução e adaptação dos conhecimentos de origem africana; e ao longo do tempo se integram às dinâmicas históricas e econômicas das diversas regiões. Foram mais que refúgio político, constituíram formas de produção de vida com relativa autonomia. Quilombo traduz um conceito ainda pouco aprofundado na vida política e cultural brasileira em razão do eurocentrismo.

    A cultura do quilombo é um patrimônio, é bem um acervo linguístico sobre o qual ainda reinam dificuldades de alcance teórico conceitual moldando a ciência necessária para produção do conhecimento sobre o Brasil em temas que não encontra equivalente em culturas europeias. Nesse sentido, encontramos no trabalho da pesquisadora professora Mary Francisca do Careno um significativo avanço e uma magnitude instrutora da produção de um conhecimento sobre as singularidades da construção do Brasil. A nossa história é de quilombos aos milhares em todas as regiões do país, inclusive no período colonial o número deles era maior que o de cidades brasileiras.

    A língua e as formas de variações linguísticas foram o tema central da pesquisa, inseridas em marcos que revelam os contextos sócio-históricos de populações africanas e de descendentes de africanos no Brasil.

    As línguas africanas no Brasil fazem parte de algumas discussões importantes que vão além dos vocábulos tratados numa infinidade de trabalhos e de dicionários, por vezes fora de contexto. Todavia, este trabalho tem como cunho principal a dinâmica dos contextos sociais, a discussão insere um conjunto de questões sobre a formação social brasileira e da nossa língua, singularmente diferente do português de Portugal.

    Nesta pesquisa, o leitor encontrará reflexões que podem levar a respostas de diversos questionamentos: como se organizou a vida produtiva com um número tão grande de trabalhadores africanos? Como foi a expansão das línguas Bantu e a relação destas com as línguas indígenas, visto que até o final do Império não era o português a língua mais falada? Por que não encontramos uma língua crioula no Brasil como no Caribe ou na Guiné-Bissau e Cabo Verde? A produção acadêmica que deu origem a este livro aborda muito bem esses aspectos e ilustra a dinâmica da formação da língua utilizada nas comunidades negras com relativa independência política e social. O leitor também encontrará um aprofundamento sistematizado da dinâmica das línguas Bantu num território quilombola importante e bastante amplo como o das comunidades do Vale do Ribeira.

    Portanto, pela originalidade e pela qualidade teórica conceitual é que com satisfação faço a apresentação do livro Vale do Ribeira – a voz e a vez das Comunidades Negras, da pesquisadora e professora Mary Francisca do Careno. Certamente os leitores vão encontrar texto de leitura deliciosa e de revelações importantes sobre a branquitude brasileira. Portanto, a todas e todos, boa leitura!

    Prof. Dr. Henrique Cunha Junior

    Professor titular da Universidade Federal do Ceará

    Membro Fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros

    Outubro de 2019

    Sumário

    INTRODUÇÃO 19

    1

    INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE A PESQUISA 25

    2

    O UNIVERSO DOS INFORMANTES 31

    2.1 O VALE DO RIBEIRA NO CONTEXTO DO ESTADO DE SÃO PAULO 31

    2.2 O MUNICÍPIO DE ELDORADO: UM PERFIL DAS COMUNIDADES RURAIS 46

    2.2.1 Eldorado Paulista 46

    2.2.2 Comunidade de Abobral 48

    2.2.3 Comunidade de Nhunguara 50

    2.2.4 Comunidade de São Pedro 52

    3

    A NATUREZA SOCIAL DA LINGUAGEM 57

    3.1 UNIDADE DA LÍNGUA, DIVERSIDADE DE USO 57

    3.2 A PRÁTICA SOCIOLINGUÍSTICA 66

    3.3 O VALE DO RIBEIRA NO CONTEXTO DIALETAL BRASILEIRO 68

    3.4 A INFLUÊNCIA AFRICANA NO PORTUGUÊS DO BRASIL 70

    4

    ANÁLISE DOS DADOS 83

    4.1 CARACTERÍSTICAS FONÉTICAS ENCONTRADAS NO VALE 83

    4.1.1 Traços fonéticos gerais 83

    4.1.2 Um Traço Fonético Característico: o uso da africada 101

    4.2 CARACTERÍSTICAS MORFOSSINTÁTICAS ENCONTRADAS NO VALE 107

    4.2.1 Traços Morfossintáticos Gerais 107

    4.2.2 Verbo - Flexão e Uso 113

    4.2.3 A Colocação Pronominal 120

    4.2.4 A Concordância de Número 123

    4.2.5 A Concordância de Gênero 124

    4.2.6 A Concordância Verbal 125

    4.2.7 A Regência Verbal 126

    4.2.8 Padrões frásicos gerais: variações 128

    4.2.9 Outros casos de regência 131

    4.2.10 Outros fatos linguísticos 135

    4.3 DOIS TRAÇOS MORFOSSINTÁTICOS CARACTERÍSTICOS 138

    4.3.1 A estrutura negativa 138

    4.3.2 O uso do diminutivo 139

    4.4 CARACTERÍSTICAS LÉXICAS ENCONTRADAS NO VALE 144

    4.4.1 Léxico e Campos Semânticos 145

    4.4.2 Estruturas Léxicas Encontradas. O Mito Folclórico 147

    4.4.3 Dados da análise 151

    5

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 169

    6

    REFERÊNCIAS 179

    PUBLICAÇÕES – JORNAIS 188

    7

    Anexos 189

    ANEXO 1 - Modelo de fita transcrita 189

    ANEXO 2 - Revista Sem Fronteira 200

    ANEXO 3 - Jornal da Tarde 207

    ANEXO 4 - Ameaça de barragem no Vale do Ribeira 212

    ANEXO 5 - Fim do Projeto da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto 222

    8

    GLOSSÁRIOS - VOCABULÁRIO RURAL PAULISTA 227

    8.1 PALAVRAS E EXPRESSÕES NÃO DICIONARIZADAS 229

    8.2 PALAVRAS DICIONARIZADAS, MAS COM OUTRO(S) SIGNIFICADO(S) 243

    ÍNDICE REMISSIVO 249

    INTRODUÇÃO

    O Vale do Ribeira, região sul do estado de São Paulo, foi escolhido como área de trabalho¹ por apresentar comunidades rurais constituídas essencialmente de famílias negras. Incrustado numa região do Estado mais desenvolvido da União, causou-me estranheza o fato de apresentar, em pleno final do século XX, uma economia estagnada e com baixíssimo poder aquisitivo. Qual a causa do atraso? De onde surgiram estas comunidades? Como se formaram? Que língua ou dialeto falam seus habitantes? Era desafiante perscrutar as razões do atraso dessas comunidades, se se considerar sua proximidade com a capital do Estado e, sobretudo, lembrar que no período colonial, ela foi uma das regiões mais promissoras do país.

    Esta subárea dialetal brasileira possui grande diversidade e características próprias além dessas. O número de habitantes dos 25 municípios que a compõem é pequeno e ela apresenta uma complexidade geográfica e social suficiente para ser motivo de estudos mais aprofundados. Observa-se uma mescla de povos indígenas como os Guaranis; os caiçaras, descendentes dos índios, sobretudo dos Carijós; colonizadores portugueses; descendentes de negros com seus inúmeros núcleos quilombolas remanescentes da mão de obra escravizada usada nas monoculturas e na mineração ou negros fugidos, migrantes, além de caipiras. A esses grupos humanos vieram se juntar, mais tarde, outros imigrantes: europeus, norte-americanos e japoneses.

    Em 2013, segundo o censo do IBGE, no Vale do Ribeira residem 443.325 habitantes, sendo 114.995 habitantes na zona rural, ou seja, 25,94% do total. O município de Ribeira tem o menor número de habitantes da região, com apenas 3.427 pessoas morando na cidade. Registro tem a maior quantidade de habitantes do Vale, com 56.123 habitantes. Segundo o site, a região possui 7.037 agricultores familiares, 159 famílias assentadas, 33 comunidades quilombolas e 13 terras indígenas. Seu IDH médio é 0,75 (IBGE, 2013, s/p).²

    O fato de algumas comunidades rurais pertencentes aos municípios de Eldorado, Iporanga e Apiaí serem, em sua maioria, compostas de negros e também estarem localizadas numa região de montanhas e infestada de cavernas, levou-me a considerar a possibilidade de que os primeiros habitantes tivessem sido negros fugidos. Diferentemente do que a escola insistentemente, ao longo dos anos, afirma, documentos demonstram que desde quando os primeiros navios negreiros aportaram no Brasil, ocorreram a rebeldia e a resistência contra a escravidão, expressando-se tanto individual como coletivamente. A resistência individual expressava-se por meio de formas extremas como suicídios, abortos (as mães escravizadas não queriam ver os filhos tendo o mesmo tipo de vida que elas), assassinatos de feitores e de escravizadores. A resistência coletiva também expressou-se através de fugas em grupo, de incêndios nos canaviais, da capoeira, da religião, da formação dos próprios quilombos.

    A região é propícia para esconderijo. Inclusive, as comunidades denominadas Nhunguara, São Pedro, Pedro Cubas e Cangume posicionam-se em lugares estratégicos das montanhas de onde se pode avistar uma vasta área.

    Esses aspectos serviram de estímulo para a busca de subsídios históricos que justificassem a hipótese de que elas teriam sido formadas por escravizados fugitivos dos navios negreiros que atracavam nos portos de Iguape e Cananeia. Assim, poder-se-ia considerar, como segunda hipótese, que, no Brasil, já havia negros escravizados muito mais cedo do que anuncia a historiografia oficial, divulgada através de livros didáticos, por exemplo.

    Uma terceira hipótese é a de que as características linguísticas, inferidas pela leitura da matéria de um jornal, fossem resquícios de antiga língua africana, utilizada pelos primeiros negros que habitaram a região. Uma última hipótese era a de que, retratando um mesmo contexto histórico e cultural, a linguagem encontrada seria comum a todas as comunidades. Os fenômenos linguísticos, portanto, explicar-se-iam pela configuração histórica e social das comunidades em questão.

    Para desenvolver a ideia, parti tanto do levantamento dos fatos históricos que condicionaram a formação dos bairros, quanto da gravação de depoimentos dos habitantes mais idosos, a fim de verificar a subsistência e/ou coexistência de variantes linguísticas.

    As primeiras informações, por exemplo, que despertaram a minha curiosidade para conhecer a região, surgiram com a edição de 13 de abril de 1986, página 25, do jornal Folha de São Paulo, que anunciava a existência de comunidades negras, possivelmente remanescentes de quilombos. O que o jornal anunciava foi constatado por mim em

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